22/03/2017
Hi Kyung Ann
No Brasil, no momento, há mais de 112 mil pacientes portadores de insuficiência renal crônica em TRS (tratamento renal substitutivo, um paliativo aos que têm insuficiência renal terminal) para manter a sobrevida, enquanto aguarda transplante renal, que é o tratamento definitivo.
Praticamente 90% desses tratamentos são pagos pelo SUS, pois se trata de procedimento de alta complexidade, com portaria específica do Ministério da Saúde (n.º 389, de 13 de março de 2014), o qual define os critérios para a organização da linha de cuidado da Pessoa com Doença Renal Crônica (DRC) e institui incentivo financeiro de custeio destinado ao cuidado ambulatorial pré-dialítico.
Com a situação atual do País, com processo inflacionário que exige adaptações financeiras em todos os sentidos, também há de se esperar revisão do pagamento de TRS pelo SUS, pois os serviços, para realizar tal tratamento, necessitam estrutura física, humana e insumo de material sob critérios de contínua qualificação.
Todos estamos cientes de que a inflação anual corrói os salários dos que trabalham no setor de TRS e impõe aumento de preço dos insumos, com os custos se agravando com as reformas constantes exigidas dos serviços que realizam o tratamento. Porém, há quatro anos não ocorre reajuste nos procedimentos de hemodiálise, enquanto há 14 anos não são atualizados os valores de CAPD, um tipo de TRS, com diálise peritoneal ambulatorial. Com os serviços comprometidos em seu funcionamento, os portadores de insuficiência renal crônica ficam tolhidos da assistência. Mais mortes surgiram entre os que não conseguiram o TRS de que necessitaram.
Depois de muitas reuniões com representantes dos serviços, a União resolveu reajustar os procedimentos em 8,47%, com vigência a partir de janeiro de 2017. Contudo, o próprio Ministério da Saúde admitiu que o pagamento estava 27% abaixo da necessidade, mas se apressou em propagandear o aumento de 45% nos valores gastos com TRS nos últimos anos. A bem da verdade, não houve aumento de valor e, sim, de pacientes, praticamente em dobro, eis que estamos conseguindo elevar a sobrevida daqueles que necessitam de TRS com qualidade. Em março de 2016, o custo real colocado na planilha de uma sessão de hemodiálise era de R$ 256,98, enquanto estava sendo pago R$ 179,03. Um ano depois, o valor a pagar foi reajustado para R$ 194,16, deixando defasagem abismal e ameaçadora à subsistência dos serviços.
Devemos observar que há carência no fornecimento de insumos e que é quase nula a quantidade de pessoas dispostas a trabalhar voluntariamente nos serviços de TRS, pois, sem a verba necessária, os serviços estão fechando por absoluta insolvência e os profissionais médicos cada vez mais endividados e impossibilitados de saldar seus compromissos financeiros.
É fato que muitos nefrologistas estão mudando de especialidade. As próprias estatísticas demonstram que a nefrologia é uma especialidade em extinção. Sim, é a especialidade menos procurada pelos jovens médicos e, provavelmente em curto prazo, não teremos mais nefrologistas suficientes nos serviços de TRS. Ciente da situação, o Ministério de Saúde já cogita até validar profissionais, mesmo sem treinamento, para trabalhar nos serviços de TRS.
Para obter título de nefrologista, o médico precisa dedicar seis anos no curso de graduação, mais dois em residência em clínica médica e mais dois anos de residência em nefrologia antes de se submeter à prova de validação pela Sociedade Brasileira de Nefrologia.
Pelo descaso dos gestores públicos, será inevitável o processo crescente de descredenciamento dos serviços ao SUS, mantendo somente os convênios e particulares. E, como é de praxe, o Ministério da Saúde vai instigar a população, jogando a culpa nos profissionais pela falha de sistema.
Propaga-se que teve e vai ter mais aumento de gasto na área de saúde. Porém, nada se fala em TRS. Pelo que percebi, em vez de melhorar os serviços de saúde já existentes, quaisquer que sejam, ficam anunciando novos serviços e a compra de ambulâncias. Convenhamos, ambulâncias são melhores soluções para transferir e não para solucionar.
O ministro de Saúde tem andado por todos os cantos do Estado divulgando a melhoria com investimentos. Com certeza que não é o Estado onde moro. O próprio ministro, ao ser questionado em público sobre o pagamento de TRS, respondeu que está pagando exatamente o que a sociedade de especialidade solicitou. Oras, ou ele está com a memória conturbada ou a diretoria da SBN está surtando.
Resta-nos pedir socorro. Estão querendo aplicar genocídio com os que necessitam de TRS. Por favor, alguém nos escute e socorra, antes que seja tarde demais.
Somos 3.400 nefrologistas no Brasil inteiro. Porém, os que passaram na prova de título e mestrado não somam mais de 2,5 mil. Nefropediatra, então, somam somente 300. E a perspectiva é de um cenário ainda pior, com desrespeito e desvalorização da especialidade pelos gestores.
Artigo escrito pela Dra. Hi Kyung Ann (CRMPR 7.078), especialista em clínica médica e nefrologia, também é delegada da Delegacia Regional do CRM-PR em Cascavel (PR).
*As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.