27/07/2009

Investir em formação é coisa séria

Não podemos jamais negar que a produção científica aumentou muito no país. Em maio de 2009, o Ministério da Educação anunciou um crescimento de 56% no número de artigos publicados em periódicos científicos de alto padrão. No período de 2007 a 2008, o Brasil saltou da 15ª para a 13ª posição no ranking de produção científica mundial. Porém, é preciso questionar até que ponto as pesquisas financiadas no país são de fato produtivas para a comunidade.

Considerando a escassez do dinheiro público, as verbas destinadas ao financiamento de pesquisas científicas devem ser investidas prioritariamente naqueles estudos que têm como fim a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. É inconcebível que o dinheiro público seja jogado pelo ralo em pesquisas irrelevantes.

Há pouco tempo, em visita a um Estado afastado de São Paulo, encontrei com um colega médico que havia cursado pós-graduação em uma importante escola médica paulista. Depois de uma conversa informal, ele comentou que, entre mestrado e doutorado, haviam se passado sete anos e suas pesquisas realizadas em animais de experimentação ainda não haviam sido publicadas em revista científica nacional de renome.

Interroguei-o sobre seu curso de pós-graduação, recebendo a informação de que, durante o período, ele tinha se dedicado somente a atividades laboratoriais relacionadas à pesquisa. Em tom de confidência, registrou ainda que sentia necessidade de fazer uma especialização, pois ficara muito tempo afastado do atendimento à beira do leito. Resultado: não estava realizado profissionalmente e tinha consciência de que ficara limitado para atuar plenamente como médico.

Casos semelhantes a esse são inúmeros, onde o título de mestre e doutor é mais importante do que o incremento da atuação profissional. Os critérios de avaliação dos cursos de pós-graduação não podem ser os mesmos adotados para as ciências básicas. Para que o curso seja reconhecido, a Capes exige que ele obtenha conceito mínimo 3. Porém, instituições que se julgam do mais alto nível, querem estabelecer para seus programas, conceito mínimo 5, segundo orientação de uma intelectualidade delirante de profissionais que deixam a desejar como pesquisadores e que não deram certo nem como médicos, nem como professores atuantes.

O mais importante não deve ser o diploma de pós-graduação. Os cursos de qualidade são aqueles que se preocupam em desenvolver habilidades, ética e atitude. Aqueles que mostram como o profissional pode construir seu próprio saber, buscar atualização e aplicar o conhecimento com critério.

É hora de estabelecer metas claras para o direcionamento do dinheiro público na formação de qualidade dos profissionais médicos. Necessitamos de competência e humanismo à beira do leito e na prática diária junto aos pacientes, com o testemunho da presença do professor.

Dentro do ensino da medicina, não devemos estar preocupados apenas em transmitir o conhecimento, é preciso educar. O verdadeiro mestre sensibiliza o aluno sobre problemas sociais da comunidade, tendo em vista o compromisso como formador de opinião. Ensinar o indivíduo a aprender é a nossa obrigação.

Hoje sofremos de uma doença grave chamada "curriculite", em que a patogenia é a vaidade provocada pela aquisição dos muitos títulos. A única saída para deixarmos de supervalorizar os "ratólogos" é a prevenção, porque essa doença, infelizmente, não tem cura.


Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica

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