Escrito por Moacyr Scliar, um dos grandes nomes da literatura contemporânea brasileira e médico de profissão, "Linguagem Médica",
da
coleção "Folha Explica",
traz um relato da história da medicina e da luta da humanidade para tratar de uma antiga e persistente acompanhante da espécie:
a doença. O primeiro capítulo pode ser lido abaixo.
Você fica confuso com o linguajar médico? Não entende as bulas de remédio e todos aqueles nomes enigmáticos? Saiba como
decifrar esta linguagem especializada lendo o livro escrito por um médico, mas, acima de tudo, um grande prosador.
Moacyr Scliar é médico, especialista em saúde pública. Um dos autores brasileiros mais traduzidos para outras línguas,
desde 1993 assina uma coluna semanal na Folha. Escreveu também "Contos Reunidos" (Cia das Letras, 1995) e "Na Noite do Ventre,
o Diamante" (2005).
Como o nome indica, a série "Folha Explica" ambiciona explicar os assuntos tratados e fazê-lo em um contexto brasileiro:
cada livro oferece ao leitor condições não só para que fique bem informado, mas para que possa refletir sobre o tema, de uma
perspectiva atual e consciente das circunstâncias do país.
* A doença é uma antiga e persistente acompanhante da espécie humana, como se pode constatar pelo exame de restos arqueológicos.
Ossos de homens pré-históricos mostram marcas de enfermidade e de lesões traumáticas; e na múmia do faraó Ramsés 3º encontramos
as inconfundíveis cicatrizes de varíola, que já foi uma das pragas da humanidade e que hoje, graças a maciças campanhas de
vacinação, está erradicada --não existe mais.
Antiga também é a medicina. Não necessariamente como profissão codificada, reconhecida: cuidar do outro é algo que se
manifesta naturalmente em algumas pessoas ou mesmo em muitas pessoas. Cuidar não significa necessariamente saber o que fazer;
o mais das vezes, significa tentar alguma coisa, com êxito, sem êxito ou com um êxito inesperado, incompreensível. Em crânios
pré-históricos, encontramos evidências daquilo que é provavelmente a mais antiga intervenção cirúrgica: a trepanação, que
consiste basicamente em abrir um buraco no crânio. Poderíamos pensar que, feita em circunstâncias extremamente precárias,
a trepanação matava muita gente, e, de fato, isso deve ter acontecido, mas alguns dos crânios mostram que, nos bordos do orifício,
formou-se aquilo que se chama calo ósseo. Ou seja, houve recuperação, o "paciente" sobreviveu. Mas fica a intrigante pergunta:
por que se fazia trepanação naquela época?
Não temos uma resposta precisa, mas podemos imaginar que esses orifícios eram abertos para que maus espíritos por ali
saíssem. Superstição? Talvez. Mas lembremos também que uma das causas freqüentes de morte naquela época era certamente o trauma
craniano, conseqüente à patada de um animal ou ao golpe de um porrete. O trauma craniano faz com que o cérebro "inche" e,
como não tem para onde se expandir --está fechado numa cavidade óssea--, pode ficar sob pressão, pressão esta que compromete
centros vitais e acaba matando. A grosseira trepanação podia aliviar essa pressão, em alguns casos salvando o pobre troglodita.
O mesmo raciocínio se aplica a outras situações. Os antigos astecas cultuavam uma deusa da fertilidade, representada pela
estatueta de uma mulher dando à luz. Era um apoio espiritual, sem dúvida, numa época em que o parto era um procedimento sempre
natural - a mulher contava apenas com a ajuda de suas companheiras, e qualquer complicação podia ser perigosa. Ao mesmo tempo,
há um chamativo detalhe na estatueta: a mulher está de cócoras. É a melhor posição para o parto feito em condições naturais.
Ou seja, a estatueta da deusa transmite uma informação, fornece um modelo sobre a posição a adotar na hora de dar à luz. Conclusão:
mesmo aquilo que parece superstição pode ter uma certa racionalidade. A racionalidade não se refere, claro, sempre aos resultados
práticos, imediatos; ela pode se traduzir em suporte emocional, nem sempre óbvio, mas nem por isso ausente.
Aos poucos, foi-se desenvolvendo uma linguagem sobre doença e tratamento. Essa linguagem, que varia conforme o lugar e
a época histórica, caracteriza-se por palavras-chaves, expressões que se constituíam em síntese dos paradigmas vigentes no
cuidado da enfermidade. Vamos agora, numa rápida incursão através dos tempos, listar algumas dessas palavras-chaves.
LIVRO
"Linguagem Médica"
Autor: Moacyr Scliar
Editora: Publifolha
Páginas: 88
Quanto: R$ 17,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha
Fonte: Folha de São Paulo