16/07/2018
A saga de um nordestino em Londrina, para onde foi atraído na primeira metade do século passado com a propaganda do novo eldorado. Integrante do primeiro corpo conselhal, teve três filhos médicos
O Dr. Adolfo Barbosa Góis (CRM-PR 471) era natural do município de Frei Paulo, no interior de Sergipe, e formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1935. Apesar de ter recebido ofertas de empregos para ficar em Salvador, optou por atender o “chamamento” dos folhetos que descreviam Londrina como o novo Eldorado. Pegou um navio da Costeira até Santos e, de lá, para a paranaense Londrina pela estrada de ferro da Sorocabana. Ao desembarcar, qual não foi sua decepção ao se deparar com um local com ruas poeirentas e casas de madeira. Por muitas semanas ficava angustiado quando ouvia o apito do trem, como “chamando-o” para voltar para Bahia.
Em Londrina, ele ficou “amparado” pelo amigo Fonseca,
dono da pensão onde ficou hospedado por muito tempo. Foi a partir daí que começou a verdadeira saga de um nordestino. Sua
faina diária como médico se realizava em consultório instalado em uma sala alugada, onde fazia atendimentos clínicos e pequenas
cirurgias, pois não tinha acesso ao hospital mantido pela Companhia de Terras do Norte do Paraná, onde trabalhavam somente
médicos por ela contratados. Porém, logo sua solidão estava por terminar, com a chegada de uma família
vinda do interior do Mato Grosso, fazendo amizade e conhecendo a sua futura esposa, D. Ruth.
O Dr. Adolfo também era conhecido por
sua habilidade com as palavras e escrita. Ele foi o editor-fundador do jornal Folha Sul, o qual um militar, investido
da função de delegado, invadiu e fechou em 1942, ante a contrariedade com a crítica de que parte do dinheiro arrecadado para
a construção da Santa Casa de Londrina havia sido deslocada para atender a uma obra em Curitiba, coordenada pela esposa do
então interventor Manoel Ribas. “Cortesia com o chapéu alheio” foi o título do editorial, onde grafou a célebre expressão
de que “não dá para segurar a cascavel pelo rabo”. Após ter o jornal fechado e todo o material confiscado, o médico fez sua
crítica pelos opostos de governos estadual e federal: “Tinha me esquecido de que estávamos em plena ditadura de Getúlio Vargas”,
alfinetando Ribas.
Na área médica, foi um dos fundadores da Santa Casa de Londrina, tendo sido o seu primeiro diretor clínico e onde trabalhou até sua aposentadoria por grave enfermidade. Foi um dos fundadores da Associação Médica de Londrina e seu primeiro presidente (1941/1942), cargo que voltou a ocupar em 1965.
Em 1954, após curso de especialização em Cardiologia, em São Paulo, foi o pioneiro nesta especialidade em Londrina. Fundou e instalou, juntamente com seu filho Luis Ernani Cáffaro Góis (CRM-PR 1.920), o Instituto de Cardiologia, que veio a se tornar uma verdadeira “escola” da especialidade com a admissão de muitos colegas, hoje se destacando como profissionais competentes.
De forma paralela, ajudou a fundar, juntamente com outros cidadãos ilustres da cidade, o Centro Norte Paranaense de Pesquisas Médicas, mais tarde transformado em Instituto do Câncer de Londrina, tendo como diretor clínico o seu filho mais velho, Dr. João Fernando Cáffaro Góis (CRM-PR 1.381). Ficou na função até a intervenção política do prefeito Dalton Fonseca Paranaguá.
Em 1954, juntamente com um grupo de médicos do qual pontificava
o cirurgião Jonas de Faria Castro, adquiriu o Hospital e Maternidade Rocha Loures, renovando-o e equipando-o para receber
a nova denominação de Casa de Saúde São Leopoldo. A unidade funcionou até meados de 1980, quando foi vendida para o Conselho
Londrinense de Assistência à Mulher – CLAM, esta uma instituição sem fins lucrativos que ali instalou um serviço médico hospitalar
dedicado à mulher, recebendo por isto o nome de Hospital da Mulher.
