17/04/2007
Injeção de sangue vira mania no país e preocupa médicos
Anvisa alerta que a prática é arriscada e sem comprovação científica e manda punir estabelecimento que fizer aplicações
Pacientes estariam abandonando o tratamento convencional para adotar a terapia, colocando a saúde em risco, segundo médicos
Um tratamento ilegal, que envolve injeções de sangue e vem sendo difundido pela internet, virou febre no país e motivo
de preocupação para os médicos. Pacientes estariam abandonando os tratamentos convencionais e adotando a terapia mesmo sem
nenhuma comprovação científica dos benefícios ou da segurança.
A "auto-hemoterapia" (AH) consiste em retirar uma quantidade de sangue da veia e injetar no músculo da mesma pessoa. A
promessa é de cura ou alívio dos sintomas de doenças que vão de rinites e dermatites ao câncer e a Aids.
Na última sexta-feira, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) publicou uma nota técnica alertando que a prática
poderá causar reações adversas, imediatas ou tardias, de gravidade imprevisível. Também determina que as vigilâncias sanitárias
estaduais adotem medidas legais cabíveis -de multas ao fechamento do local que oferece a terapia.
Para Carlos Chiattone, presidente da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, a curto prazo a prática pode oferecer
perigos de infecção. "Antes de ser injetado, o sangue pode se contaminar. A longo prazo, ninguém sabe."
Chiattone diz estar assustado com a "divulgação assombrosa" na internet. "O paciente não deve se iludir e parar o tratamento
convencional."
A auto-hemoterapia tem sido praticada em farmácias ou por profissionais que vão até a casa da pessoa aplicar a injeção.
Recentemente, a Vigilância Sanitária de Criciúma (SC) fechou uma farmácia que fazia o procedimento. O dono respondeu a
inquérito policial e o caso está no Ministério Público.
A Folha apurou que em uma farmácia em Goiânia (GO) há pelo menos mil pessoas fazendo o "tratamento". Um deles é A.H.C.,
32, que afirma ter feito seis aplicações de sangue para curar bronquite asmática. "Não tive mais crise e deixei de usar os
inaladores."
Na internet, fóruns de discussão mostram que a prática está disseminada no país.
O técnico em enfermagem Luiz, que trabalha em dois hospitais municipais de Porto Velho (RO), conta em um desses fóruns
que aplica semanalmente 40 injeções de auto-hemoterapia em vizinhos.
O CFM (Conselho Federal de Medicina) divulgou um alerta condenando o procedimento, embora o maior incentivador seja um
médico: Luiz Moura, 83, do Rio de Janeiro, que produziu um vídeo em que explica como fazer o tratamento ao qual atribui várias
curas.
Procurado pela Folha por telefone, Moura não foi encontrado no seu consultório. Uma mensagem eletrônica gravada diz que
ele não está atendendo. O Cremerj (conselho de medicina do Rio de Janeiro) informa que não pode dizer se Moura está sendo
investigado.
Desde 1911
No Brasil, os primeiros registros sobre a prática da auto-hemoterapia para tratar enfermidades como a febre tifóide datam
de 1911 e foram escritos por F. Ravaut, segundo o médico Luiz Moura, em artigo no site da Associação Brasileira de Medicina
Complementar.
Ele afirma que entre 1943 e 1947, quando cursava a Faculdade Nacional de Medicina (RJ), aplicou a terapia em pacientes
que seu pai operava na Casa de Saúde São José.
Segundo Moura, o objetivo era evitar infecção. Depois, ele diz ter aplicado a auto-hemoterapia em casos de acne juvenil
e, a partir de 1976, em outras doenças.
Fonte: O Estado de S.Paulo