Dr. Ricardo Alexandre Hanel, formado pela UFPR em 1997, dirige Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Baptist Health,
em Jacksonville, Flórida
Há pouco mais de duas décadas, um jovem natural de Araruna,
no Norte do Paraná, tornava-se o primeiro médico de sua família ao receber o diploma do curso de Medicina, pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR). Não poderia imaginar que hoje, aos 45 anos, estaria realizando procedimentos de ponta em um centro
de referência mundial em neurocirurgia, fora de seu País de origem. É a história do Dr. Ricardo Alexandre Hanel (CRM-PR 15.831),
diretor do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Baptist Health, na cidade norteamericana de Jacksonville,
Flórida.
clique para ampliarDr. Ricardo Hanel é natural da cidade paranaense
de Araruna (Foto: Arquivo pessoal)
Tendo o pai e o avô paterno cirugiões-dentistas, Dr. Ricardo
superou a expectativa de seguir a profissão de seus ascendentes escolhendo a Medicina, após passar por duas situações de saúde
em sua família. Aos 11 anos, perdeu o avô paterno em um acidente de carro na estrada que liga Campo Mourão a Curitiba, por
choque hipovolêmico, no que acredita ter sido um caso de negligência no suporte de primeiro atendimento. Pouco tempo depois,
aos 13 anos, recebeu a notícia de que sua mãe possuía um linfoma. “Lembro muito bem de ter vivido o tratamento dela nessa
época e sua cura graças ao Dr. Zacarias Alves de Souza Filho (conselheiro decano do CRM-PR), professor que era da Cirurgia
Geral no Hospital de Clínicas, e ao Dr. Carlos Roberto de Medeiros, da equipe do Prof. Ricardo Pasquini no HC e no Nossa Senhora
das Graças”, faz questão de frisar.Alguns
anos depois e já com a Medicina em seus objetivos, mudou-se do interior para a capital Curitiba. Estudou o “terceirão” no
Curso Positivo e, em seguida, passou em Medicina na UFPR. “Penso no Ricardo de vinte e poucos anos atrás, recém-formado e
sem muita noção do caminho a seguir”, lembra. Apesar disso, sua trajetória profissional foi de muito foco e dedicação desde
o início: “Minha formatura foi em janeiro de 1997 e, no mesmo mês, comecei a residência em Neurocirurgia no Hospital Nossa
Senhora das Graças, sob a direção do Dr. João Cândido Araújo. Terminei a residência em janeiro de 2001 e, logo em seguida,
fiz meu mestrado na UFPR”, resume o breve período em que permaneceu no Brasil após se formar.Nova jornada: EUA
A partir de então, Dr. Ricardo iniciou uma nova jornada
no país que escolheu para dar seguimento aos seus estudos: os Estados Unidos. “Sempre tive interesse em pesquisa clínica e,
quando estava na faculdade, do ponto de vista de publicação científica, os EUA sozinhos publicavam cerca de 50% dos artigos
científicos do mundo inteiro. Esse número me chamou a atenção, pois mostrava que, naquele momento, a pesquisa clínica de qualidade
estava concentrada lá, o que não mudou muito desde então”, explica.
Já casado com a também médica Martina Kranich (CRM-PR 18.239) - que é natural da cidade de Terra Roxa,
também no interior do Paraná, e formada pela PUCPR em 2000 -, e com o primeiro filho do casal, Felipe, de apenas um ano, embarcou
para a cidade de Buffalo, no estado de Nova York, para um programa de estudos (fellowship) na State University
of New York. A ideia, ele lembra, era permanecer durante dois anos para fazer uma especialização em neurocirurgia vascular
e voltar ao Brasil para então buscar o emprego de seus sonhos na época: professor da UFPR.