Em 1970, acompanhando seu filho João Fernando, fundou e construiu o Instituto de Ginecologia e Obstetrícia de Londrina, contando para isso com uma plêiade de profissionais de diversas especialidades. O Instituto seria vendido depois à Santa Casa de Londrina (Iscal), funcionando até hoje com a denominação de Hospital Mater Dei.
Médico, jornalista e escritor, exerceu também atividade
política, elegendo-se vereador. Integrou a Comissão de Defesa Profissional da Associação Médica do Paraná e foi seu vice presidente
no período de 1966 a 1967. Foi conselheiro da primeira gestão eleita e primeiro vice-presidente do Conselho Regional de Medicina,
no mandato de João Vieira de Alencar. Cumpriu a atividade no período de 1959 a 1963.
Família de Médicos
O Dr. Adolfo fez parte do primeiro grupo de médicos a ser distinguido pelo CRM-PR, em 1986, com o Diploma de Mérito Ético-Profissional, por ter mais de 50 anos dedicados à atividade de forma exemplar. A mesma homenagem alcançou os dois filhos mais velhos, o Dr. João Fernando Cáffaro Góis, formado em 1963 pela UFPR e especialista em ginecologia e obstetrícia; e o Dr. Luís Ernani Cáffaro Góis, especialista em cardiologia e formado também pela Federal do Paraná, em dezembro de 1965.
O cardiologista pioneiro de Londrina teve um terceiro filho médico, o Dr. Antonio Roberto Cáffaro Góis (CRM 2.954), que se formou em 1970 pela Católica do Paraná e se especializou em psiquiatria, tendo exercido cargo de professor assistente na Faculdade de Medicina de Londrina e na UFPR. Ele faleceu em 2011, aos 66 anos de idade.
Na terceira geração de médicos aparece o Dr. João Fernando
Cáffaro Góis Filho (CRM-PR 14.561), formado pela Universidade do Oeste Paulista e que seguiu a especialidade do pai e a dedicação
do avô. E também o Dr. Guilherme Pereira da Costa Góis (CRM-PR 22.676), formado em Belo Horizonte e que seguiu a especialidade
do pai, Dr. Antonio Roberto, a psiquiatria. Ele atua em Curitiba.
Reconhecimento
Essa trajetória de trabalho e dedicação do Dr. Adolfo
resultou em reconhecimentos públicos, como o título de Cidadão Honorário de Londrina, concedido pela Câmara Municipal da cidade.
Uma praça que homenageia o Dr. Adolfo está localizada junto ao Monumento à Bíblia, no bairro Petrópolis, também em Londrina.
Reverência da cidade a um de seus mais ilustres profissionais da medicina e que contribuiu para o desenvolvimento da região.
Apesar de seu espírito liberal, jamais se distanciou das causas sociais. Tanto que trabalhou no chamado Hospitalzinho dos Indigentes (iniciado pelo Dr. Jonas Faria de Castro, formado em 1928 e que chegou à cidade em setembro de 1936) até o seu fechamento, em 1944, quando concentrou seu esforço nas atividades da Santa Casa.
O médico, autor da obra autobiográfica “Dr. Góis –
A saga de um nordestino”, deixou seus exemplos e também ensinamentos registrados nos anais da Associação Médica. “Grandes
inimigos da Medicina: ser apedeuta, ser arrogante... Falta de paciência para suportar as desatenção, indelicadeza e descaso
com as queixas dos pacientes (...) Ressalto que não poderá jamais ser um bom médico quem é ganancioso ou argentário. A ganância
é a porta aberta para os desvios éticos e forja o charlatanismo.”
O Dr. Adolfo Barbosa Góis nasceu em 27 de setembro de 1912 e faleceu no final de 1991.