20/08/2019
Um dos precursores da cirurgia cardíaca no Paraná, presidiu a AMP e Sociedade Paranaense de Cirurgia Cardíaca, foi sócio-fundador da Academia de Medicina e conselheiro e vice-presidente do Conselho
Nascido na cidade de Paranaguá no dia 27 de outubro de 1926, o Dr. Iseu de Santo Elias Affonso da Costa (CRM-PR 348) foi um dos precursores da cirurgia cardíaca no Paraná, tendo sua atuação marcada tanto pelo desbravamento de técnicas inovadoras, após experiências em países que estavam na dianteira do desenvolvimento médico-científico, como por sua evidente erudição, amplo conhecimento científico e cultural que enriquecia a sua prática profissional.
“Vítima” da vocação médica, como costumava dizer, Dr. Iseu era filho de Francisco Jejuhy Affonso da Costa, cuja família era oriunda do Rio de Janeiro, e de D. Iva Correa Affonso da Costa, natural de Paranaguá. Iniciou os estudos no ano de 1944 na Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde pôde vivenciar o ambiente “contagiante” entre professores e alunos, ávidos por promover a Medicina em sua plena capacidade.
Apesar disso, a falta de um hospital universitário estruturado para os acadêmicos da Federal do Paraná àquela época o impulsionou a buscar, após três anos na UFPR, uma oportunidade de completar os estudos em Medicina na Universidade de São Paulo (USP), cujo Hospital de Clínicas, recém-inaugurado, atraía estudantes de todo o país.
Pioneirismo na cirurgia cardíaca
No período logo após sua formatura, em 1950, a cirurgia cardíaca despontava como especialidade médica, muito influenciada pelas descobertas da Segunda Guerra Mundial, como a transfusão sanguínea, a broncoscopia e a anestesia. Antes limitados à cirurgia torácica, os cirurgiões ampliavam os limites da Medicina, desbravando o órgão milenarmente descrito como a “sede da alma”. No Brasil, o principal nome na condução dos trabalhos de ponta na área era o professor Euryclides de Jesus Zerbini, da USP.
Acompanhando de perto todas essas transformações, o Dr. Iseu foi residente do Prof. Zerbini durante dois anos, quando, com auxílio deste, conseguiu uma bolsa de estudos na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Ali, acompanhou estudos experimentais com hipotermia – a qual, com a diminuição do metabolismo cardíaco, possibilitava a paralisação do órgão por até dez minutos, sem que houvesse dano cerebral. Em 1954, ele retornou a Curitiba e, logo depois, passou uma nova temporada fora, desta vez na Alemanha, onde pôde estudar uma tecnologia que revolucionaria a cirurgia cardíaca: a circulação extracorpórea.
Todo o conhecimento adquirido em terras estrangeiras foi aplicado já a partir do início da década de 1960, quando Dr. Iseu retornou a Curitiba. Ele participou, ao lado de cirurgiões consagrados à época, de estudos experimentais para a realização da técnica no Sanatório Médico-Cirúrgico do Portão, sob o comando do Dr. João Luiz Bettega (CRM-PR 525). A partir da inauguração do Hospital de Clínicas da UFPR, em 1961, o grupo transferiu-se para aquela instituição, sob a cadeira do Dr. João Vieira de Alencar (2ª Clínica Cirúrgica). Em novembro daquele mesmo ano, foi realizada a primeira cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea no HC, utilizando-se uma máquina construída artesanalmente na própria capital paranaense.
Em 1967, Dr. Iseu fundou o serviço de Cirurgia Cardíaca da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba e, em 1975, estruturou o serviço de Cirurgia Cardíaca Infantil do Hospital Pequeno Príncipe. Na UFPR, tornou-se livre-docente no ano de 1957 em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental. Transferido para a cadeira da 2ª Clínica Cirúrgica em 1961, ele finalmente se tornou professor titular da cadeira de Cirurgia no ano de 1978, onde permaneceu até aposentar-se, em 1994.
Atuação associativa
Dr. Iseu teve uma vida atuante em diversas atividades culturais e associativas, como a Associação Médica do Paraná (AMP), da qual foi presidente entre 1973 e 1975; a Associação Médica Brasileira (AMB), em que ocupou o cargo de vice-presidente; a Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, da qual foi conselheiro; a Sociedade Paranaense de Cirurgia Cardíaca, da qual foi presidente; a Academia Paranaense de Medicina (APM), da qual foi acadêmico fundador; e a Fundação Santos Lima, da qual foi presidente do Conselho Cultural.
No Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), foi conselheiro de 1963 a 1968, exercendo a função de tesoureiro (1963-1966), e de 1978 a 1983, quando foi vice-presidente da autarquia (1978-1981). Integrou por vários anos a Comissão Julgadora do Prêmio de Monografia, tendo participado, inclusive, da avaliação dos trabalhos e da solenidade de premiação durante os festejos do Dia do Médico, realizado em 16 de outubro de 2010, poucas semanas antes de seu falecimento.
Na sede do Conselho, Dr. Iseu também deixou sua marca. Foi um dos autores, junto com Dr. Carlos Ravazzani, da exposição permanente "Pioneiros da Medicina no Paraná", inaugurada em 2003. Localizada no primeiro andar do prédio, os mais de 20 quadros trazem um rico registro histórico da Medicina no Estado.
Reconhecimento
Dr. Iseu foi reconhecido por diversas homenagens ainda em vida. Recebeu o título de professor emérito da UFPR em 1993 e de cidadão honorário de Curitiba no mesmo ano. Em 1995, foi agraciado com a Honra ao Mérito por serviços prestados, conferida pelo Hospital de Clínicas da UFPR. Em 2001, ele recebeu o Jubileu de Ouro, Diploma de Mérito Ético-Profissional concedido pelo CRM-PR aos profissionais que tenham completado 50 anos ininterruptos de atividade, com relevante e exemplar conduta médica.
Detentor de uma postura inequívoca sobre temas sensíveis da bioética, sempre o fazia a partir de uma visão humanista da Medicina. “O compromisso da Medicina é um compromisso com a vida”, sentenciou o cirurgião em entrevista concedida ao projeto “Memórias Paraná” na década de 1990.
Poliglota, seu currículo exemplar e amplo conhecimento não obstavam, todavia, a amabilidade com que tratava colegas e pacientes. Segundo relato de seu filho, o também cirurgião cardiovascular Dr. Francisco Diniz Affonso da Costa (CRM-PR 8.448), em publicação da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, o cirurgião era admirado por todos à sua volta, fossem colegas de ofício, estudantes ou funcionários.
“Chamava a atenção sua capacidade de relacionamento direta, interessada e harmoniosa com todos a sua volta, independente do outro ser um professor do alto escalão universitário ou um funcionário com atribuições mais simples. Essa atitude era ainda mais marcante com os pacientes, com quem ele adorava falar em alemão, polonês, e até mesmo em latim. Observá-lo nas enfermarias era uma constante aula da importância do relacionamento médico/paciente, algo que parece estar se perdendo na prática médica atual.”
Seu legado também está presente na literatura, com diversas obras publicadas, de cunho principalmente histórico-cultural, como Szymon Kossobudski - Patrono do Ensino da Cirurgia no Paraná (1989); História da Cirurgia Cardíaca Brasileira (1996); Patronos da Academia Paranaense de Medicina (2003-2010); entre outras. No ano de 2007, Dr. Iseu participou de um evento especial em comemoração aos 95 anos da UFPR, lançando o livro “O Ensino da Medicina na Universidade Federal do Paraná”, de autoria conjunta com o médico Eduardo Corrêa Lima.
Faleceu em 4 de novembro de 2010, aos 84 anos, em decorrência de um AVC, deixando a esposa, Arlete Diniz Affonso da Costa, três filhos, Francisco, Julia e André, e netos. Em nota de falecimento publicado pela Gazeta do Povo, o médico é descrito como alguém discreto e reservado, que soube equilibrar a vida profissional e pessoal. “Todas as sextas-feiras era o dia do jantar com os amigos e aos sábados se reunia com um grupo de amigos formado por médicos e empresários. Iseu era um expert em cinema, com gosto refinado e exigente, gostava em especial do cinema europeu.” Na convicção de amigos e familiares, foi um homem feliz, tendo cumprido plenamente sua missão.
Curiosidade
Em entrevista publicada na edição 41 do Jornal do CRM-PR, de dezembro de 2000, o Dr. Iseu registrava com entusiasmo a importância da telemedicina, relatando episódio ocorrido em Guarapuava, em 1880, e que seria a primeira teleconferência que se tem notícia no Paraná, feita por telégrafo. Ancestral dele, pioneiro na implantação de linhas telegráficas no Estado, teria ajudado um médico a se entrevistar com uma junta médica no Rio de Janeiro para melhor identificar quadro clínico de paciente.
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