clique para ampliarMentores - Robert Spetzler (Phoenix, Arizona) e Nick Hopkins (Buffalo, NY) durante
Congresso Brasileiro de Neurocirurgia em Florianópolis (Foto: Arquivo pessoal)
Um fator com o qual ele não contava, entretanto, mudou
a direção de seus planos. “A meritocracia na cultura norteamericana é uma coisa muito interessante”, ele pontua. “Aqui não
existe indicação; para quem trabalha sério, as portas naturalmente se abrem.” E não foi diferente com ele. Após um ano de
pesquisa em Buffalo, foi convidado pelo chefe do serviço a ficar na instituição. Foram três anos como professor da State
University of New York que, na época, ele ressalta, era um dos melhores centros de treinamento em neurocirurgia endovascular
do país.Em 2006, participou de um novo
fellowship, desta vez, no Barrow Neurological Institute, em Phoenix, Arizona. Centro de referência mundial
na área, Dr. Ricardo conta que um de seus principais objetivos era poder trabalhar com um dos maiores nomes da neurocirurgia
mundial, o médico alemão Robert Spetzler, que construiu sua carreira naquela instituição.Voltar ou permanecer
Após um ano no Barrow, Dr.
Ricardo sentia que era o momento de voltar ao Brasil. “Cheguei a fazer entrevista para ser neurocirurgião na PUCPR”, lembra.
No entanto, uma proposta de emprego na Mayo Clinic - uma das maiores instituições de saúde sem fins lucrativos dos
EUA, que possui unidades nos estados do Arizona, Flórida e Minnesota -, se somou a um momento decisivo em sua vida. “Minha
família estava super bem adaptada, tínhamos dois filhos pequenos e o terceiro a caminho”, lembra. Além disso, uma sucessão
de episódios de violência urbana sofridos por familiares próximos e até mesmo a perda de colegas de profissão em Curitiba
acabaram pesando na decisão de permanecer nos Estados Unidos.
clique para ampliarDr. Ricardo e sua esposa, Dra. Martina, durante
a gravidez da pequena Isabella (Foto: Arquivo pessoal)
Unindo oportunidade de trabalho e segurança,
a família Hanel mudou-se para a Flórida, na cidade de Jacksonville, a maior daquele estado. Dr. Ricardo tornou-se professor
titular de neurocirurgia na Mayo Clinic, onde atuou por sete anos. E, desde 2014, assumiu a posição que ocupa atualmente
no Baptist Health, na mesma cidade.Ao
longo de todos esses anos fora de seu país de origem, o Dr. Ricardo destaca as qualidades dos profissionais que optam por
desenvolver suas carreiras em outras culturas. “Quem sai da sua rotina, do seu país, para desenvolver conhecimento, tem uma
gana muito grande de trabalhar, de se empenhar para crescer do ponto de vista profissional e também em todos os outros aspectos”,
acredita.A despeito da pesada rotina de
consultas, cirurgias e pesquisa, ele considera a distância da família a maior dificuldade que enfrenta em seu dia a dia. “O
maior sacrifício que fazemos é estar longe de nossa família no Brasil, mas hoje tenho filho em faculdade, não penso em voltar.
O que tento fazer é estar próximo do meu país o máximo possível”, ele pondera.Família
Filhos: Isabella, de três anos, Felipe (à esq.), de 19 anos, Eric, de 11, e Andre,
de 15 (Foto: Arquivo pessoal)
Além do primogênito Felipe, que atualmente está com
19 anos e é curitibano, Dr. Ricardo tem outros três filhos: André, de 15 anos, Eric, de 11, e a pequena Isabella, de três
anos. O filho mais velho mora em Rhode Island, onde cursa a faculdade de Engenharia Biomédica. Como nos Estados Unidos o sistema
de ensino superior é diferente do Brasil, ele ainda poderá optar pelo curso de Medicina quando finalizar os quatro anos iniciais
da faculdade (college). “Ele não fala, mas acho que ainda pensa em fazer (Medicina). Meu segundo, André, me falou
umas semanas atrás que pensa em fazer Medicina e depois Neurocirurgia”, confidencia.Ter uma família grande, entretanto, nunca esteve em seus planos. “Nunca fui um cara
que sonhou ter isso ou aquilo; vou tocando a vida no dia a dia”, explica. E lembra que, quando namorava sua esposa Martina
– “uma verdadeira fortaleza” -, ainda na faculdade, não faziam planos de ter filhos. Quatro filhos depois, ele brinca: “Falo
com minha esposa que se fôssemos mais novos faríamos mais um filho.”
