17/07/2008
Médicos "fogem" do interior do Paraná
SAÚDE EM ALERTA - Distorção prejudica atendimento no interior
Médicos preferem trabalhar nos grandes centros; proporção em cidades menores chega a um profissional para cada 3 mil
habitantes
O número de médicos trabalhando no Paraná, 16.819 segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado, resulta na média
de um profissional para cada 611 paranaenses. Média razoável se comparada à brasileira, que é de um médico para cada 555 habitantes
de acordo com dados do Conselho Federal de Medicina (CFM).
No entanto, a má distribuição desses profissionais pelos 399 municípios do Estado resulta em atendimento deficitário nas
pequenas cidades. Os médicos preferem trabalhar nos grandes centros. Com isso, cidades como Curitiba - que tem um médico para
cada 225 habitantes - e Londrina - proporção de um para cada 319 habitantes - têm índices comparáveis a de países com grande
investimento na Medicina, como a França, que para cada 300 franceses tem um médico.
Enquanto isso, em cidades menores, os prefeitos penam para contratar e a relação médico por habitante fica muito distante
de poder ser chamada de 'primeiro mundo'. Entre os entraves para o maior número de profissionais nas cidades menores está
a Emenda Constitucional 41, de 2003, que diz que os servidores municipais não podem ter salários superiores ao do prefeito.
Poucos médicos se interessam por salários de R$ 4 mil ou R$ 5 mil para trabalhar em cidades pequenas.
Em Catanduvas (50 km ao Sul de Cascavel), os 9.578 habitantes contam com apenas três clínicos gerais - 1 médico para cada
3.192 habitantes. É o pior índice entre os 20 municípios pesquisados pela FOLHA. Nessa conta não entra o médico que trabalha
na Penitenciária Federal e se dedica exclusivamente ao atendimento dos detentos, que hoje são menos de 200.
'Em 2006, fizemos um concurso para contratar médicos, porém houve denúncias de fraudes e só agora, em 2008, saiu uma liminar
judicial dizendo que poderíamos convocar os dois aprovados. No entanto, eles não apareceram para assumir o cargo', informou
a secretária de Saúde de Catanduvas, Noeli Cavichon.
Segundo ela, o salário oferecido aos aprovados era de aproximadamente R$ 5 mil. 'Não podemos pagar mais do que ganha o
prefeito. Com isso ninguém se interessa', lamentou. A solução encontrada foi abrir licitação pública para contratar um médico
como se fosse uma empresa. Fica com a vaga aquele que oferecer o menor preço.
'A nossa expectativa é pagar em torno de R$ 8 mil para o médico que vamos contratar. Estamos precisando de mais um profissional
e devemos fechar a contratação até o mês de agosto', comentou a Noeli. O próximo contratado de Catanduvas também será clínico
geral. Todos os atendimentos com especialistas, inclusive pediatras e ginecologistas, são feitos em Cascavel.
Em Quitandinha (72 km a Sudoeste de Curitiba), a rotatividade de médicos é tamanha que os concursos são realizados praticamente
todos os anos, segundo a secretária de Saúde do município, Jaqueline Ribas da Cruz. No último concurso, no início de 2008,
três médicos foram aprovados. A nomeação aconteceu em maio, mas uma das contratadas já desistiu. Questionada sobre o 'entra
e sai' de médicos, a secretária é enfática. 'Preciso de mais um clínico geral e um pediatra, porém tenho que pensar na população
e administrar o orçamento, que é curto', enfatizou.
Na cidade, oito médicos trabalham na rede básica de saúde e se revezam nas 17 unidades de atendimento, 15 delas na Zona
Rural, onde está 70% da população do município, cuja base da economia é a agricultura de subsistência. O orçamento para a
saúde dos 15 mil habitantes é de R$ 3 milhões por ano, ou R$ 250 mil por mês. Cada médico ganha salário praticamente igual
ao do prefeito, R$ 7,6 mil. O pagamento dos oito profissionais consome 25% do orçamento para a saúde de Quitandinha, que tem
índice de médico por habitantes de 1 para cada 1.445.
Solução em Prado Ferreira foi fazer licitação
Os três clínicos gerais e o pediatra não moram na cidade
Prado Ferreira (53 km ao norte de Londrina), cidade tranqüila de 3.344 habitantes, emancipada há apenas 10 anos. No
hospital municipal, uma situação rara para quem está acostumado com os abarrotados hospitais públicos das maiores cidades
do Estado: dos 20 leitos, apenas um estava ocupado na última semana. Segundo os funcionários, é sempre assim.
