09/02/2015
Luiz de Lacerda Filho, endocrinologista, já recebeu o Jubileu de Ouro do CRM-PR e está prestes a completar 50 anos como professor da Universidade Federal do Paraná
O endocrinologista Luiz de Lacerda Filho já foi reverenciado pelo jubileu de ouro pelo exercício ético da profissão e agora está prestes a alcançar marca histórica também como professor da UFPR. Ele presidiu a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia por um mandato e a seção do Paraná em cinco gestões.
Em agosto próximo, o Prof. Luiz de Lacerda Filho completa 50 anos de docência na área médica. Ele formou-se em Medicina em dezembro de 1963 pela UFPR; foi nomeado auxiliar de ensino superior do Departamento de Clínica Médica, onde integrou a disciplina de Endocrinologia e Metabologia, criada pelo Professor Atlântido Borba Cortes, até o final de 1987. Sua nomeação ocorreu no ano seguinte à conclusão da residência em Endocrinologia no Serviço de Endocrinologia do Hospital Centenário da Universidad Nacional Del Litoral, em Rosário (Argentina), sob a orientação do Professor Juan José Staffieri, Chefe da Cátedra de Medicina Interna e Presidente da Academia Argentina de Medicina.
Após aprovação no teste do ECFMG (Educational Council for Foreign Medical Graduates, EE.UU.) em 1969, iniciou gestões junto a vários serviços de Endocrinologia dos Estados Unidos e foi aceito como felllow em Endocrinologia Pediátrica no Children´s Medical and Surgical Center do Johns Hopkins Hospital, em Baltimore, Maryland, durante o período setembro/1970 a dezembro/1972, sob a orientação do Prof. Claude J. Migeon, um dos mais renomados endocrinologistas pediátricos no mundo.
Em janeiro de 1988, com o convite do insigne Professor Izrail Cat, Chefe do Departamento de Pediatria, transferiu-se, “temporariamente”, para aquele Departamento (com aquiescência do Departamento de Clínica Médica) para substituir o Professor Romolo Sandrini – primeiro endocrinologista pediátrico brasileiro e criador do que é hoje a Unidade de Endocrinologia Pediátrica (UEP), enquanto este cumpria pós-graduação, na qualidade de Visiting Professor, no Serviço de Endocrinologia Pediátrica do Hospital Johns Hopkins, também sob a orientação do Professor Claude Migeon. O “temporariamente” tornou-se definitivo, com a concordância dos dois departamentos e pela grande afinidade entre o Dr. Lacerda, o Departamento de Pediatria e o Professor Sandrini. Nos períodos de 1997-2001 e 2003-2005, o Dr. Lacerda exerceu a chefia do Departamento de Pediatria.
Em 2009, após sua aposentadoria compulsória (70 anos de idade), foi admitido no Programa Professor Sênior da UFPR, atuando na docência e na orientação de alunos de Mestrado e Doutorado do Programa de Pós-Graduação Saúde da Criança e do Adolescente.
As atividades na UEP (todas as manhãs entre oito e doze horas) envolvem a orientação de alunos de Mestrado e Doutorado, participação no atendimento clínico de pacientes ambulatoriais e internados, junto com os demais professores e médicos da Unidade, bem como residentes e especializandos. Também são envolvem pesquisas clínicas, publicações, participação em congressos da especialidade no Brasil e no exterior – onde na quase totalidade dos mesmos, em conjunto com colegas da Unidade e alunos, apresenta trabalhos científicos.
Atualmente, é presidente da entidade Grupo Crescendo Paraná, que serve de apoio para as atividades científicas e funcionais da UEP. O Grupo Crescendo Paraná foi criado há mais de quinze anos, presidido por pais de crianças com distúrbios de crescimento, tem diploma de utilidade pública estadual e, atualmente, seu corpo diretivo compõe-se de médicos, professores, enfermeiras, psicóloga e secretárias da UEP.
Além das atividades no âmbito acadêmico, há seis anos atua como endocrinologista voluntário da Associação Paranaense de Apoio ao Diabético, situada na Avenida Iguaçu, Vila Izabel, onde todas as sextas, entre 14 e 17h30 atende cerca de dez pacientes diabéticos (em sua maioria adultos e com consultas agendadas).
