Os resultados do projeto-piloto criado pelos Ministérios da Saúde e da Educação para validar diplomas de médicos formados
no exterior confirmaram os temores das associações médicas brasileiras. Dos 628 profissionais que se inscreveram para os exames
de proficiência e habilitação, 626 foram reprovados e apenas 2 conseguiram autorização para clinicar. A maioria dos candidatos
se formou em faculdades argentinas, bolivianas e, principalmente, cubanas.
As escolas bolivianas e argentinas
de medicina são particulares e os brasileiros que as procuram geralmente não conseguiram ser aprovados nos disputados vestibulares
das universidades federais e confessionais do País. As faculdades cubanas - a mais conhecida é a Escola Latino-Americana de
Medicina (Elam) de Havana - são estatais e seus alunos são escolhidos não por mérito, mas por afinidade ideológica. Os brasileiros
que nelas estudam não se submeteram a um processo seletivo, tendo sido indicados por movimentos sociais, organizações não
governamentais e partidos políticos. Dos 160 brasileiros que obtiveram diploma numa faculdade cubana de medicina, entre 1999
e 2007, 26 foram indicados pelo Movimento dos Sem-Terra (MST). Entre 2007 e 2008, organizações indígenas enviaram para lá
36 jovens índios.
Desde que o PT, o PC do B e o MST passaram a pressionar o governo Lula para facilitar o reconhecimento
de diplomas cubanos, o Conselho Federal de Medicina e a Associação Médica Brasileira têm denunciado a má qualidade da maioria
das faculdades de medicina da América Latina, alertando que os médicos por elas diplomados não teriam condições de exercer
a medicina no País. As entidades médicas brasileiras também lembram que, dos 298 brasileiros que se formaram na Elam, entre
2005 e 2009, só 25 conseguiram reconhecer o diploma no Brasil e regularizar sua situação profissional.
Por isso,
o PT, o PC do B e o MST optaram por defender o reconhecimento automático do diploma, sem precisar passar por exames de habilitação
profissional - o que foi vetado pelo Conselho Federal de Medicina e pela Associação Médica Brasileira. Para as duas entidades,
as faculdades de medicina de Cuba, da Bolívia e do interior da Argentina teriam currículos ultrapassados, estariam tecnologicamente
defasadas e não contariam com professores qualificados.
Em resposta, o PT, o PC do B e o MST recorreram a argumentos
ideológicos, alegando que o modelo cubano de ensino médico valorizaria a medicina preventiva, voltada mais para a prevenção
de doenças entre a população de baixa renda do que para a medicina curativa. No marketing político cubano, os médicos "curativos"
teriam interesse apenas em atender a população dos grandes centros urbanos, não se preocupando com a saúde das chamadas "classes
populares".
Entre 2006 e 2007, a Comissão de Relações Exteriores da Câmara chegou a aprovar um projeto preparado
pelas chancelarias do Brasil e de Cuba, permitindo a equivalência automática dos diplomas de medicina expedidos nos dois países,
mas os líderes governistas não o levaram a plenário, temendo uma derrota. No ano seguinte, depois de uma viagem a Havana,
o ex-presidente Lula pediu uma "solução" para o caso para os Ministérios da Educação e da Saúde. E, em 2009, governo e entidades
médicas negociaram o projeto-piloto que foi testado em 2010. Ele prevê uma prova de validação uniforme, preparada pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do MEC, e aplicada por todas as universidades.
Por causa do desempenho
desastroso dos médicos formados no exterior, o governo - mais uma vez cedendo a pressões políticas e partidárias - pretende
modificar a prova de validação, sob o pretexto de "promover ajustes". As entidades médicas já perceberam a manobra e afirmam
que não faz sentido reduzir o rigor dos exames de proficiência e habilitação. Custa crer que setores do MEC continuem insistindo
em pôr a ideologia na frente da competência profissional, quando estão em jogo a saúde e a vida de pessoas.
Fonte:
Editorial publicado no Jornal O Estado de São Paulo, dia 03 de janeiro de 2011.