16/10/2006
Todos os anos, no dia 18 de outubro, recebo as felicitações e alguns presentes pelo dia do médico.
Pacientes, familiares e amigos calorosamente nos recordam da nossa verdadeira missão: servir ao próximo. Desta
vez, entretanto, foi diferente. Passaram-se mais de dez anos desde que me formei. Tempo mais do que suficiente para refletir
sobre o que era imaginário e o que existe de verdadeiro no exercício desta profissão.
O imaginário:
a medicina é uma profissão que goza de grande prestígio na sociedade, o que poderá lhe trazer
um futuro garantido.
O real: a medicina é uma profissão milenar, que sempre teve sua importância
nas diversas sociedades. Os curandeiros, que foram os primeiros médicos, muitas vezes exerciam simultaneamente a liderança
espiritual e política nas tribos. Já na Grécia Antiga, a medicina, assim como a arte militar, a economia
e a oratória apresentavam apenas menor apreço do que a ciência política dentro da convivência
social. Hoje, a medicina está massificada e desigual. Perdeu-se o sentido desta profissão como sacerdócio.
No Paraná são quase 16.000 médicos ativos, sendo que 7.000 apenas em Curitiba, o que está bem
acima do que seria o recomendado pela OMS. O médico, dentro do Código de Defesa do Consumidor, é considerado
como um prestador de serviço, igual a qualquer outro profissional. Mas, com uma diferença fundamental: a responsabilidade
que a sociedade lhe impõe é muito maior. Em parte devido a isto, os processos contra médicos tem aumentado
cada vez mais. Mesmo assim, a maioria das pessoas valoriza o bom profissional, o tratam com respeito e consideração
e lembram com carinho daquele que lhe aliviou a dor e lhe cuidou nos momentos difíceis.
O imaginário:
aos médicos, importa apenas ganhar dinheiro.
O real: no mundo real os médicos hoje são mal remunerados.
A grande maioria tem mais de 2 empregos e trabalha mais de 12h por dia, sem contar os plantões, feriados e finais de
semana. É evidente que existe esta preocupação financeira, como qualquer outro profissional. Mas, a maioria
dos médicos é vocacionada e trabalha por amor à medicina. O médico preocupa-se em dar aos pacientes
os melhores tratamentos, o que existe de mais atual em sua especialidade. Faz parte dos preceitos hipocráticos dar
a cada um o que lhe é devido, tal qual existe na filosofia do direito. Contudo, as limitações e dificuldades
existentes no sistema público e também no privado, se traduzem tantas vezes em descontentamento e frustração
profissional.
O imaginário: os médicos não acreditam em Deus. Por isso, muitas vezes são
frios e não se envolvem com os pacientes.
O real: tal qual em outras profissões, os médicos exercem
sua religiosidade ou se afastam dela de acordo com seus próprios valores e experiências vividas. A medicina,
enquanto ciência, não nos afasta de Deus. A convivência diária com a dor e com o sofrimento nos
trazem à lembrança todos os dias das nossas limitações humanas e de nossa finitude. Alguns médicos,
pela dificuldade em lidar com isto, procuram se envolver apenas o mínimo necessário com seus pacientes. Transformam-se
em técnicos, que cultivam a ciência, mas não se tornam verdadeiros artistas.
Presido a Associação
dos Médicos Católicos da Arquidiocese de Curitiba e não são poucos os colegas que manifestam a
sua angústia pela necessidade de um aprofundamento maior nas questões filosóficas e teológicas
essenciais na nossa profissão.
Ciência, ética, caridade e amor ao próximo são os
verdadeiros atributos do médico. A história da medicina tem um sentido maior, que não apenas o acúmulo
do conhecimento e da experiência. Não é objeto apenas do cálculo científico, mas fundamentalmente
de esperança e de crescimento humano.
Assim, como dizia o evangelho de Lucas, - médico, cura-te a ti
mesmo - o que para nós, dentro desta perspectiva de medicina como missão, pode significar: preenche o teu espírito
com o belo, com o bom e com o verdadeiro, para que a tua arte imortalize o artista.
Cícero de Andrade
Urban é Médico Oncologista e Mastologista, Presidente da Associação dos Médicos Católicos
- Arquidiocese de Curitiba e Membro da Câmara Técnica de Bioética do CRM