17/04/2017

Médicos se preocupam com retrato de suicídio em série da Netflix

Associação Paranaense de Psiquiatria emitiu nota com alerta sobre o assunto

A recém-lançada série "13 Reasons Why" (algo como 13 razões pelas quais), da Netflix, caiu na boca do povo por abordar temas polêmicos como suicídio. Contudo, o modo como a trama é conduzida tem preocupado médicos.

Também conhecido pela abreviatura "13rw", o seriado, baseado no livro homônimo lançado em 2007, conta a história de Hannah Baker, uma adolescente que se suicida. Na história, a personagem aponta os motivos (como bullying e estupro) e as pessoas "culpadas" pelo ato.

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), quando o assunto é veiculado ao público de modo adequado, pode ocorrer o efeito de prevenção de mortes e discussão saudável. Por outro lado, quando feito de modo descuidado –como muitos avaliam ser o caso–, o resultado pode ser exatamente o oposto.

A preocupação dos especialistas é que o seriado possa causar um efeito de imitação no mundo real, conhecido como "efeito Werther", nome inspirado no protagonista do livro "Os Sofrimentos do Jovem Werther", de Goethe, publicado em 1774. A popularidade da obra, cujo personagem se mata em decorrência de um amor impossível, desencadeou na Europa uma série de suicídios.

Para Neury Botega, professor da Unicamp e fundador da Abeps (Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio), um dos problemas da série é a ideia de apontar os culpados. "O suicídio é um fenômeno complexo o bastante para não suportar uma explicação simplista, uma causa e efeito", afirma.

Segundo recomendações da OMS para a veiculação de conteúdos relacionados ao suicídio, não se deve tentar atribuir culpas.

Outra questão problemática levantada por especialistas ouvidos pela Folha e também por participantes de grupos de discussão sobre a série é a romantização do suicídio. A história da adolescente contada no pós-morte já traz esse elemento, de acordo com Luís Tófoli, professor de psiquiatria da Unicamp.

Mas a cena mais perigosa da série, segundo os médicos, é a que mostra o suicídio.

"É sensacionalismo deletério, prejudicial para os jovens", diz Alexandrina Meleiro, coordenadora da comissão de estudo e prevenção de suicídio da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).

Segundo a OMS, não se devem mostrar métodos ou imagens de suicídio. A preocupação é com adolescentes vulneráveis, que podem estar enfrentando problemas ou doenças mentais como a depressão. "A série pode, sim, mobilizar uma pessoa que está muito vulnerável para um ato autoagressivo", diz Botega.

Botega afirma que, ao fim de cada episódio, seria adequado a série destinar alguns poucos minutos para uma fala mais real sobre o assunto, sobre modos de buscar ajuda e pessoas que superaram os problemas presentes.

Segundo Amanda Vidigal, gerente de comunicação da Netflix no Brasil, a série é uma adaptação do livro, no qual essa cena é descrita detalhadamente. "A abordagem foi discutida entre a equipe e consultores na área de saúde. Houve todo um cuidado de tratar um tema sensível com seriedade e autenticidade. São cenas fortes, gráficas, mas é preciso mostrar o quanto aquilo é doloroso às pessoas."

Os especialistas afirmam que, mesmo errando bastante a mão em alguns pontos, a série pode incentivar a conversa e a observação do entorno para sinais de alerta.

Segundo o CVV (Centro de Valorização da Vida) –que possui atendimento 24h– , foram recebidos 1.840 e-mails entre os dias 1º e 10 de abril (período próximo à estreia da série). No mesmo período referente ao mês de março foram 635 e-mails.

Segundo Botega, pode ser interessante que pais e filhos assistam juntos ao seriado.

"Essa série coloca o problema na sala de visita das famílias", diz Botega.

Fonte: Folha de S. Paulo

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Confira nota da Sociedade Paranaense de Psiquiatria sobre o assunto

A Associação Paranaense de Psiquiatria (APPSIQ), Federada da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), vem a público manifestar-se a respeito da série “13 Reasons Why”, baseada no best-seller “Os 13 porquês”, de Jay Asher, e lançada pela plataforma de streamming Netflix.

Considerando que as obras de ficção simbolizam a vida real e podem contribuir para fomentar discussões de temas importantes para a sociedade, a APPSIQ manifesta satisfação em constatar que um seriado que trata de bullying, depressão e suicídio entre adolescentes tenha provocado alta de 170% nos acessos ao Centro de Valorização da Vida (CVV), que há 55 anos atua na prevenção do suicídio no Brasil.

No entanto, levando em consideração que a Organização Mundial de Saúde (OMS) relata que mais de 90% dos suicídios estão relacionados com transtornos mentais e que a maioria dos óbitos poderia ser evitado se houvessem estratégias de prevenção mais acessíveis à comunidade, a série “13 Reasons Why” peca por não abordar a questão do adoecimento mental da personagem, não provocar diálogos sobre como o desfecho dela poderia ser evitado e, principalmente, por dar a impressão de que buscar ajuda é inefetivo.

Além disso, a “glamourização” do suicídio e a utilização do autoextermínio como instrumento de vingança provocam o chamado efeito Werther – termo científico pelo qual a publicidade de um caso notável serve de estímulo para novas ocorrências, contribui para a difusão do método, apologia ou idealização do ato. Embora a série apresente a agonia dos que ficam – afinal, um suicídio afeta pelo menos outras seis pessoas de convívio direto com o autor -, ela atrela o suicídio à ideia de culpabilização.

O suicídio é um tema complexo, cheio de tabus e deve ser tratado com responsabilidade, delicadeza e, principalmente, com o apoio de profissionais especializados. Para os que se identificam com a personagem ou já pensaram em suicídio, a APPSIQ reitera que busquem a ajuda de um psiquiatra e coloca todos os seus meios de comunicação à disposição da sociedade.

Dr. Osmar Ratzke

Diretor Presidente da Associação Paranaense de Psiquiatria (APPSIQ)

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