16/12/2007
Médicos em apuros
Pesquisa com profissionais da medicina mostra que eles abusam de substâncias químicas lícitas e proibidas. Automedicação
e abuso de álcool estão entre os principais problemas diagnosticados
O principal responsável pela promoção da saúde da população está doente. Ao contrário do que se possa imaginar, não é
só a extensa jornada de serviço, com a multiplicidade de empregos e as condições de trabalho que estão adoecendo os médicos.
O fácil acesso a medicamentos tornou o profissional da saúde vulnerável à dependência química. Além de abusar de sedativos
e estimulantes, os doutores consomem drogas lícitas e ilegais tanto quanto a população em geral. O uso abusivo de drogas tem
levado a categoria a distúrbios psiquiátricos e ao afastamento dos consultórios, além de afetar a vida pessoal.
"Os médicos estão tomando remédio para dormir e para acordar", afirma Jorge Curi, presidente da Associação Paulista da
Medicina. O perfil de médicos dependentes químicos em tratamento no país faz parte de um estudo do Conselho Regional de Medicina
do Estado de São Paulo (Cremesp), em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A análise envolveu o prontuário
de 365 médicos em 15 estados, com diagnóstico de abuso de substâncias que levam à dependência e que estiveram em tratamento
ambulatorial entre 2000 e 2005.
O levantamento é o tema da tese de doutorado do coordenador da Rede de Apoio a Médicos da Unidade de Álcool e Drogas (Uniad)
da Unifesp, Hamer Nastasy Palhares Alves. "Não há evidência do problema ser mais freqüente entre os médicos do que em outras
profissões", esclarece. Psiquiatra, Alves trabalha há sete anos na Uniad com médicos dependentes.
Entre as constatações que preocupam o especialista, está a demora na busca por tratamento. Para 40,5% dos profissionais,
a procura por ajuda só ocorreu depois de até seis anos dos primeiros sintomas de dependência. "No Brasil não existe uma lei
que obrigue o médico a se tratar", observa Alves. Segundo ele, o Canadá e alguns estados dos Estados Unidos têm controle mais
rigoroso.
A diretora do departamento de gestão e da regulação do trabalho do Ministério da Saúde, Maria Helena Machado, reconhece
a falta de tratamento diferenciado para o segmento. Os cuidados aos médicos estão incorporados na atenção à saúde do trabalhador.
"Temos uma baixa capacidade política de 'obrigar' os médicos a cuidar da saúde", admite.
Automedicação e drogas
De acordo com os dados coletados por Alves, os médicos apresentam taxas de uso nocivo e dependência similares às da população
geral, que variam entre 8% e 14%. A situação piora quando as drogas são de fácil acesso para a categoria. Nesses casos, os
índices são cinco vezes maiores do que na população em geral. Como é o caso da dependência de analgésicos derivados da morfina
que provocam sensação de bem-estar - os opióides (10,9%) e os sedativos e controladores de ansiedade - e os benzodiazepínicos
(13,7%). Embora em menor incidência, 8,5% dos médicos dependentes iniciaram tratamento para se livrar de drogas ilícitas como
crack, cocaína, anfetaminas e inalantes.
A automedicação também é considerada preocupante. Na pesquisa, foi encontrada em 71,2% dos casos investigados. Segundo
especialistas da área, o alto percentual demonstra o abuso de farmacológicos, que geralmente são utilizados para tentar amenizar
desequilíbrios emocionais. "Anestesistas e ortopedistas têm facilidade para conseguir opiáceos e, por isso, usam mais analgésicos.
Diferentemente do clínico, pediatra e cirurgião que, sem acesso a calmantes, têm problemas com o uso abusivo de álcool", exemplifica
Curi.
O perfil da maioria dos 365 investigados é de homem, casado, com idade média de 39 anos. A pesquisa constatou que o uso
de substâncias químicas começa por vota dos 32. A depressão foi o problema psiquiátrico mais encontrado no grupo em tratamento
por uso nocivo ou abusivo de substâncias químicas. Em 84% dos médicos em tratamento, identificaram-se problemas profissionais;
63% no casamento; 36% sofreram acidentes automobilísticos, e 27% tiveram o emprego afetado. "Não se trata de uma novidade.
O Conselho Federal de Medicina denuncia as condições de saúde dos médicos há mais de 10 anos", afirma Curi, presidente da
APM.
Fonte: Correio Braziliense