19/01/2011
Google é site de busca, não de consulta médica
A prática de tomar medicamentos sem prescrição médica custou a vida de 87 brasileiros em 2008. Pelo levantamento do Sistema
Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), da Fundação Oswaldo Cruz, o número de óbitos causados por intoxicação
naquele ano aumentou 74% em relação a 1999 - ano do início da série histórica do Sinitox.
O receio dos médicos é que, com as buscas por dicas de saúde na internet, as mortes decorrentes da automedicação disparem
nos próximos anos.
Há um ditado recorrente entre os internautas de que "se não está no Google, então não existe".
Partindo do pressuposto de que há dicas para tudo nos buscadores virtuais, muitas pessoas recorrem a informações disponíveis
na internet para aliviar algum tipo de dor ou mal-estar.
O velho "jeitinho brasileiro", nesse caso, pode matar. "Todo medicamento pode causar efeitos colaterais ou reações alérgicas",
diz o médico Heine Macieira. "Se com orientação médica já há riscos, imagine sem receita médica", alerta o gastroenterologista.
Em tempos banda larga, o doente, que antes recorria ao balconista de farmácia, agora tem se consultado também com o "Dr.
Google". Pesquisa da seguradora Bupa e do instituto Ipsos Mori, ambos dos Estados Unidos, revela que 86% dos brasileiros com
acesso à internet utilizam a rede para buscar soluções para seus problemas de saúde. Contudo, apenas um quarto do total verifica
se as fontes das informações são confiáveis.
"Existem sites confiáveis, mas mesmo eles não substituem a consulta médica tradicional", adverte o médico cardiologista
Carlos Alberto de Castro.
O cardiologista esclarece que a pedra fundamental da Medicina é o diagnóstico. Se ele for errado ou impreciso, o paciente
pode pagar com a vida. "A pessoa pode ter um problema cardíaco e achar que está com dor de estômago", conta Castro. "Qualquer
médico sabe que a chamada dor na 'boca do estômago', principalmente se acompanhada de vômitos e palidez, é um dos sintomas
de enfarto." Sem o diagnóstico médico, acrescenta Castro, "um leigo vai achar que foi a comida que fez mal e vai à farmácia
comprar um remedinho."
Antes de comprar o remedinho, há quem digite no Google: "dor na boca do estômago". Para uma busca como esta há 292 mil
resultados e muitas bizarrices. Logo na primeira página surgem perguntas como "tenho dor na boca do estômago, mas não é gastrite.
É verme?" Seria divertido, não fosse trágico.
No Sul do País, na classificação do Sinitox, a automedicação só mata menos do que envenenamento por agrotóxicos. Estes
mataram 37 na região Sul, em 2008, contra 14 óbitos decorrentes da ingestão de medicamentos sem prescrição médica.
Castro suspeita que interações medicamentosas - nome técnico para quando um remédio interfere sobre a ação de outro -
tenham contribuído para parte dessas mortes. "Um leigo não tem condição de definir se um medicamento é incompatível com outro",
diz o cardiologista.
"Nenhum medicamento, sem exceção, é isento de riscos", comenta Macieira. Se administrado incorretamente, um simples anti-inflamatório
como o diclofenaco (comercializado como Voltarem e Cataflan), acrescenta o gastroenterologista, pode causar úlceras e hemorragia.
Em casos mais graves, pode matar.
A doença do vizinho pode parecer igual
Entrevista com Carlos Roberto Goytacaz Rocha - presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná
O Diário - Quais os riscos da automedicação a partir de dicas encontradas na internet?
Os medicamentos podem ajudar quando devidamente indicados com dosagem, espaço de tempo entre as tomadas e principalmente
levando em consideração características próprias de cada indivíduo. No entanto, quando tomados indiscriminadamente podem acarretar
danos irreversíveis e até levar à morte.
A doença do vizinho pode parecer igual a sua, mas a reação do seu organismo em relação à mesma medicação que ele está
tomando pode ser totalmente diferente.
O Diário - A Fundação Oswaldo Cruz mostra um aumento de mortes por automedicação no País. Com as "consultas online"
é possível que esse cenário piore ainda mais?
As orientações da internet, em que pese nem sempre serem indicações médicas, são feitas de um modo genérico, sem avaliar
características individuais e levará, sem qualquer dúvida, algumas pessoas a apresentarem problemas graves ou até a morte.
Os riscos da automedicação são grandes e, embora às vezes não tenham consequências imediatas, podem trazer problemas insolúveis
a longo prazo.
O Diário - Existem sites com dicas médicas confiáveis?
Os sites com informações mais confiáveis são os dos organismos governamentais, como Ministério da Saúde e Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (a Anvisa), instituições científicas e representativas da classe médica, como o Conselho Regional
de Medicina.
Exemplificamos o caso da gripe H1N1, quando a proliferação de informações falsas criou falsos conceitos na sociedade e
prejudicou seriamente as ações de prevenção e combate à doença. O mundo virtual abriga muitas informações úteis, que podem
contribuir para uma vida mais saudável. Contudo, a consulta médica é indispensável e só é possível pessoalmente.
Fonte: O Diário de Maringá