25/11/2010
Maconha, liberalidade social e a realidade clínica
A sociedade tem se confrontado com dilemas relacionados à grande e crescente disponibilidade de todas as formas de substâncias
psicoativas (drogas), lícitas e ilícitas. Existem evidências suficientes para respaldar a orientação geral ao médico de posicionar-se
claramente contra medidas liberalizadoras da disponibilidade e uso de qualquer substância de abuso.
Como paradigma para esta normativa, temos o caso do tabaco que representa um enorme problema de saúde no planeta todo
e que, objeto de medidas restritivas em comércio e utilização, tem oferecido às autoridades e à sociedade como um todo a esperança
na capacidade da organização social de avançar a patamares de maior saúde.
Claramente, deve o médico, com base ética, apoiar e agir no sentido de garantir o mesmo modelo restritivo a qualquer outra
substância, incluindo o foco contemporâneo na maconha, objeto de crescente condescendência de parte significativa da sociedade.
Há evidências suficientes, como ocorre no caso do tabaco, de que toda e qualquer medida liberalizadora redunda em ampliação
do número de usuários e prejuízo crescente a eles e ao tecido social, desproporcional a eventuais vantagens decorrentes da
descriminalização do uso, produção ou comércio.
Há clara relação entre disponibilidade e uso ampliado. Ademais, a perspectiva de medidas liberalizadoras pelo legislador,
promoverá ainda mais a imagem de benignidade do uso de maconha, o que entra em conflito com evidências científicas que associam
o uso de maconha a risco aumentado de produção de sintomas psicóticos e desencadeamento de surtos psicóticos, antecipando
e agravando a história clínica de indivíduos vulneráveis. Estes, por sua vez não podem ser antecipadamente identificados e
portanto, pela liberalidade que se insinua, serem mais provavelmente expostos ao uso de maconha e as suas conseqüências. Outra
decorrência previsível é a da tendência a liberalidade legal e social ampliarem-se indefinidamente para as demais substâncias
hoje ilícitas e de grande impacto, embora hoje de uso restrito.
Carlos Salgado, psiquiatra, presidente da Associação de Estudo do Álcool e outras Drogas (ABEAD) e membro da Câmara
Técnica de Psiquiatria do CFM