05/04/2019
Evento começou na quarta e terminou nesta sexta (5); outros temas debatidos foram exame de proficiência, publicidade, telemedicina e internato clandestino
“O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência”. Partindo dessa premissa, assegurada no Código de Ética Médica, os palestrantes conduziram os debates da tarde do segundo dia do I Encontro dos Conselhos de Medicina 2019, na quinta-feira (4). O tema foi abordado pelas perspectivas do Sistema Único de Saúde (SUS) e também da Saúde Suplementar.
O evento, que teve a sua abertura na quarta-feira (03), no Mar Hotel, em Recife (PE), foi encerrado nesta sexta (5), com debates sobre telemedicina e aspectos éticos e morais do internato clandestino. Nos três dias, outros temas em destaque foram a relação médico-paciente na perspectiva personalista, exame de proficiência de egressos em Medicina, implicações legais da propaganda enganosa na medicina e também o novo Código de Ética Médica, a viger nas próximas semanas.
Os presidentes do CFM e do Cremepe, Carlos Vital e Mário Fernando da Silva Lins, foram os coordenadores dos trabalhos, que envolveram todos os Conselhos de Medicina. O Paraná esteve representado por seu presidente, Roberto Issamu Yosida, e ainda pelos conselheiros Marilia Cristina Milano Campos de Camargo, Katia Sheylla Malta Purim, Thadeu Brenny Filho e Victor Emmanuel Evangelista da Silva.
Debate sobre autonomia
Na visão do coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS, Donizetti Dimer Giamberardino Filho, conselheiro representante do Paraná no CFM, a autonomia é a capacidade de pensar, decidir e agir, de modo livre e independente. Apesar disso, ele pontuou uma série de condições que impõem limites ao exercício da medicina na rede pública. “Muitas vezes a imprensa nos coloca como vilões, como se as condições da assistência fosse médico dependente. Como o médico pode exercer plenamente suas atividades sob má gestão dos recursos, corrupção e em contexto de total adversidade?”, ponderou.
Ele citou, por exemplo, dois recentes levantamentos do CFM que revelam o subfinanciamento e a falta de infraestrutura no SUS. Um deles mostrou que os governos (em níveis federal, estaduais e municipais) aplicaram, diariamente, cerca de R$ 3,48 per capita para cobrir as despesas públicas com saúde dos brasileiros em 2017. Outro aponta para uma queda de mais de 34 mil leitos de internação desde 2010. “O exercício da medicina em meio ao caos oferece riscos à segurança do paciente e coloca o médico em situação de vulnerabilidade”, alertou.
Já o coordenador da Comissão Nacional de Saúde Suplementar do CFM (Comsu), Salomão Rodrigues, destacou que a autonomia do médico vem passando por intensas modificações. Entre os principais motivos, segundo ele, estão o progressivo aumento do conhecimento médico ao longo dos anos, o acelerado avanço tecnológico, a instalação da crise financeira e limitações econômicas do Brasil, entre outros.
Como possíveis soluções para superar os desafios existentes no âmbito da saúde suplementar, Rodrigues propõe que sejam organizadas comissões de honorários médicos em todos os estados, que haja uma participação política mais efetiva da classe, que as associações de especialidades sejam atuantes e habituadas a negociar com as operadoras de planos de saúde e que as denúncias de possíveis infrações éticas sejam levadas aos Conselhos de Medicina.
Conferência de abertura
A primeira conferência do I Encontro Nacional dos Conselhos Regionais de Medicina foi “A relação médico-paciente na perspectiva personalista” coordenada pelo presidente do CFM, Carlos Vital e apresentada pelo médico e professor da Universidade do Brasil, Aníbal Gil Lopes. “O médico precisa compreender a humanidade do outro, transpondo barreiras e interfaces, tentando compreender como o outro constrói suas felicidades e como lidam com suas dores e inseguranças. Só assim, o profissional vai compreender a realidade do outro, sendo não apenas um técnico que pode ser substituído por um robô, mas sim um médico na sua essência”, explicou o conferencista.
Um dos pontos destacados por ele como dificultadores na relação médico-paciente é “a busca incessante de alguns médicos por bens materiais, muitas vezes se sobrecarregando em plantões, o que acaba gerando uma ansiedade no profissional e isso interfere na relação”.
Já sobre a telemedicina, o professor disse que apesar de parecer uma coisa nova, não é. “Há 30 anos, quando morei nos Estados Unidos os exames de imagem eram transmitidos para a índia e no dia seguinte eles voltavam com o laudo”. E ainda completou que o avanço tecnológico envolve a todos. “Mesmo a tecnologia não transferindo conceitos, o uso dela é inevitável”, concluiu.
Na sequência, o 2º Secretário do CFM, Sidnei Ferreira, coordenou a mesa sobre relação médico-paciente: novos tempos, secretariada pela Conselheira do Cremepe, Helena Carneiro Leão, e os expositores Henrique Batista e Leonardo Sérvio Luz que mostrou como está a pesquisa, desenvolvida pelo CFM, sobre suicídio entre médicos.
Publicidade médica
As implicações legais da propaganda enganosa na medicina foram apresentadas na tarde desta quarta-feira (03/04) pelo desembargador do Distrito Federal, Diaulas Ribeiro, no I ENCM, no Mar Hotel, em Boa Viagem, Recife – Pernambuco. O jurista iniciou a conferência apresentando as definições de “propaganda enganosa” que estão relacionadas àquilo que contem uma simulação, um engano; e trazendo as normativas de publicidade do código de defesa do consumidor.
