04/07/2023
Karimy Hamad Mehanna
Desde a morte do Dr. Eduardo Guimarães
Melo, do estado do Piauí, a Associação Brasileira de Cirurgia Pediátrica, assim como toda a Sociedade
Médica, está atônita com o ocorrido.
Um cirurgião pediátrico
sério, talentoso, responsável, comprometido com seus pacientes e com mais de 20 mil procedimentos cirúrgicos
bem-sucedidos não aguentou a pressão de ser chamado de ‘assassino’ após complicação
em um procedimento médico. Leiam com atenção a frase anterior: complicação médica!
E complicação médica
não é erro médico! Qual o significado de ‘complicação médica’? Evolução
desfavorável ou consequência de uma doença pré-existente! No caso em questão, a complicação
ocorreu após a realização de um acesso venoso central. Procedimento cirúrgico de extrema dificuldade,
onde acessamos o coração através da punção de uma veia, em geral na região cervical,
técnica que permite que a criança continue VIVA e sem a qual o paciente evoluiria invariavelmente
para o ÓBITO.
A complicação, um sangramento,
foi prontamente diagnosticado e tratado, mas a criança não resistiu, devido à sua doença prévia.
Nossa especialidade, a Cirurgia Pediátrica,
é muito pouco conhecida. Nossa formação envolve 11 anos de estudo árduo. Estudamos e nos atualizamos
diariamente. Aqui, ‘picareta’ não tem vez! Tem que ser muito preparado, competente e apaixonado para fazer
o que a gente faz todos os dias. Vocês sequer imaginam a infinidade de doenças que atendemos e operamos, desde
o período pré-natal (atendemos gestantes, que tiveram diagnóstico de doenças congênitas,
prestando aconselhamento pré-natal), recém-nascidos prematuros extremos (pesando menos de 500g!), lactentes
e até mesmo adolescentes. Operamos toda região do corpo da criança: face, região cervical, cavidade
torácica, região abdominal, todas doenças do trato digestivo (envolvendo a boca, esôfago, estômago,
duodeno, intestino delgado, intestino grosso e ânus), patologias urológicas, patologias genitais, entre outras.
Nós convivemos com a morte; ela
está sempre por perto, nos rondando, em cada paciente grave que atendemos. É extenuante, é fatigante,
vivemos à beira de um Burnout!
E tudo isto de forma anônima,
sem estrelato, sem elenco, de forma velada, dando nosso melhor todos os dias e beneficiando milhares de crianças e
suas famílias.
Não queremos homenagens, não
queremos reconhecimento, não queremos ‘palmas’ na janela para os ‘super-heróis’ da pandemia,
só queremos saúde física e mental para exercer uma medicina de qualidade e entregar o melhor resultado
para nossos pacientes.
Ah, e com relação a morte?
Esta é inevitável. É a única certeza que temos. Todo mundo morre. E os médicos não
podem mudar esta realidade.
Dra. Karimy Hamad Mehanna
(CRM-PR 23863)
é cirurgiã pediátrica e atua em Curitiba (PR).
**As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.