19/11/2014

Iatrogenia e erro médico

Ana Elisa Pretto Pereira Giovanini

Não é incomum que um tratamento de saúde tecnicamente correto, mas cujo desdobramento gerou um dano ao paciente, seja rotulado como erro do profissional da saúde. Tal fato decorre de uma confusão que tem sido feita entre o serviço de saúde prestado, que se esgota no empenho máximo para se alcançar a cura (obrigação de meio), com a cura propriamente dita (obrigação de resultado). Acaba-se responsabilizando o profissional sem a devida investigação de sua conduta profissional.

Importante trazer à baila que não trata a ciência médica de obrigação de resultado, ou seja, de cura absoluta da doença, mas sim de prestação de serviço com a máxima diligência e prudência possíveis, utilizando-se da melhor técnica compatível com o local e tempo do atendimento, em busca da cura, por isso tratar-se de obrigação de meio.

Convém salientar que, mesmo tendo sido o profissional da saúde altamente diligente com seu paciente, empregando-lhe a melhor técnica no tratamento, assim como as melhores medicações, existe o risco de o paciente sofrer alguma alteração de cunho patológico e, consequentemente, um resultado negativo em seu tratamento. Circunstâncias como essa podem caracterizar a chamada iatrogenia.

A iatrogenia consiste em um estado de doença, efeitos adversos ou alterações patológicas causados ou resultantes de um tratamento de saúde correto e realizado dentro do recomendável, que são previsíveis, esperados ou inesperados, controláveis ou não, e algumas vezes inevitáveis. Contudo, tais efeitos não necessariamente são ruins, podendo, inclusive, ser bons.

São os exemplos mais comuns de fontes de iatrogenia as interações medicamentosas, os efeitos adversos de medicamentos, a utilização indiscriminada de antibióticos (o que leva à resistência das bactérias), quimioterapias e radioterapias (queda capilar, anemia, náuseas, etc.), infecções, dentre outros.

Um exemplo mais prático para fins de compreensão é a necessária retirada de parte do estômago com a finalidade de extirpação de um tumor. Embora tratar-se de uma lesão essa remoção parcial do estômago, ela é lícita e permitida, pois necessária para a tentativa de cura.

A iatrogenia, portanto, não acarreta a responsabilidade civil do profissional da saúde, eis que decorrente de um agir tecnicamente correto. Nesse caso, além da intenção benéfica do profissional para a tentativa de cura do paciente, há um proceder preciso e correto, de acordo com as normas e princípios ditados pela ciência de sua área profissional.

Em contrapartida à iatrogenia existe o denominado erro médico – este, sim, gerador da responsabilidade civil do profissional pelos danos dele decorrentes. O erro médico advém de conduta ou omissão negligente (descuido, desleixo), imprudente (sem precaução, imponderado) ou imperita (inabilidade ou desconhecimento técnico) do profissional, da qual resultou um dano ao paciente.

É imprescindível, para que se configure o erro médico, que a conduta ou omissão do profissional tenha sido causadora direta do dano ao paciente. Além disso, é necessário demonstrar que este ocorreu por um agir negligente, imprudente ou imperito do profissional. Pode ocorrer, por exemplo, de o paciente possuir uma doença rara, até então latente, e que foi desencadeada pelo tratamento de uma doença simples, como uma gripe, e acabou gerando danos irreversíveis ao paciente. Nesse caso, não é possível que se impute ao médico a responsabilidade pelos danos irreversíveis, pois a doença rara era, até então, desconhecida e não diagnosticável, de modo que era impossível ao médico saber que a pessoa a possuía e que, portanto, seu tratamento poderia gerar tais danos ao paciente.

A iatrogenia e o erro médico são, portanto, excludentes entre si e inconciliáveis, pois, se restar caracterizada a iatrogenia, não há de se falar em responsabilização por erro médico, eis que inexistiu violação de qualquer dever de cuidado por parte do profissional.
Considerando, portanto, que não se trata a medicina de uma ciência exata e que circunstâncias danosas e algumas vezes alheias à capacidade cognitiva humana podem surgir, imprescindível que, na hipótese de se buscar a responsabilização daquele que ministrou o tratamento, faça-se uma investigação minuciosa e profunda de sua conduta, uma vez que nem sempre uma consequência danosa decorre de um erro médico.

Ana Elisa Pretto Pereira Giovanini, especializanda em Direito Médico, é membro do Instituto Brasileiro de Direito dos Profissionais e Instituições de Saúde (IBDPIS). Artigo publicado no jornal Gazeta do Povo.

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