Eliana Zagui, que desde os dois anos vive em hospital, escreve em seu livro dedicatória
Faz 36 anos que Eliana Zagui vive deitada num leito de UTI do Instituto de Ortopedia do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Vítima de paralisia infantil aos dois anos, ela perdeu os movimentos do pescoço para baixo. Respira com ajuda de equipamentos.
Na cama, a menina se formou no ensino médio, aprendeu inglês, italiano, fez curso de história da arte e tornou-se pintora.
Tudo isso usando a boca para escrever, pintar e digitar. Hoje, lança (só para convidados) seu primeiro livro: "Pulmão de Aço
- uma vida no maior hospital do Brasil" (Belaletra Editora).
Pulmão de aço é o nome de uma máquina, inventada na década de 1920, parecida com um forno. As pessoas com insuficiência
respiratória eram colocadas dentro dela, com a cabeça de fora.
Eliana ficou cinco dias lá dentro, mas não funcionou. A pólio havia paralisado completamente o diafragma e a deglutição.
Ela teve, então, que ser conectada para sempre a um respirador artificial. Só consegue ficar poucas horas longe do aparelho.
Entre 1955 e o final da década de 70, 5.789 crianças vítimas da pólio foram internadas no HC. Sete delas, atingidas com
mais severidade, ficavam lado a lado na UTI. "Nós nos apegávamos um ao outro, como numa grande família. Era a única maneira
de suportar aquilo tudo", lembra Eliana.
Da turminha, só sobreviveram ela e Paulo Machado, 43, que divide o quarto com a amiga e cuja história de vida também aparece
no livro. "A Eliana é minha irmã, a minha família. Tem temperamento forte. Quando vejo que ela está brava, coloco os fones
de ouvido e fico na minha", diz.
Eles poderiam viver com suas famílias, com o apoio do hospital. Mas nunca houve interesse por parte delas. Os parentes
raramente os visitam. "Não me magoo mais. Já sofri muito e hoje aprendi que cada um é cada um."
Eliana e Paulo passam a maior parte do tempo na internet. Ela gosta de sites de relacionamentos, de pintura e artesanato.
Paulo é aficionado por cinema. Está envolvido na produção de uma animação cuja protagonista é Teca, o apelido carinhoso pelo
qual chama Eliana. E, para ela, o amigo é o Teco.
Quando é necessário, ele faz as vezes de irmão mais velho. "Dias atrás, eu me irritei no Face [Facebook] e postei uma
mensagem malcriada. O Paulo viu e me chamou a atenção", conta Eliana, que chegou a ter 3.000 amigos virtuais. "Fiz uma limpa
no final do ano e só deixei uns cem. Agora tenho uns 300, mas preciso limpar de novo."
A saudade dos amigos reais, os quais viu morrer um a um, é o que mais a entristece. "Foram momentos tão bons. Mas não
voltam mais."
No livro, ela relata que flertou com o suicídio. "Avaliava as possibilidades: arrancar a cânula da traqueia com a boca,
cortar ou furar o pescoço." E encerra com humor. "Descobrimos que até para morrer antes da hora precisamos da ajuda de alguém."
Eliana diz que, volta e meia, essas ideias ainda a visitam, mas que hoje tenta aliviar suas angústias nas sessões semanais
de análise.
Pergunto se sonha em viver na casa dos pais. "Não. Eu iria estagnar", responde convicta. Mas, sim, ela sonha em morar
fora do hospital.
Em dezembro último, pela primeira vez em 36 anos, passou o Natal fora do HC, na casa de amigos. Foi de maca e com respirador
artificial portátil. "Foi uma experiência ótima, indescritível."
Quanto ao livro, Eliana diz esperar que ele ajude "aqueles que não querem nada com a vida". "É claro que cada um tem as
suas dores. A minha desgraça não é maior que a sua nem a sua é maior que a minha. Mas é sempre bom poder aprender a tirar
o que vale a pena da vida."
Fonte:
href=" http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1073842-internada-ha-36-anos-em-uti-lanca-livro-de-memorias-escrito-com-a-boca.shtml"
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