11/12/2005
Jeitinho lucrativo
Uma série de medidas implementadas por lideranças médicas fizeram com que em 30 anos tenhamos conseguido reduzir o tabagismo
de adultos, no Brasil, a quase metade. De fato, de um patamar de 48% de dependência nos anos 70 hoje encontramos cerca de
25% de brasileiros dependentes de tabaco. Entre as medidas bem-sucedidas destacam-se a proibição de fumar em vários ambientes
públicos, a proibição da propaganda e o desenvolvimento de novos tratamentos para se parar de fumar. Relevante também foi
o fato de termos conseguido melhorar a percepção pública dos problemas decorrentes da doença do tabagismo a ponto de que fumar,
visto como charmoso nos anos 60/70, hoje é percebido como coisa de gente brega.
Pelo conjunto das medidas - e seus resultados - o Brasil ganhou respeito internacional e uma posição exemplar, inclusive
para alguns países europeus.
Pois bem. A Organização Mundial de Saúde, prosseguindo a luta pela melhoria dos padrões sanitários da população mundial,
propôs um acordo internacional que, entre outras coisas, compromete os países signatários a desenvolver uma política de favorecimento
da substituição das lavouras de fumo, o que objetiva diminuir a oferta de tabaco.
O prazo para a assinatura do acordo venceu dia 28 de outubro e, pelo que se lê hoje nos jornais, o Brasil optou por uma
adesão com o famoso jeitinho brasileiro. Assina, mas se compromete tanto a financiar os fumicultores que queiram substituir
suas lavouras de fumo, quanto -- pasmem - os que não o desejarem. Ou seja, as lavouras de fumo, fontes de enormes lucros para
as multinacionais e vultosos prejuízos para os governos e a saúde da população, poderão continuar a ser financiadas pelo governo.
Dizendo melhor, pelo seu dinheiro e pelo meu. Autores dessa pérola: políticos brasileiros. O governo federal por um lado e
o Congresso por outro. Este, também pelo que leio, liderado pelo senador gaúcho Sérgio Zambiasi, que foi sensível aos pedidos
de 200 e-mails recebidos (ZH, 28/10, pg. 28).
Os 12,5 milhões de brasileiros que nos próximos 10 anos sofrerão variados agravos de saúde por fumarem, aparentemente,
não enviaram e-mails para nosso senador, que no passado se notabilizou por seu apego às causas populares. Agora, parece movido
por interesses coincidentes com os das multinacionais do tabaco. Uma pena, senhores políticos brasileiros. Perderam mais uma
chance de limpar a barra de vocês e, não o fazendo, nos prejudicarão a todos. Uma pena.
No entanto, talvez não seja necessário vocês se envergonharem muito. Afinal, os que vivem em Porto Alegre viram um médico
de renome aceitar prestigiar a abertura da nova fábrica da Souza Cruz por esta ter-lhe dado verba para a edificação de uma
sala de espetáculos. Talvez verba inferior do que seus executivos gastam anualmente com cafezinho. Aliás, o governador do
Estado do Rio Grande do Sul também lá esteve. Uma pena.