clique para ampliarDr. Ricardo com os pais, Irineu e Adilia, aos
seis anos, em formatura da pré-escola (Foto: Arquivo pessoal)
O médico conta que viaja a Curitiba com toda a família
pelo menos uma vez ao ano e que retorna sempre que tem oportunidade. Os pais, Irineu Hanel, dentista aposentado, e Maria Adilia
Rodrigues Hanel, moram na cidade de Campo Mourão, onde também vive a avó paterna, Adelina, aos 95 anos. Segundo filho de uma
família de quatro irmãos, suas três irmãs optaram por carreiras distintas (Fonoaudiologia, Direito e Psicologia) e vivem em
Arapongas e em Curitiba.Mas a opção pela
carreira na Medicina tem inspirado as novas gerações de sua família. Uma prima acabou de se graduar pela UFPR, a Dra. Angela
Adriane Hanel Antoniazzi (CRM-PR 41.648). Além dela, o Dr. Ricardo ainda tem uma sobrinha que faz Medicina na PUCPR, um filho
de outra prima que está nas Faculdades Pequeno Príncipe, um primo que faz faculdade em Minas Gerais e outro sobrinho que pretende
prestar vestibular para Medicina.Ligação
com o Brasil
Para compensar a distância, Dr. Ricardo afirma que procura estar próximo de outros brasileiros
que também estão fora de casa. “Procuro trazer estudantes e médicos brasileiros para os nossos programas”, conta. Atualmente,
ele conduz um programa de research fellowship com três médicos estrangeiros, dois dos quais brasileiros – o paranaense
Gustavo Maldonado Cortez (CRM-PR 40.970), natural de Arapongas, e o paulista André Monteiro.
clique para ampliarDr. Ricardo Hanel (diretor do fellowship em Cirurgia
Cerebrovascular, Baptist Jacksonville) e Dr. Eric Sauvageau (centro) com a classe de 2014: Ramesh Grandhi, (esq.) e Rick Williamson
(Foto: Arquivo pessoal)
Outro programa desenvolvido é o de clinical fellowship,
no qual os participantes aprendem a operar de fato, numa espécie de programa de especialização. Atualmente, conta com dois
norteamericanos e um brasileiro, o médico Guilherme José Agnoletto (CRM-PR 30.666), natural de Porto Velho, RO, e que concluiu
sua residência em neurocirurgia pelo Instituto de Neurologia de Curitiba (INC) no ano passado.Além desses programas dentro do próprio Baptist Health, o neurocirurgião também
participa de atividades decorrentes de convênios com faculdades de outros países, como a Universidade Positivo, de Curitiba.
No ano passado, ele conta que participou de uma palestra para cerca de 300 estudantes de Medicina da instituição, experiência
que pretende repetir mais vezes.“Tenho
uma ‘dívida’ com meu país, pois a faculdade pública que temos no Brasil é uma raridade; isso não existe aqui nos Estados Unidos”,
ele afirma. “Ter uma faculdade paga pelos impostos dos cidadãos é um privilégio e faço tudo o que posso para devolver à sociedade”,
explica.Agente multiplicador
Muitos dos médicos que buscam conhecer o trabalho do paranaense o fazem interessados em aprender algumas
das técnicas que o neurocirurgião desenvolveu para o tratamento de aneurismas, em especial para a chamada cirurgia minimamente
invasiva (via endovascular), realizada sem a abertura cirúrgica do crânio. “Tento pensar em tudo o que passei até chegar onde
estou e quero facilitar a vida dos mais novos, ensinar aos jovens cirurgiões o caminho das pedras”, afirma, assumindo a função
de agente multiplicador.
“Treino neurocirurgiões há muito tempo, e é muito bom ver
outros médicos desenvolverem suas próprias carreiras e perceber que dei a minha contribuição”, acredita, lembrando com pesar
a recente perda de um professor que teve durante a residência médica no Graças, o neurocirurgião Arnaldo Dias dos Reis (CRM-PR
6.492), falecido no dia 15 de abril em acidente automobilístico na Serra do Mar.No final de 2017, em uma parceria com a Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, Dr.
Ricardo recebeu um grupo de 12 neurocirurgiões brasileiros para um programa gratuito de treinamento no Baptist Health.
