03/09/2013
Editorial Folha de S. Paulo
A poeira levantada pela guerra dos médicos com o governo Dilma Rousseff obscureceu outra questão que precisaria ser discutida: a qualidade do serviço de saúde pública no Brasil no longo prazo, e não só em 2014, o horizonte habitual da Esplanada dos Ministérios.
O conflito está em fase de impasse. Pelo governo, seguem acelerados os preparativos para atuar no front eleitoral, com o reforço de 4.000 profissionais cubanos.
O Planalto se deu conta de que a falta de médicos tem grande ressonância eleitoral. Fixou-se nesse ponto e tirou da manga o programa Mais Médicos. Como quase tudo neste governo, um plano improvisado, sem visão estratégica.
Entidades da classe médica, mal habituadas pelas restrições do mercado de trabalho, se aferram à noção de que não faltam profissionais. O problema, de sua ótica, está na distribuição.
Ambos estão certos e errados.
É evidente que faltam profissionais. Graduados em medicina encontram emprego sem dificuldade (a taxa de ocupação é de 97%). O salário médio está entre os mais altos do país, na faixa de R$ 8.500 para o período 2009-2012.
Por outro lado, a proporção brasileira entre médicos e população está longe de ser ruim. Com 201 milhões de habitantes, temos 1,88 médicos por grupo de mil pessoas - taxa comparável à de países como Coreia do Sul (2,02) e Japão (2,14).
Mas é claro que a carência de serviços de saúde em geral, e não apenas de médicos, é muito maior por aqui, como mostra uma série de reportagens desta Folha.
Não é sequer preciso ir a verdadeiros rincões do país para notar as dificuldades. Sobral, por exemplo, a terceira maior cidade do Ceará, tem de pagar táxi aéreo para que os profissionais saiam de Fortaleza e atendam na região.
A ineficiência e as distorções do sistema de saúde também são patentes. Há 4,29 empregos médicos por grupo de mil habitantes no Sudeste, mas apenas 1,86 por mil na região Norte. O desequilíbrio é similar na repartição de postos de trabalho entre o SUS (clientela de 144 milhões de pessoas) e o setor privado (47 milhões): respectivamente, 1,95/mil e 7,8/mil.
O governo federal aposta suas fichas em multiplicar cursos de medicina. Está nos seus planos criar 11.477 vagas de graduação até 2017.
Ora, a expansão das vagas, que já dera um salto de 68% de 2000 a 2011, ocorreu predominantemente em escolas privadas, onde a evasão é maior e quase nunca há hospital-escola com a estrutura adequada.
Se prosseguir formando profissionais de cuja qualidade a própria classe médica duvida e empregando-os nos convênios de saúde particular, em detrimento do SUS, o país se verá num impasse similar ao da educação: um sistema público cada vez pior, do qual fogem todos aqueles que conseguem pagar por serviços privados.
O Planalto pode até conseguir trazer mais médicos para o país. Ainda fica a dever, no entanto, um plano para garantir melhores médicos e mais saúde - para todos.
Editorial publicado no jornal Folha de S. Paulo em 3 de setembro de 2013.