Desde o início de suas atividades como médico e professor, esteve ligado à Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), tendo sido presidente da mesma no Estado do Paraná em cinco oportunidades: as gestões de 1968-1970, 1982-1984, 1990-1992, 1992-1994 e 1994-1996. Foi presidente do 22.º Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia (Curitiba, 1994) e presidente da SBEM Nacional no biênio 1995-1996. Nesse período, a diretoria nacional, que contava ainda com os eminentes professores Henrique de Lacerda Suplicy (secretário geral) e Hans Graf (tesoureiro), comprou a sede atual da revista oficial da SBEM ‑ Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia ‑ na cidade de São Paulo (82% do valor total do imóvel foi pago pela SBEM Nacional e os restantes 18% pela SBEM – Seção de São Paulo).
HISTÓRICO
Nascido em abril de 1939 na cidade mineira de Miradouro, Luiz de Lacerda Filho morou dos seis aos 17 anos em Muriaé (também na Zona da Mata de MG), quando o pai, alfaiate, resolveu mudar-se com a família para Curitiba, para possibilitar melhores condições de estudos aos três filhos mais jovens (Walkyria, que fez o curso de Direito da UFPR; José Rodolfo, que fez o curso de Engenharia Civil da UFPR, do qual foi Diretor, e Luiz Filho). A chegada foi em 19 de dezembro de 1956. Já em 1958, Luiz, o penúltimo da prole, ingressava no curso de Medicina da UFPR. Durante a solenidade de formatura, em 1963, ganhou a bolsa para se especializar na universidade argentina. A Bolsa Julio A. Enz foi uma premiação instituída em 1946 e que teve como primeiro bolsista o Prof. Gastão Pereira da Cunha (já falecido), eminente cardiologista e um dos baluartes da Faculdade de Medicina da UFPR e do Departamento de Clínica Médica. A bolsa foi mantida por 25 anos e por ocasião do seu jubileu e término, em 1970, todos os recipientes foram agraciados com uma placa de ouro – que o dr. Luiz guarda com orgulho.
Inscrito no CRM-PR em 30 de dezembro de 1964, sob o nº 1548, o dr. Luiz ingressou em 18 de agosto de 1965 na UFPR e, no ano seguinte, casava-se com D. Maria Emília, que conhecera quatro anos antes numa viagem à cidade onde passara parte da infância e adolescência (Muriaé). Dos seis filhos, um deles seguiu seus passos na Medicina, o dr. Claudio Silva de Lacerda, também especialista e mestre em Endocrinologia e Metabologia. Dos outros filhos, um é engenheiro civil, com doutorado pela COPPE/UFRJ e Southampton (UK) e pós-graduação na Universidade de Londres ‑ atualmente professor do Curso de Arquitetura da UFPR; uma é engenheira química com doutorado pela UFRGS/USP/Iowa e detentora de seis patentes (registradas no Brasil, EE.UU. Europa e China) na área de catalisadores; uma (nascida em Baltimore) é odontopediatra e um (o mais jovem) é também dentista, com especialização em prótese.
PROFISSÃO
Durante a primeira etapa dos estudos, o dr. Luiz ajudava os irmãos e o pai na alfaiataria montada em plena Rua XV, n° 279, no centro da capital, e que permitiu a subsistência da família – dois dos irmãos seguiram no ofício. A partir do 3º ano do curso médico começou a “estagiar” no Hospital Nossa Senhora das Graças (HNSG), “onde havia um grupo excepcional, a maioria professores da Federal”, relembra, citando como mentores durante essa fase acadêmica os drs. Lysandro dos Santos Lima, Wadir Rúpollo e Amilcar Gigante na área de medicina interna; Lívio Gulin, Paulo Bittencourt e Nelson Roseira, na obstetrícia; e Ivan Fontoura, na pediatria.
De acordo com o dr. Luiz de Lacerda Filho, os anos passados no HNSG com outros colegas (Paulo Norberto Discher de Sá, João Batista de Freitas Filho, Nelson Barbosa, Kalil Madi, Geraldo Pinto de Almeida, Joarez Nogara e Cláudio Sandri) foram da maior importância para sua formação como clínico geral. Durante a fase clínica do curso, tinha predileção pela medicina interna. Ainda, como acadêmico, fez concurso para admissão no serviço de Hidratação em Pediatria do HNSG onde dava plantões regularmente com outro colega, Dr. Maurício Faiguenblum, que desde cedo tinha pendores para a Pediatria a qual ele exerce até hoje com muita qualidade.
Durante o 6.º ano do Curso de Medicina (1963) cumpriu o internato obrigatório no Hospital de Clínicas (Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Clínica Pediátrica, Clínica de Obstetrícia e Ginecologia), inaugurado apenas dois anos antes. Em fins de 1961 fez concurso para acadêmico do SAMDU (Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência), autarquia do Ministério do Trabalho e Previdência Social, tendo obtido o 1° lugar. No Serviço dava plantões uma vez por semana, sempre iniciando às 20h de sexta e terminando às 20h de sábado. Como durante os dois últimos anos de estágio no HNSG ele e seus colegas se distribuíssem em dois grupos de quatro e davam plantões durante quatro dias e descansavam outros quatro, os dois últimos anos do Curso Médico foram pródigos em atividades práticas.
