29/03/2008
Gasto com saúde volta ao debate no Congresso
Projeto pode elevar os R$ 48,5 bilhões previstos no orçamento para R$ 58 bilhões a preços de 2008.
Mesmo com o debate legislativo tomado pelas medidas provisórias e pela reforma tributária, o governo federal
voltará a enfrentar, em breve, a mobilização de mais de um terço do Congresso por um forte aumento das aplicações obrigatórias
de recursos orçamentários em ações e serviços públicos de saúde.
"Só estávamos esperando a sanção do Orçamento de 2008 Já está tudo acertado. Vamos retomar a regulamentação
da emenda 29 com o projeto do Tião. Temos o compromisso do Garibaldi de incluí-lo o quanto antes na pauta de votações do Senado",
avisou o médico e deputado Darcísio Perondi (PMDB/RS), integrante do grupo parlamentar suprapartidário conhecido como "bancada
da saúde".
Ele referia se aos senadores Garibaldi Alves (PMDB RN), presidente do Senado e do Congresso, e Tião Viana
(PT AC), autor de projeto de lei complementar que regulamenta o artigo 198 da Constituição Federal, alterado pela emenda 29,
em 2000. A última versão do projeto, relatada pelo senador Augusto Botelho (PT RR), determina que a União aplique em saúde
o equivalente a 10% da receita corrente bruta do orçamento fiscal e da seguridade social.
A área econômica do governo, responsável por zelar pelo equilíbrio fiscal, está assustada com razão. Na hipótese
de o projeto passar sem novas modificações, haveria aumento brutal do patamar mínimo de aplicações obrigatórias em saúde,
reduzindo ainda mais a já pequena margem de discricionariedade dos gestores públicos.
Em 2007, o governo federal teve que destinar à saúde R$ 44,3 bilhões. Pela regra em vigor, o mínimo exigido
já sobe significativamente este ano, para R$ 48,5 bilhões. Pelo critério previsto no projeto de Viana subiria ainda mais,
chegando a R$ 58 bilhões a preços de 2008. E isso porque foi renovado o mecanismo constitucional de Desvinculação de Receitas
da União. Não fosse a DRU, o mínimo obrigatório iria para R$ 72,6 bilhões, pois, segundo a Secretaria de Orçamento Federal,
a receita corrente bruta é estimada em cerca de R$ 726 bilhões na lei orçamentária aprovada pelo Congresso. O conceito escolhido
por Viana, esclarece a SOF, inclui receitas financeiras, como as decorrentes de retorno de empréstimos. Por isso, supera inclusive
o total de receitas primárias do orçamento fiscal e da seguridade (R$ 687 bilhões).
Fórmula atual engessa Orçamento
Vinculações de receita asseguram o financiamento, mas não a qualidade do gasto público, na medida em que engessam
as decisões do governo sobre onde, quanto e quando gastar. É um potencial estimulante de ineficiência, ao incluir, no rol
de itens considerados pelos gestores, na hora de decidir, a preocupação em assegurar logo o cumprimento do mínimo exigido
de despesa. Principalmente em fins de ano, isso gera risco de decisões apressadas, não porque um gasto seja necessário ou
urgente, e sim para evitar "incomodações" com orgãos de fiscalização.
Mas algo ainda pior do que vinculação de receita, capaz de atrapalhar ainda mais uma alocação eficiente de
recursos públicos. É indexação de despesa. É isso que acontece hoje com a saúde, cujo patamar mínimo obrigatório de gastos
não depende da arrecadação de tributos; cresce de acordo com a variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB).
A atual fórmula de fixação do piso foi definida pela emenda 29, em 2000, em caráter provisório, até que uma
lei complementar regulamentasse a questão. Desde então, todos os anos, o governo tem que aplicar em saúde, no mínimo, o montante
verificado no ano anterior acrescido do mesmo percentual de variação do PIB nominal.
A correção com base no passado é burra, pois inibe investimentos superiores ao mínimo exigido, mesmo quando
necessários. O governo procura investir sempre só o mínimo, porque qualquer coisa a mais entra para a base de cálculo do piso
dos anos seguintes. Qualquer gestor com visão multisetorial minimamente preocupado com o futuro tende a evitar essa eternização
da despesa, já que ela se transforma de discricionária em obrigatória.
Imagine se que aconteça um problema sério e repentino de saúde pública, de grandes proporções, que exija,
em determinado momento, remanejar recursos do orçamento, tirando dinheiro de investimentos importantes, para dar um adicional
à saúde. No ano seguinte, existindo ou não necessidade, quantia adicional ainda maior teria que ser gasta de novo com a saúde
e não com os projetos negativamente afetados pelo remanejamento.
Esse engessamento certamente induz o governo a subestimar a necessidade de gastar mais em determinadas situações.
Portanto, não deveria ser considerado bom nem por quem acreditam que o problema da saúde no Brasil se resume à insuficiência
de verba. "O piso virou teto", reconhece o deputado Darcísio Perondi.
Os problemas sociais do país criaram uma convicção quase generalizada na sociedade de que é preciso sim proteger
gastos na área social com engessamento orçamentário. Qualquer parlamentar que se atreva a propor o completo fim de garantias
constitucionais de destinação de recursos para a saúde certamente corre risco de linchamento político.
Diante dessa infeliz realidade política, a idéia de se trocar indexação de despesa por vinculação de receita
até que é um avanço. Já que o engessamento é inevitável, que prevaleça uma fórmula menos ruim. A atual é mais restritiva à
liberdade dos gestores públicos, pois mesmo numa hipotética situação de queda real de receita, a despesa poderia subir em
função do desempenho passado do PIB. Sob esse ponto de vista, o governo deveria centrar fogo é na negociação do patamar de
vinculação, buscando alterar ou o percentual ou a base de cálculo. Também tramita, no Senado, outro projeto de regulamentação
da emenda 29, mantendo a correção pelo PIB. De autoria do ex deputado Roberto Gouveia (PT MG), o projeto já passou na Câmara.
Entretanto, segundo Perondi, com o fim da CPMF, ficou totalmente descartado pela bancada da saúde, já que o aumento de recursos
além da variação do PIB estava vinculado ao tributo extinto.
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2008