26/08/2009

Jaleco branco à beira do abismo

Profissionais que trabalham em UTIs são os mais suscetíveis à síndrome de Burnout, distúrbio que provoca esgotamento físico e mental e afeta o atendimento aos pacientes.



Vestido de jaleco branco, ele circula pelos leitos das unidades de terapia intensiva (UTIs) com aparência inabalável. Evita contato visual com os pacientes e colegas de trabalho, responde com frieza e, às vezes, apela para a ironia. É como se não quisesse se envolver com a dor alheia. Os que poucos colegas sabem é que esse profissional também está doente e precisa de cuidados. A rotina em ambientes estressantes somada à elevada carga de plantões fazem parte do perfil dos médicos mais vulneráveis à síndrome de Burnout. O termo, que surgiu nos Estados Unidos em meados dos anos 70 e pode ser traduzido como "queimar-se por dentro", serve para retratar uma doença que provoca, em escalas diferentes de gravidade, exaustão emocional, despersonalização (indiferença) e autoavaliação negativa associada a infelicidade.


O diagnóstico é muito subjetivo e, na maioria das vezes, o doente nem percebe que sofre um distúrbio psíquico. A síndrome de Burnout atinge, em graus variados, 63 entre 100 médicos que trabalham em UTIs, sendo que 7,4% deles estão à beira do colapso: cansados ao extremo, insensíveis e insatisfeitos. Os dados são de uma pesquisa inédita idealizada e coordenada pelo especialista em medicina intensiva Dalton de Souza Barros. A síndrome afeta principalmente médicos que sofrem alta exigência no ambiente profissional, vivem em tensão emocional crônica e são expostos com frequência à morte e a conflitos de valores.


Segundo dados do Conselho Federal de Medicina (CFM), a estatística que aponta algum grau da síndrome de Burnout entre os intensivistas - 63% - é mais elevada que na população médica em geral, em que 57% dos profissionais apresentam algum sintoma do distúrbio. "Estamos diante de uma situação paradoxal, na qual a última esperança para a preservação da vida de um ser humano é depositada num profissional desgastado, prejudicado do ponto de vista físico e mental para o exercício do ofício. Uma situação estressante em que o fracasso é irreparável", afirma Dalton, que entrevistou 297 dos 333 médicos intensivistas de Salvador, na Bahia.



Perfil


Segundo dados do estudo, a média de idade dos médicos avaliados é de 34,2 anos, sendo que 71,7% pertencem ao sexo masculino. Esses profissionais ainda extrapolam a carga horária de trabalho, que chega a 74,6 horas semanais, sendo 33,7 horas, em média, destinadas a plantões em UTIs. De acordo com Dalton, a exaustão emocional é considerada a principal reação ao estresse gerado pelas exigências do trabalho.


Esse desgaste provoca cansaço físico e dificuldade de relaxar. Esses sintomas, com o tempo, podem tornar-se crônicos. "Quando o desempenho do indivíduo no trabalho começa a cair, ele tem a autoestima diminuída e sente-se insatisfeito profissionalmente. Isso afeta o desempenho com os pacientes", avalia Dalton.



Ojeriza


"Sentia medo e ojeriza só em pensar que iria para o trabalho." A frase é de um profissional que sofria da síndrome de Burnout. Era assim que Pablo (nome fictício), 33 anos, médico intensivista da rede pública de Saúde da Bahia, reagia ao se preparar para mais uma jornada diária.


Pablo descobriu ser vítima da síndrome em 2005, quando fazia especialização em São Paulo. O médico procurou ajuda com um psiquiatra e passou a tomar um antidepressivo associado a um ansiolítico. "Isso foi provocado pelo excesso de trabalho, pela desilusão com a profissão e a política de saúde vigente neste país", diz. Ele não se considera curado, mas afirma que, após o início do tratamento, conseguiu reduzir os sintomas do distúrbio.



Esgotamento


A síndrome de Burnout, também chamada de síndrome de esgotamento profissional, não atinge apenas os médicos. Trata-se de um distúrbio psíquico de caráter depressivo, associado ao esgotamento físico e mental da pessoa. A doença pode provocar, segundo Dalton Barros, até 13 sintomas físicos, 15 distúrbios psicológicos e 10 comportamentais. Entre os sintomas, destacam-se cefaleia, distúrbios gastrointestinais, insônia, depressão, resfriado frequente, disfunção sexual, humor depressivo, irritabilidade e ansiedade.


Fonte: Correio Braziliense

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