Apesar disso, relata que arranjava tempo para estudar nos melhores livros de Medicina da época (Farreras Valenti, Pedro Pons, Jimenes Diaz, Bauer e Cecil). Nessa época, conta, as revistas médicas não eram nem acessíveis nem uma prática usual para a maioria dos estudantes. Os anos de atividade prática sob orientação de professores e médicos bem conceituados foram cruciais para aceitar o desafio de substituir um médico de um hospital de Piratuba, no oeste catarinense, no segundo semestre do 6º ano.
O médico diz que as muitas experiências lhe renderam grande aprendizado e segurança na atividade. Relembra uma curiosidade de “advinhação” somente com a indicação, a distância, dos sintomas (febre e dor) de um adolescente que deveria atender no bairro Campo Comprido. Estava se deslocando numa ambulância (do SAMDU) quando “pensou” no provável diagnóstico, em conversa com o motorista; acertou (advinhou!) “na mosca”. Conta também, com bom humor, ser um caso incomum de profissional que teve várias posições no serviço público Federal: nomeado funcionário do IPASE (Instituto de Pensão e Aposentadoria dos Servidores Públicos Federais), depois de poucos meses foi demitido por decreto pelo Presidente Jânio Quadros; acadêmico plantonista do SAMDU; endocrinologista do IAPB (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários), por convite do Professor Domício Pereira da Costa, catedrático de Ginecologia da UFPR, foi admitido em 1966 e pediu demissão em 1967 por não concordar com sua designação para atender o PA (foi a primeira vez que ouvia falar de pronto atendimento); médico endocrinologista do INAMPS (por concurso) de 1968 até maio de 1973; no período (1970-1972), em que esteve nos EUA, recebeu os vencimentos de 1971; em maio de 1973 pediu demissão do INAMPS quando foi comunicado que teria que atender duas cotas de pacientes, no mesmo período de tempo e com salário dobrado. De acordo com a lei, teria que permanecer pelo menos cinco anos na função; caso pedisse demissão, teria que devolver os salários recebidos. E foi o que aconteceu. Além de todos os vínculos, é professor da UFPR até agora.
No período de graduação, relata, era o único integralista da turma. A maioria dos colegas não tinha maiores convicções políticas ou ideológicas. “Tínhamos alguns colegas comunistas e socialistas; dava pra ter boas discussões, mas a convivência foi sempre de tolerância e respeito”. Enquanto acadêmico, frequentava reuniões no Centro Cultural da Juventude Águia Branca “Nestor Victor” (crítico literário) com outros jovens (a maioria acadêmicos de outras faculdades), que também tinham afinidade com o PRP (Partido de Representação Popular). Ali se discutiam temas de política, história, sociologia e problemas brasileiros. “Por sorte não havia nem TV nem internet e nem ninguém tinha carro”.
Não obstante sua “politização” quando estudante, ele pensa que a Medicina não deve estar atada à política partidária. Porém, qualquer profissional liberal em geral e o médico em particular não pode alienar-se dos problemas sociais, políticos, econômicos, entre outros que afligem a todos viventes de uma sociedade organizada. Neste contexto, aproveita para tecer críticas ao Programa Mais Médicos e à propaganda que o sustenta. Lamenta que a sociedade, inserida aí grande parte do contingente médico, esteja alienada das decisões políticas.
Ressalta que um grande problema da formação médica atual é a ênfase na especialização sem uma boa base de conhecimentos clínicos gerais, a utilização desmedida da tecnologia e a cada vez pior relação médico-paciente. Está convicto que conhecimentos de história, de sociologia, noções básicas de psicologia e de filosofia aumentam a qualidade profissional e ajudam na prática da Medicina (para o doente e não para a doença). Todavia, reconhece que “nós, os mais velhos” frequentemente dizemos que “antigamente era melhor”, talvez uma escapatória para não admitir que “a gente é que não evoluiu” com o tempo.