Nenhum médico mora em Prado Ferreira, mesmo assim para cada 836 habitantes há um profissional. Trabalham no município
três clínicos gerais e um pediatra, que moram em Londrina e Rolândia e se deslocam até a cidade para prestar atendimento.
Contudo, para contar com os profissionais foi preciso investir. Em um concurso público realizado em 2006, que oferecia
salário de R$ 2,6 mil por 40 horas semanais, só teve um aprovado, que acabou desistindo da vaga. ''A única solução foi fazer
uma licitação e contratar empresas médicas, dessa forma podemos pagar a eles mais do que ganha o prefeito'', explica Magna
Regina Procópio, secretária de Saúde.
Os médicos também são donos de empresas e, em vez de receberem holerite, emitem nota fiscal a cada mês. Não têm direito
a 13º salário e adicional de férias, mas os clínicos gerais recebem R$ 12 mil por mês. O pediatra, que trabalha duas vezes
por semana, ganha R$ 2,5 mil mensais.
Nos plantões, eles fazem de tudo, desde atendimentos ambulatoriais até primeiros socorros de vítimas de acidentes de
trânsito. Os partos também são feitos pelas mãos dos clínicos, que ainda fazem o papel de anestesiologista se for necessária
uma cesárea de urgência. Em casos aprovados pela equipe de planejamento familiar do município, eles também realizam a esterilização
cirúrgica: laqueadura para as mulheres e vasectomia para os homens.
''O médico que tem uma boa formação sabe fazer tudo o que for necessário em uma urgência, inclusive anestesia. Um dos
requisitos para as contratações por aqui é saber se o profissional sabe como proceder em obstetrícia, traumas'', explica o
médico Ludovico Pedro Janesch, que mora em Londrina e trabalha em Prado Ferreira.
Segundo Janesch, apesar da tranqüilidade do hospital, muitas vezes ''o bicho pega''. ''Nosso hospital é de pequeno porte
e temos dificuldades para mandar pacientes de urgência para Londrina. Muitas vezes não há vagas, aí entramos na ambulância
e vamos junto para tentar o internamento'', queixa-se.
Convidado a narrar um caso que lhe marcara em dois anos de trabalho na pequena cidade, ele finaliza narrando um parto.
''O bebê era muito grande e o parto foi complicado. Quando a criança nasceu, estava em completa parada cardíaca, inclusive
a cor do bebê indicava óbito. Eu não aceitei aquilo e fiz massagem cardíaca por mais de meia hora. Alguns funcionários que
me acompanhavam diziam que eu podia parar, pois já não adiantaria. Não desisti. Com muita insistência, a criança voltou a
respirar e hoje está viva e sem seqüelas. Ela ganhou o nome de Vitória. Foi um milagre''.
CRM sugere salário de R$ 12 mil
O presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM) do Paraná, Gerson Zafalon Martins, reconhece o problema da má distribuição
de profissionais. Para ele, é preciso fazer um plano de 'interiorização' de médicos. 'Temos que mandar gente para o interior',
destacou.
'O profissional, principalmente o recém-formado, precisa ir para as cidades pequenas com garantias, pois ele vai precisar
de reciclagem, de especialização, de residência médica. O ideal é que ele tenha carteira assinada e contrato de pelo menos
dois anos. Se houver bom salário e garantias profissionais, o médico vai', afirma Martins.
'Contudo, há oito anos, fizemos essa proposta e ouvimos dos políticos que não seria possível porque em dois anos o médico
fica muito importante na cidade e pode se tornar um político influente', comentou Martins. Questionado sobre qual valor seria
justo para um médico trabalhar em uma pequena cidade, ele opinou que, para 20 horas de trabalho semanal, seria R$ 12 mil por
mês.
Na opinião do secretário de Saúde do Paraná, Gilberto Martin, além da questão salarial, os médicos procuram se concentrar
nas cidades maiores devido à estrutura de ensino, cultura, lazer e serviços.
'Para conseguir um lugar em um mercado de trabalho como o de Curitiba, o médico recém-formado parte para uma especialização.
O ideal é que tivéssemos mais clínicos gerais, pediatras e ginecologistas, fortalecendo o atendimento básico, que é a porta
de entrada de um paciente no Sistema Único de Saúde (SUS). Infelizmente, há profissionais de atendimento básico que estão
em extinção, como o pediatra. Sobram vagas nas residências de pediatria. Isso nos preocupa', lamentou Martin.
Segundo ele, a iniciativa de programas que atraiam os médicos para o interior deve ser do Governo Federal. 'Fazemos a
nossa parte com a implementação de programas, por exemplo, reforçando financeiramente o Saúde da família', completou.
Fonte: Folha de Londrina.