08/02/2007

Novos cursos de Medicina, um atentado


São Paulo abriga hoje o maior contingente de médicos do Brasil. São mais de 90 mil, dos 300 mil na ativa no país. A divisão entre capital e interior é proporcional e fica em torno de 45 mil. Hoje, temos aproximadamente um médico para 470 habitantes no estado, enquanto na capital, em Campinas e Ribeirão Preto, só para citar poucos exemplos, a proporção é de um profissional para 260 cidadãos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estabelece que a relação ideal, para um adequado atendimento, é de um médico para mil habitantes.

Temos profissionais de sobra. Nem por esse motivo os problemas de assistência foram resolvidos. Ao contrário, o sistema da saúde continua repleto de falhas, algumas graves, e falta mão-de-obra em muitas regiões, até na capital, onde, é essencial repetir, contamos com a média de 260 médicos para cada cidadão.
A opção pela quantidade é equivocada e irresponsável, já está provado. Enquanto a mercantilização da saúde prevalece, e o Governo Federal sustenta a proliferação de novos cursos de Medicina, os erros médicos aumentam assustadoramente. Na última década, as denúncias cresceram cerca de 160%.

Formar só para formar, sem oferecer um aprendizado consistente e todos os recursos necessários à boa prática da medicina só atende aos interesses daqueles que abrem novas faculdades apenas com o intuito de amealhar riqueza. É um crime contra a população que tem seu direito fundamental à saúde ultrajado e vê sua vida colocada em iminente risco.

Em virtude desse quadro, chegou a causar alento o anúncio do Ministério da Educação, dias atrás, de que tornaria mais rígidas as regras para a autorização de criação das faculdades médicas. Infelizmente, esse anúncio logo tomou característica de um vil jogo de cena, de uma manobra política e econômica. Nem uma semana se passou e o MEC permite a abertura de mais três escolas de Medicina em São Paulo, fato que reforça a opção pela quantidade e não pela qualidade, podendo transformar-se em pesadelo para o bom funcionamento do sistema de saúde e para a assistência à população.

Segundo o Diário Oficial da União de 5 de fevereiro de 2007, a Universidade Anhembi Morumbi, Centro Universitário São Camilo e Universidade Paulista (Unip/Objetivo) têm autorização para criar faculdades médicas, podendo oferecer, cada uma delas, cem vagas em vestibular ainda em 2007. Outra agravante: a atitude do MEC afronta, inclusive, o Decreto Federal 5773, de 9 de maio de 2006, que estabelece em seu artigo 28, parágrafo 2º, que "a criação de cursos de graduação em Direito e em Medicina, Odontologia e Psicologia, inclusive em universidades e centros universitários, deverá ser submetida, respectivamente, à manifestação do Conselho Federal da OAB ou do Conselho Nacional de Saúde".

De 2002 a 2007 oito novas escolas de Medicina entraram em funcionamento no Estado de São Paulo: cinco na capital e três no interior. Hoje, somam 31, formando anualmente mais de 3 mil médicos. O processo de mercantilização é evidente. As mensalidades são exorbitantes, giram em torno de R$ 3 mil, mas os cursos muitas vezes não têm professores qualificados, faltam-lhes instrumentais básicos e hospital-escola, a grade curricular nem sempre é adequada e existem graves problemas pedagógicos. A cada ano, parcela expressiva dos novos profissionais colocados no mercado apresenta flagrante formação insuficiente. Problema que se torna mais sério pela falta de vagas para a residência médica.

O Ministério da Educação deve satisfação à sociedade sobre o absurdo que agora comete. A Associação Médica Brasileira e a Associação Paulista de Medicina buscarão as medidas legais cabíveis para reverter este quadro e para embargar a abertura dos novos cursos, defendendo, assim, a saúde da população. De qualquer forma, cabe a cada cidadão começar a pensar na hipótese de, em caso de enfrentar problemas no atendimento médico de saúde, acionar juridicamente o governo pelo aval que tem dado à abertura, no mínimo, pouco criteriosa e totalmente desnecessária de cursos de Medicina.



Artigo publicado no Jornal de Brasília em 08/02/2007 e escrito pelo presidente da Associação Paulista de Medicina, Jorge Machado Curi

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