Durante a carreira docente, sempre deu ênfase às aulas práticas (enfermarias e ambulatórios), pois (intuitivamente) achava que se aprende mais ao fazer e ver do que ouvir. “É preciso compartilhar conhecimento, ensinar o que se sabe e não se deixar seduzir por armadilhas do ego”, assinala, lembrando com entusiasmo dos muitos médicos que participaram de sua formação profissional e da sorte (quando jovem) de ter conhecido dois Prêmios Nobel durante sua pós-graduação em Rosário: Bernardo Houssay (de Fisiologia) e Luis Leloir (de Química), ambos argentinos, autores do Tratado de Fisiologia, que era um dos compêndios médicos indicados durante o curso de Medicina na UFPR.
O Prof. Luiz de Lacerda Filho diz que gosta muito da especialidade que escolheu e igualmente de ter incluído a docência em sua carreira, orgulhando-se de ter contribuído para formação de duas gerações de médicos, realçando o contato com filhos de alguns de seus alunos do passado. “Muitos deles já são mestre e doutores”, cita. Uma de suas principais lições até hoje, conta, é de que o médico deve extrair o máximo da consulta clínica, daí o fato de ter abdicado de trabalhos que induziam atendimentos em escala, sem a devida atenção ao paciente.
Laureado com o Diploma de Mérito Ético-Profissional pelo Conselho Regional de Medicina do Paraná, por ter completado em 2013 os 50 anos de dedicação à atividade de forma exemplar, e agora prestes a completar o jubileu de ouro na docência – e também no casamento – perguntamos ao dr. Luiz se seus planos futuros incluem escrever um livro. “Nunca quis isso. Já escreveram tudo e não teria nada de novo”, brinca. Na nossa conversa, testemunhada pelo também professor da UFPR Ehrenfried Wittig, o que não faltaram foram histórias curiosas, como a experiência, ainda nos estudos realizados na Argentina, de ter sido diagnosticado com tuberculose, doença que o teria acometido numa fase de baixa imunidade (o pai também teve a mesma doença).
CURIOSIDADE
Disciplina de Endocrinologia do Departamento de Clínica Médica da UFPR. Unidade de Endocrinologia Pediátrica, Departamento de Pediatria da UFPR.
A Endocrinologia surgiu no Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) no início da década de 60, logo após a inauguração do HC, por iniciativa do Prof. Atlântido Borba Côrtes. Logo no primeiro ano de funcionamento, o Dr. Ledo de La Fayette Martins Maciel, recém-chegado de sua pós-graduação em Nutrologia em Buenos Aires na Argentina, foi incorporado à unidade, lá permanecendo até sua aposentadoria. Três anos mais tarde, foi a vez do Dr. Guido Ludwig ingressar na Unidade, onde permaneceu até seu afastamento em 1972. Em 1965, o Dr. Luiz de Lacerda Filho juntou-se a equipe; anos mais tarde incorporaram-se à Disciplina os Professores Edgard Niclewicz, Luiz A. Hungria de Camargo, Henrique Lacerda Suplicy e Hans Graf. Nos anos subsequentes, nova geração de professores foi admitida e a expressão nacional da Endocrinologia Paranaense só fez aumentar. Chefiou a Disciplina de Endocrinologia e Metabologia do Departamento de Clínica Médica da UFPR nos anos de 1970, 1977, 1978, e no período 1985-1987. Em 1965 e 1966, ele e o Professor Guido Ludwig foram convidados pelo Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Santa Catarina, para ministrar o Curso de Endocrinologia e Metabologia.
Em 1975, foi Professor Convidado (pelo Professor Joaquim Graf) por um breve período para ministrar o Curso Curricular de Endocrinologia e Metabologia do Departamento de Medicina Clínica da Faculdade Evangélica de Medicina, cuja qualidade e expressão ele credita à Professora Mirnalucci R. Gama e colaboradores. Foi vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação Saúde da Criança e do Adolescente – Departamento de Pediatria/Setor de Ciências da Saúde da UFPR, durante dois períodos de quatro anos.
Além da participação na formação de Residentes e Especialistas de Endocrinologia no Departamento de Clínica Médica (entre 1974 e 1987), como docente do Departamento de Pediatria colaborou com o Professor Romolo Sandrini e com as Professoras Margaret Cristina Silva Boguszewski, Suzana Nesi França e Rosana Marques Pereira na formação de mais de 90 pós-graduandos (entre Residentes, Especialistas, Mestres e Doutores) na área de Endocrinologia Pediátrica.
A palavra aposentadoria nunca fez parte de seu ideário. De repente passaram-se os cinqüenta anos e, todavia, continua ajudando suas colegas na UEP (Professoras Suzana, Rosana e Julienne e médicas Gabriela e Marcela) de tal sorte que a semente plantada pelo Professor Romolo Sandrini em 1973 continue sendo uma árvore cada vez mais frondosa.