07/03/2012
Médicos cobram veto aos cigarros com sabor
Entidades criticam a Anvisa por adiar a votação que pode proibir a adição de açúcares e flavorizantes ao fumo. Parlamentares
fazem lobby pró-indústria tabagista, sob o argumento de que a medida afetaria cerca de 300 mil agricultores familiares no
Sul do país
Entidades médicas e órgãos regionais, liderados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), protocolaram no dia 5 de março
uma carta na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) protestando contra a decisão tomada pela agência reguladora
de adiar a votação da resolução que proíbe a adição de açúcares e flavorizantes, como o mentol, na produção de cigarros. A
sessão para definir a questão está marcada para a próxima terça-feira, 13 de março.
No documento, eles afirmam "perplexidade" e "inquietação" com o posicionamento do órgão federal e revelaram preocupação
com as futuras deliberações conduzidas pela agência. "Não é admissível que uma agência do porte da Anvisa - que possui corpo
técnico altamente qualificado - possa dispensar as sólidas evidências científicas e basear sua decisão na contramão dos interesses
da saúde da população", diz trecho do manifesto, assinado pela Associação Médica Brasileira (AMB), Federação Nacional dos
Médicos (Fenam), Academia Nacional de Medicina (ANM), Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Sociedade Brasileira
de Cardiologia (SBC), Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc), Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e Associação
Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead).
A Anvisa tem sofrido pressão de todos os lados. Em entrevista ao Correio, o diretor da agência José Agenor Álvares da
Silva revelou que a indústria de cigarro, por meio da articulação de parlamentares, tem intensificado o lobby no governo desde
o início das consultas públicas, em novembro de 2010. Segundo ele, na ocasião, a Anvisa foi chamada para uma série de reuniões
na Casa Civil. "O governo, que ratificou o acordo internacional da Convenção Quadro de Controle ao Tabaco, não pode aceitar
qualquer tipo de interferência desse setor nas decisões e tampouco nas negociações. Já enfatizamos que era papel da Anvisa
regulamentar os produtos derivados de tabaco. Isso é lei", relata o diretor.
Apesar do posicionamento de Agenor, parlamentares da bancada sulista estão dispostos a vencer o embate. Para isso, eles
tentam se aproximar cada vez mais do presidente da Anvisa, Dirceu Barbano. O deputado federal Luis Carlos Heinze (PP-RS),
inclusive, chegou a convidá-lo para conhecer as plantações de fumo e as fábricas de cigarro na Região Sul do país. O presidente
do órgão aceitou, mas ainda não tem data para viajar. Nas últimas semanas, Heinze fez vários apelos para que o presidente
da agência reguladora concedesse mais tempo para a discussão. "Pedi para o Barbano nos ouvir. Eles não conhecem o processo,
falam só de bibliografia. Como vai julgar sem conhecer o processo? É uma insanidade", critica.
Além de Heinze, Barbano se reuniu com um grupo de parlamentares horas antes da votação da Anvisa, realizada em 14 de fevereiro.
No gabinete da senadora Ana Amélia (PP-RS), ele ouviu os argumentos dos deputados federais Alceu Moreira (PMDB-RS), Jerônimo
Goergen (PP-RS) e Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC). Ao votar pelo protelamento da decisão, Barbano afirmou que o documento
da Anvisa precisava de esclarecimentos. Porém, segundo José Agenor, esse debate está na agenda regulatória da agência desde
2009. "Passamos todo 2010 trabalhando essa legislação e tivemos um ano inteiro de consultas públicas", ponderou o diretor.
No discurso padrão dos parlamentares, eles afirmam não ter qualquer relacionamento com as empresas de cigarro. Segundo
eles, o compromisso é com as famílias de pequenos agricultores que dependem inteiramente da renda obtida em contratos com
a indústria. "Há uma mobilização e um engajamento forte dos parlamentares para que o governo se sensibilize com a situação
dessas pessoas", afirma o deputado Peninha. Na opinião do deputado Heinze, o governo precisa ter uma posição mais firme, principalmente
diante da crise mundial de empregos. "Essa questão hoje não tem alternativa. A pobreza rural já afeta mais de 3,7 milhões
e o governo não consegue ajudar. Imagina se outras 300 mil famílias que plantam fumo ficam sem renda?", argumenta. A indústria
tabagista movimenta, segundo a Associação dos Fumicultores do Brasil, cerca de R$ 16 bilhões ao ano no país.
Impasse
No dia 14 de fevereiro, a Diretoria Colegiada da Anvisa se reuniu para votar a resolução que proíbe o uso de aditivos
no tabaco. A direção chegou ao consenso de que os aromáticos deveriam ser vetados, mas a questão da adição de açúcar gerou
o impasse que adiou a decisão. O carboidrato é utilizado em um tipo específico de fumo produzido por mais de 50 mil famílias
brasileiras. A resolução permite o ingrediente por um prazo de 12 meses após a aprovação do texto, tempo para as famílias
se adequarem e para a agência decidir a proibição definitiva.
Três perguntas para Anderson Silvestrini, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia
O adiamento da decisão da Anvisa de vetar os aditivos no tabaco surpreendeu as entidades médicas?
Sim, a notícia causou apreensão porque, para a sociedade e as entidades de classe, era uma decisão óbvia. Não se estava
avaliando o que era melhor, os diretores estavam apenas votando sabidamente que todo jovem e adolescente é atraído pelos aditivos
do cigarro, que mascaram o gosto ruim. A gente esperava um voto que beneficiasse a sociedade.
Como o senhor vê o combate ao tabagismo no país?
Está claro que o Brasil tem dificuldades. O lobby é muito forte. A lei da extinção dos fumódromos, por exemplo, é de 2008,
e só agora foi aprovada. É curioso porque o mundo inteiro tem clareza com relação aos malefícios do cigarro e a indústria
do tabaco tenta distorcer a informação. Antigamente, eles diziam que a nicotina não causava dependência e agora tentam conseguir
mais tempo para fidelizar novos dependentes.
Alguns diretores da Anvisa alegam que não está claro que o açúcar faz mais jovens fumarem. Qual a sua opinião?
Não há dúvidas de que aditivos e açúcar atraem mais os jovens e os adolescentes. O aroma e o paladar são importantíssimos.
Faço uma analogia com bebidas à base de vodka com limão que são consumidas principalmente por esse público, porque têm sabor
melhor.
Fonte: Correio Braziliense