19/09/2013

Mais respeito ao médico no Brasil

Dioclécio Campos Júnior

Não há preconceito contra médico cubano entre nós. O que há, de fato, é a consolidação do desrespeito governamental ao médico de qualquer origem, mormente cubana. Exemplo é o programa Mais Médicos, uma farsa montada para atingir objetivos eleitoreiros, todos distantes das soluções verdadeiras a que o povo tem direito.

Marqueteiros de plantão burilam a imagem santificada do ministro da Saúde, candidato a governador de São Paulo. A meta é entronizá-lo mediante gestual caridoso que encena e os esperados milagres produzidos por profissionais que nomeia como bolsistas para simular atendimento médico à população carente.

O programa foi imposto. Atesta que democracia é mero rótulo para os detentores do poder autoritário, intrusivo, nada comprometido com a superação das iniquidades sociais. Qualquer divergência é distorcida de imediato, a fim de que não ponha em risco a mistificação engendrada para seguir enganando a opinião pública na lógica do favor generoso, não do direito.

A profissão médica nunca foi tão ultrajada por governantes que ignoram os postulados éticos no intuito de reelegerem-se. Escolheram para adversário a medicina do país. Transferem-lhe a culpa pela mediocridade reinante no SUS. Querem que a população seja mantida na miopia perceptiva, impedida de identificar a falácia dos gestores públicos que só visam interesses eleitoreiros em detrimento das causas maiores a que deveriam se dedicar de corpo e alma. Dissimulam os fatos reais. Constroem factoides para desviar o olhar do povo, seduzindo-o pelas imagens montadas com o objetivo de cercear-lhe a capacidade de pensar.

A medicina sempre prestou o melhor atendimento à demanda da nossa gente. Muito antes de existir a religião fundamentalista do SUS, o médico cuidava, como podia, da assistência à saúde da maioria das pessoas. Atendia em domicílio, consultório privado, instituições públicas e obras filantrópicas como as Santas Casas de então. Figuras como Miguel Couto, Humberto Ferreira, Cesar Perneta, Samuel Pessoa, Euryclides Zerbini, e tantas outras, dignificaram a profissão criada para zelar da vida humana.

Assim atuaram os profissionais trazidos pelos colonizadores portugueses. Assim foram as sucessivas gerações médicas que contribuíram para a saúde dos brasileiros. Assim são os atuais médicos, a despeito do descaso, do desleixo, do escárnio e de aviltantes condições de trabalho que precisam superar para praticar a profissão que sonharam exercer; que estudaram com afinco para nela se formar; que têm de enfrentar árduos desafios para se qualificarem à altura das exigências humanas inerentes ao desempenho cotidiano.

Atribuir ao médico de nossa terra a culpa pela inexistência de requisitos mínimos para tratar de seres humanos enfermos é grave dano moral que precisa ser analisado por instâncias competentes, a fim de que os autores sejam devidamente responsabilizados e se dê um basta à ignominiosa prática da falsidade ideológica que tem norteado os governantes.

Graças ao Programa Mais Médicos, na versão vigente, o governo Dilma entra para a história. Tem a marca da incoerência ideológica nunca dantes revelada pelos predecessores. Dotada de formação que fazia da igualdade humana a pedra fundamental do regime que defendia, mergulha na areia movediça de contradições que emergem contundentes.

Remunerar com salários desiguais os médicos contratados para exercer igual função é ato discriminatório injustificável. Pagar R$ 2 mil ao profissional cubano e R$ 10 mil aos de outra nacionalidade é nítida segregação contra quem veio do país comunista para trabalhar na sociedade capitalista. É o mais grotesco preconceito sofrido pelos doutores cubanos no Brasil. Ainda que se tente explicar a natureza do contrato com o governo castrista, ficará patente o uso da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), como “laranja”, para legalizar o tratamento escravocrata dispensado aos médicos graduados na pobre ilha caribenha.

Não bastasse postura tão contraditória, o governo opta pelo jogo de cena. Nada muda na dinâmica capitalista do Estado. Veta o Ato Médico. Rejeita medicina como carreira de Estado. Prefere apropriar-se da mais-valia do trabalho médico para acumular capital, extorsão bem descrita e condenada por Karl Marx.

Usar a estrutura do SUS para engessar politicamente a medicina é flagrante desrespeito. O médico brasileiro não pode ser mediocrizado. Não cabe obrigá-lo a se treinar nem a trabalhar no SUS. Há de ser formado para prestar assistência da mais alta qualidade a todos os cidadãos brasileiros. Merece mais respeito.

Artigo de Dioclécio Campos Júnior, médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria e representante da SBP no Global Pediatric Education Consortium. Publicado no Correio Braziliense.

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