06/12/2020

Leitos lotados, consultórios vazios: como a pandemia atinge o dia a dia dos médicos

Presidente do Conselho de Medicina do Paraná, Roberto Yosida, em entrevista publicada no Portal Gazeta do Povo no fim de semana fala sobre a sobrecarga à estrutura de serviços e aos profissionais, os médicos vitimados pela doença e os impactos com os festejos de fim de ano

O novo avanço da pandemia, com lotação de leitos nos hospitais, não só sobrecarregou os profissionais de saúde envolvidos no tratamento da Covid-19, como também atrapalhou a retomada dos atendimentos de praticamente todas as especialidades médicas pela necessidade de distanciamento social, além da suspensão de cirurgias eletivas - sem urgência - em todo o Paraná. Uma situação incomum na mesma classe profissional, com parte dos médicos sobrecarregados e parte vendo seu trabalho diminuir.

“De um lado, temos os médicos da linha de frente, com muitos dizendo que nunca trabalharam tanto em 20, 30 anos de carreira. De outro, todos os médicos, de todas as especialidades, foram afetados com a queda de consultas e cirurgias”, avalia o médico ginecologista Roberto Issamu Yosida, presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), entidade que registrou a morte de 18 médicos desde o início da pandemia, de um total de 913 profissionais infectados no estado.

clique para ampliarclique para ampliarRoberto Issamu Yosida, presidente do Conselho. (Foto: CRM-PR)

No início da semana (1/11), o CRM-PR emitiu um alerta máximo pedindo à população que colabore nas medidas de prevenção da Covid-19 para que todos possam festejar o Natal com mais tranquilidade e para que as equipes de saúde tenham um alívio na rotina pesada nos hospitais. “Os médicos, principalmente os intensivistas, já são preparados para atuar sob pressão. Mas a pandemia aumentou demais isso", ressalta. "Por isso todos temos que nos unir. só há um inimigo neste momento: o vírus”, apela Yosida em entrevista à Gazeta do Povo. Leia a seguir a entrevista concedida ao jornalista Marcos Xavier Vicente.

A demanda por profissionais de saúde voltou a crescer muito com a nova aceleração de casos. Por outro lado, muitos profissionais estão se afastando, seja por contraírem a Covid-19 ou mesmo por estarem esgotados física e mentalmente. Isso preocupa o CRM-PR?

É sim uma das nossas preocupações, porque temos que equacionar infraestrutura com equipes qualificadas. E quando há um profissional infectado, muitas vezes temos que afastar também outros profissionais da mesma equipe. Fora que estão todos cansados, porque o paciente com Covid-19 exige muitos cuidados dos profissionais de saúde.

Por isso o CRM tem se preocupado muito desde o início da pandemia com a fiscalização dos EPIs [equipamentos de proteção individual, como máscara, luvas, etc]. Além disso, a paramentação e a desparamentação do profissional de saúde no tratamento de pacientes com Covid-19 são muito trabalhosas. São muitos equipamentos para pôr e depois tirar, o que faz com que muitos médicos fiquem horas sem beber água e sem ir ao banheiro, gerando um desgaste muito grande.

Uma das dificuldades é contratar profissionais qualificados, especialmente intensivistas. Como o CRM-PR pode ajudar neste sentido?

O CRM tem acompanhado a formação, apesar de não ser nossa função. Teremos uma atualização de médicos com ênfase em UTI. O intensivista realmente tem que ter um treinamento diferenciado, o que não é fácil. É como um piloto de avião: tem que ser altamente qualificado e capacitado para atuar sob forte pressão.

O que o senhor tem ouvido de desgaste dos médicos no atendimento à Covid-19?

Alguns colegas com 20, 30 anos de carreira dizem que nunca trabalharam tanto e sob condições tão estressantes. Os médicos, principalmente os intensivistas, já são preparados para atuar sob pressão. Mas a pandemia aumentou demais isso. É uma situação complexa porque grande parte dos pacientes são graves, exigem muitos cuidados.

O poder público, a sociedade... quem mais errou para chegarmos a um nível mais preocupante agora do que no meio do ano, quando todos pensavam que seria o ápice da pandemia?

O momento não é de buscar culpados. O culpado é um só: o vírus. A pandemia envolve questões multifuncionais: o comportamento das pessoas, o clima, as medidas do poder público. E são questões regionais, por isso os decretos são municipais. O momento agora é de união de todos os setores, todas as atividades, porque o reflexo do que fazemos agora vai vir daqui duas semanas. E se todo mundo ficar doente ao mesmo tempo, não há sistema de saúde que dê conta.

Por isso o CRM fez esse alerta, porque todos os profissionais que atuam na área de saúde, não só os médicos e enfermeiros, mas também o pessoal da limpeza, da cozinha, todos que trabalham em hospital estão sobrecarregados e reivindicam que a população se cuide. Prevenir na medicina sempre foi o melhor caminho. E a prevenção do coronavírus é fácil de fazer, fácil de se multiplicar e custa pouco: máscara, limpeza das mãos e distanciamento social.

O Natal está chegando, com encontros familiares, aumentando o risco de contágio. Isso preocupa?

Todo mundo está com vontade de abraçar a família, os amigos, mas no momento não dá. O Natal preocupa pelas condições em que estamos. Por isso, temos que somar o máximo possível de forças para controlar a transmissão o mais rápido possível para que possamos renovar as esperanças no fim do ano. Queremos chegar ao Natal com um cenário mais otimista, não com o pessimista. Por isso não adianta as pessoas ficarem umas contra as outras. Agora é hora de união, de seguir o bom senso que está ao alcance de todos na forma das medidas preventivas.

Vale lembrar que a doença está chegando cada vez mais perto de cada um de nós. Cada um de nós conhece alguém que se infectou, que foi ou está internado e mesmo que morreu. O que remete ao fato de que temos duas maneiras de aderir às coisas: por vontade própria ou pelo medo. O ideal seria que todo mundo faça o que tem de ser feito por vontade própria. Mas, neste momento, mesmo que as pessoas façam por medo, vale a pena.

Além dos médicos que estão na linha de frente, como a pandemia atingiu a classe?

A pandemia atingiu todas as especialidades médicas, não só aquelas que atendem os pacientes de Covid-19. Há o lado técnico da pandemia, mas também o lado econômico, com queda no número de consultas e cirurgias eletivas que deixaram de ser feitas. Oftalmologistas, cardiologistas, dermatologistas, ginecologistas, enfim, toda a classe médica está sentindo este impacto.

Fonte: Gazeta do Povo

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