Na primeira semana de abril deste ano, uma nova turma teve a oportunidade de passar pelo mesmo treinamento, desta vez com
o auxílio de doações feitas por entidades ligadas a familiares de ex-paciente: a Trinity Love Hoblit Foundation e
a The Neurosurgery Outreach Foundation.“O
objetivo dessas doações é financiar a educação em neurocirurgia em países menos favorecidos”, explica. Assim, na edição deste
ano, o programa recebeu 14 brasileiros, que foram selecionados entre as 10 melhores notas da prova do 5º ano de residência
médica pela Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, e outros quatro participantes, pela Sociedade de Neurocirurgia do Rio de
Janeiro. Todos participaram do programa gratuitamente, com ajuda de custo para o pagamento de despesas com passagens e estadia.Trabalho e futuro
Dr.
Ricardo explica que, atualmente, o paciente que chega ao hospital com sintomas de AVC é tido como um caso de emergência no
cérebro, sendo conduzido para a sala cirúrgica para liberar a artéria comprometida o mais rápido possível. “Dessa forma, a
chance de recuperação é muito grande; já tive paciente de 101 anos que voltou à vida normal e isso é muito gratificante”,
conta.
Alguns pacientes brasileiros chegam por indicação de outros
colegas cirurgiões ou por consulta direta via site. “Sempre dou minha opinião sem cobrar nada; há pacientes que ficam apenas
na opinião e há aqueles que decidem vir aos Estados Unidos operar comigo”, relata. E conclui: “Tratando o paciente na melhor
da sua qualidade, o resto vem por acréscimo; a parte financeira é consequência.”Além disso, uma das maiores satisfações para esse paranaense de Araruna é poder atender
todos os pacientes que chegam até ele. “Poder tratar todos os pacientes que chegam à minha porta, independentemente de sexo,
cor, religião e se podem pagar ou não é uma das minhas missões; atendê-los exatamente da mesma forma que aqueles que podem
pagar”, orgulha-se.Sobre o futuro, o médico
afirma que seu objetivo é continuar fazendo o que faz hoje, trabalhando em um serviço pelo qual passam todos os desenvolvimentos
tecnológicos da área. “Acredito muito em trabalho duro, trabalhar pesado e estar bem relacionado. Tive a sorte de treinar
a neurocirurgia em um ótimo hospital em Curitiba e saí para os melhores serviços do mundo; hoje em dia, graças a Deus, no
mundo inteiro as pessoas sabem o que a gente faz.”Cidade
de Araruna
Araruna fica a 22 quilômetros de Campo Mourão e a 480 de Curitiba. Tem quase 14 mil habitantes,
com apenas seis médicos ali residentes. Desmembrado de C. Mourão e Foz, foi elevado à categoria de município no começo da
segunda metade do século passado. O atual vice-prefeito é médico. O Dr. Romildo Joaquim Souza (CRM-PR 5.400) é natural de
Cachoeira do Itapemirim (ES) e está formado há 44 anos, tendo como especialidades Cirurgia Geral e Medicina do Trabalho. Em
2009, passou a compor o quadro de delegados do CRM-PR em Campo Mourão, tendo se desligado em 2014 devido à condição política.
O atual prefeito da cidade é Leandro César de Oliveira.O território onde se encontra o município foi
palco de inúmeras incursões castelhanas logo após o descobrimento do Brasil, já que, a partir deste período, os padres jesuítas
fundaram e mantiveram por longo período suas famosas reduções. Um trecho onde se localiza a sede do município teria sido cortado
por um dos ramais do Caminho do Peabiru, trilha pré-cabralina criada e utilizada por povos indígenas que ligava o Chaco, no
Paraguai, ao litoral brasileiro. Araruna possui cidade homônima no agreste paraibano.
Médicos Paranaenses pelo Mundo
Para
saber mais sobre o espaço criado e indicar novos personagens, acesse AQUI. A Dra.Danielle Molinari de Andrade será a próxima personagem da série "Médicos Paranaenses pelo Mundo". Também
formada pela UFPR, ela é diretora médica do Programa de Epilepsia do Toronto Western Hospital e diretora e fundadora
do Programa de Epilepsia Genética do Krembil Research Institute, da Universidade de Toronto, Canadá.