Mas além do viés jurídico, Diaulas destacou a necessidade de trazer a temática para o meio médico, pois a facilidade em fazer publicidade e a popularização das redes sociais geraram formas de fazer propaganda que não eram conhecidas, pelos médicos tampouco por juristas. “As redes sociais viabilizaram um tipo de publicidade que nós não conhecíamos. Até pouco tempo os médicos, mas não só eles, passaram a usar publicidade com custos muito baixos – nas redes, o que no passado custava milhões quando faziam anúncios em televisão, horários nobres”, exemplificou.
Este baixo custo e a facilidade para se fazer publicidade criou a necessidade de aumentar o controle a fim de não permitir os abusos que têm ocorrido, como de divulgação de “antes e depois” de pacientes, ou técnicas inovadoras que não são comprovadas cientificamente. “A publicidade médica não é igual a qualquer divulgação. Quando um médico fala alguma coisa a tendência de induzir a população é muito grande, portanto, a propaganda precisa ter base científica pois serão os dados científicos que vão justificar essa publicidade”, detalhou Diaulas.
O desembargador também contribuiu na elaboração do código de ética médica que será lançado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) nos próximos meses. Nesta nova versão há artigos que tratam especificamente das redes sociais e equivalentes ou congêneres. “Decidimos nesta nova revisão que o médico não está isento de cumprir o código de ética médica quando está nas redes sociais. É o momento de alertar a classe médica que a facilidade das redes sociais continua sujeita as regras de controle e até regras proibitivas para a publicidade médica em geral e nas redes sociais” sinalizou.
Exame de proficiência
Na manhã do segundo dia do I ENCM o debate foi em torno do exame de proficiência de egressos em Medicina. A primeira a falar foi Rosana Leite, diretoria de desenvolvimento da Educação em Saúde. “Almejamos que a nossa educação permita ao homem enfrentar o mundo”, disse. Ela também defendeu a criação de regras em todos os cursos de graduação, e não só nos de Medicina. Sobre a avaliação ao final do curso, ela afirmou: “temos muito medo de avaliação, mas estamos sendo avaliados o tempo todo. Avaliar quem estamos formando significa dizer que estamos modificando a realidade, com o apoio de toda a sociedade”.
Lúcio Flávio Silva, vice-corregedor do CFM, levantou o debate sobre se o exame de proficiência deveria ser único ou cíclico. Ele falou sobre a proliferação de escolas médicas e expôs o cronograma de abertura durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma. Também falou das portarias que instituíram, em 2016, a Avaliação Nacional Seriada dos Estudantes de Medicina (Anasem) e como se deu o declínio. “A Anasem era um sonho de consumo nosso, que infelizmente não aconteceu. Mudou o governo e consequentemente a portaria”, lamentou. O exame pretendia avaliar as habilidades e atitudes do aluno no segundo, quarto e sexto ano do curso, e também era integrada ao Revalida”, pontuou.
A representante da Comissão de Ensino Médico do CFM no evento, Rosana Alves, endossou a importância de haver um exame nos moldes da Anasem. “Queremos que escolas também sejam analisadas, não só os estudantes. E que seja ao longo do curso, e não somente ao final. Só assim poderemos avaliar as competências e habilidades dos egressos”, afirmou.
Sobre a comparação com o exame de Ordem dos Advogados, Rosana ponderou. “Quando alguém se forma em Direito e não passa no exame, existem várias outras possibilidades de atuação para esse profissional. No caso da Medicina, não”. E acrescentou: “a própria OAB tem discuto o exame de ordem”.
Ela também defendeu a existência de um hospital para cada escola de Medicina. “Já ouvi de muitos alunos do sétimo e oitavo períodos afirmaram que só naquele momento estavam aprendendo a tratar pessoas, e não doenças”.
Telemedicina em debate
A primeira conferência desta sexta (5) ficou a cargo do médico Chao Lung Web, professor de medicina da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Câmara Técnica de Informática em Saúde do Conselho Federal de Medicina. Para ele, a telemedicina é uma “quebra de paradigma que precisa estar baseada em resultados e evidências científicas, e não em impressões”. Ele acredita que não há motivos para receio e que é “preciso expandir a atuação médica”.
Aldemir Soares, conselheiro federal, falou sobre o “Presente e Futuro da Telemedicina”. Ele defendeu que cirurgias à distância precisam ter “parâmetros” e mostrou preocupação com a emissão de laudos por técnicos, e não médicos.
Luiz Ary Messina, da coordenação Nacional da Rede Universitária de Telemedicina (Rute), ressaltou os avanços na área com investimentos federais no ensino e na prática da telemedicina. “Atualmente já temos 130 espaços de Telemedicina distribuídos pelo País e precisamos caminhar mais”, afirmou.
Por fim, o 2º vice-previdente do CFM, Jece Brandão, elogiou a iniciativa do Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe) em produzir uma cartilha sobre o tema, na qual sugere algumas mudanças e faz proposições. “Pernambuco mais uma vez saiu na frente e fez um excelente trabalho de reflexão crítica sobre a nossa resolução recentemente revogada”, disse Brandão.