20/03/2009

Nova técnica pode tratar Parkinson com estímulo elétrico na medula

Destaque de capa da revista ?Science?, estudo de brasileiro feito em roedores traz alternativa a cirurgia no cérebro



Uma nova intervenção terapêutica desenvolvida pelo cientista brasileiro Miguel Nicolelis promete melhorar a vida de pacientes com doença de Parkinson. Ele e seus colegas da Universidade Duke, nos Estados Unidos, encontraram um caminho mais longo, porém muito mais seguro, para estimular as áreas do cérebro afetadas pela doença, aliviando os sintomas e reduzindo os efeitos colaterais da terapia convencional.

Em vez de introduzir eletrodos no núcleo cerebral - uma cirurgia invasiva e de alto risco -, a equipe optou por uma rota alternativa inédita: estimular a medula espinhal, por meio de uma microcirurgia semi-invasiva e de baixíssimo risco. Os primeiros testes com animais renderam resultados positivos. Os cientistas planejam continuar a pesquisa com macacos e seres humanos ainda neste ano, no Brasil.

O estudo é destaque de capa da edição de hoje da revista americana Science. Nicolelis acredita que a técnica poderá se transformar em um novo padrão para o tratamento de Parkinson - não só nos estágios mais avançados da doença, como ocorre com a cirurgia cerebral, mas desde o início, em combinação com a terapia medicamentosa. "Todo paciente poderia ter acesso a essa técnica", disse Nicolelis ao Estado. "Em um ano, acho que já dá para começar os testes clínicos."

O Parkinson é uma doença neurodegenerativa sem cura que destrói neurônios produtores de dopamina no cérebro. O tratamento padrão é à base de medicamentos que repõem ou estimulam a síntese de dopamina. As drogas aliviam os sintomas - como tremores, lentidão de movimentos e rigidez muscular -, mas há efeitos colaterais e, com o tempo, muitos pacientes se tornam resistentes à terapia.

Nesses casos, a única solução passa a ser a estimulação profunda do cérebro (DBS, em inglês), uma intervenção cirúrgica que envolve a implantação de eletrodos na área afetada do órgão (conhecida como substância negra). Os eletrodos são conectados externamente a uma bateria que envia impulsos elétricos para o cérebro, como se fosse um marca-passo.

Em pacientes com Parkinson, a falta de dopamina faz com que o centro de controle motor do cérebro fique "ligado" sem parar, com um fluxo constante e sincronizado de estímulos nervosos de baixa frequência. "As células disparam todas juntas e continuamente, como se fossem o pêndulo de um relógio, batendo uma vez por segundo", explica Nicolelis.

Os pequenos choques do eletrodo servem para quebrar esse padrão, dando ao paciente maior controle de movimentos. "Quando injetamos a corrente, é como se as células dessem um pulo. Você dessincroniza o sistema e elas passam a disparar em momentos diferentes."


DIFERENCIAL

O mérito do trabalho na Science é obter o mesmo efeito da DBS sem precisar entrar no cérebro - o que é sempre uma opção arriscada. Em vez disso, os cientistas colocaram os eletrodos (duas folhas metálicas flexíveis, de 5 mm2 cada) na parte posterior da medula espinhal.
Segundo Nicolelis, nem é preciso abrir a dura mater, aquela membrana protetora que reveste todo o sistema nervoso central. Ele imagina que, no futuro, seja possível até obter o efeito só com eletrodos cutâneos ou subcutâneos.

Os experimentos na Duke foram feitos com ratos e camundongos deficientes em dopamina, que simulam os efeitos do Parkinson.
Normalmente letárgicos, eles começaram a se movimentar quase que imediatamente ao receber os estímulos elétricos. Nicolelis, agora, quer testar a técnica em saguis, no Instituto Internacional de Neurociência de Natal (IINN), fundado por ele alguns anos atrás.
O primeiro autor do estudo é o chileno Romulo Fuentes, pós-doutorando do laboratório, que virá para o Brasil para dar aulas na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e continuar a pesquisa no IINN.
Só depois dos testes com macacos viriam os testes clínicos, em pacientes, mas Nicolelis está otimista. Se a técnica funcionar em seres humanos - e ele acredita que funcionará -, seria possível aplicá-la em combinação com os precursores de dopamina (levodopa) nos estágios iniciais da doença, reduzindo a quantidade e prolongando a eficácia dos medicamentos.

Do ponto de vista teórico, diz Nicolelis, o estudo muda radicalmente a maneira de se pensar sobre doenças neurológicas. "Temos de parar de pensar no Parkinson como uma doença de uma área específica do cérebro e pensar nela como uma doença sistêmica, que afeta todo o circuito nervoso", diz.


Fonte: O Estado de São Paulo

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