21/02/2020
Evento estimula sugestões para aperfeiçoamento da Resolução 1974/2011; além de médicos, buscou-se a análise do tema sob a ótica do Procon, Conar e de advogados e profissionais de comunicação
O Conselho Regional de Medicina do Paraná realizou,
na noite de quinta-feira (20), fórum para debater a publicidade médica e captar sugestões visando atualizar
e aperfeiçoar a Resolução
CFM nº 1.974/2011, que trata sobre no tema. O evento foi realizado das 19h30 às 21h30 no auditório
do CRM-PR, em Curitiba, com transmissão pela web. Ao todo, foram mais de 120 participantes, a maioria a distância,
inclusive de outros estados. Envolveu não apenas médicos, mas também advogados, jornalistas, publicitários
e estudantes de várias áreas. Houve interação com perguntas de público presencial e remoto.
CONSULTA PÚBLICA PARA ATUALIZAÇÃO DA RESOLUÇÃO.
As apresentações e discussões foram de alto nível, como atestado pelos participantes na ficha de avaliação, com mais de 96% no índice de aprovação como excelente/ótimo. O presidente do Conselho e coordenador dos trabalhos, Roberto Issamu Yosida, reitera que a consulta pública lançada pelo CFM vai se estender até 1º de março, com o que conclama os médicos a oferecerem suas contribuições, mesmo que endossando ou criticando com argumentos o conteúdo da norma vigente. Sociedades de Especialidade e outras instituições médicas representativas devem encaminhar sugestões por ofício, diretamente ao Conselho Federal
O fórum sobre publicidade foi aberto pelo presidente
do Conselho e pela 1ª secretária Nazah Cherif Mohamad Youssef, sendo realçados os propósitos de
transparência e participação democrática na condução dos estudos para dar modernidade
às normas éticas. De acordo com eles, com os avanços da comunicação em tempos digitais,
há descontrole dos limites pela fragilidade ou inexistência de marcos regulatórios, com o que, no campo
da Medicina e saúde pública, elevam-se os riscos à sociedade.
Coube ao conselheiro coordenador da Codame (Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos), Afrânio Benedito Silva Bernardes, fazer a primeira apresentação, focando a resolução sobre publicidade vigente. André Tezza Consentino, professor da Escola de Comunicação e Design da Universidade Positivo, abordou o tema “Conar e a publicidade médica”. Thaís Salvi, Executiva de Comunicação e Publicidade do Grupo Paranaense de Comunicação, falou sobre a ética nas peças publicitárias, enquanto a Diretora do Departamento Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor do Paraná (Procon-PR), Claudia Francisca Silvano, centrou sua fala sob o olhar de proteção ao cidadão.
Ainda compôs a mesa, como mediador do debate, o conselheiro federal pelo Paraná e 1º vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, Donizetti Dimer Giamberardino Filho. Ele falou sobre a relação médico-paciente e os riscos na perda de credibilidade e confiança a partir de práticas lesivas à ética, entrando aí aspectos como a precificação de serviços que estimula a concorrência desleal e compromete os preceitos da Medicina. Lembrou a posição do Cade, que entendeu haver práticas anticompetitivas impostas pelo artigo do 72 do novo CEM ao restringir o uso de cartão de descontos em consultas.
Abordagens
O coordenador da Codame, Afrânio Bernardes, em sua apresentação, destacou o número crescente de médicos no País e concorrência que se estabelece na cooptação de pacientes, tendo aí a propaganda enganosa como sério problema. Ele assinalou que a redação dada ao artigo 75 do novo Código de Ética (“Vedado ao médico fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou imagens que os tornem reconhecíveis em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos em meios de comunicação em geral, mesmo com autorização do paciente.”), passível de interpretação em desacordo com a Resolução 1974. O conselheiro entende que o uso de imagem é uma forma de expor as pessoas e que isto já está presente na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, de vigência futura.
“Estas imagens podem ter revisão de algum modo ao longo dos anos, inclusive sobre a decisão de tê-las
públicas, o que pode afetar tanto o paciente como o próprio médico”, diz Afrânio Bernardes,
ressaltando aí outro perigo, o da judicialização. De acordo com ele, propaganda de indução
por imagem sugere promessa de resultado, como já entendido na esfera judicial e que impõe responsabilização
ao médico. Em aparte na etapa de perguntas, o conselheiro explicou como chegam as demandas na Codame de denuncias de
desvios éticos na propaganda e a importância do papel educativo. As exceções, que se referem a
abusos pelo descumprimento das orientações, incorrem em abertura de procedimento ético.
O Professor André Tezza Consentino historiou sobre o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), que nasceu no final dos anos 70 ante a ameaça de o governo federal sancionar lei criando uma espécie de censura prévia à propaganda. Explicou a facilidade de se denunciar ao Conselho e que todas as determinações de retirada de peças de publicidade têm sido cumpridas, sendo que apenas seis processos de contestações ocorreram até hoje, nenhum reformando decisão do Conar. Ele reconhece, contudo, que hoje, sob advento da internet, há uma fragilização das possibilidades de fiscalização e o ato de retirada de algum comercial do ar soa quase inócuo.
André Consentino falou sobre os preceitos básicos que definem a ética publicitária, a começar de que “todo anúncio deve ser honesto e verdadeiro e respeitar as leis do país”. No Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, lembra em seu anexo “g”, que envolve o profissional médico e demais serviços de saúde, o impedimento de se anunciar: “a cura de doenças para as quais ainda não exista tratamento apropriado, de acordo com os conhecimentos científicos comprovados; métodos de tratamentos e diagnósticos ainda não consagrados cientificamente; especialidade ainda não admitida para o respectivo ensino profissional; a oferta de diagnóstico e/ou tratamento a distância; e produtos protéticos que requeiram exames e diagnósticos de médicos especialistas”.
Em linhas gerais, como o professor da Universidade Positivo ressaltou, o Conar acolhe as delimitações éticas impostas pelos conselhos profissionais e instituições representativas, com o que, na hipótese de atualizações nas normas vigentes do Conselho de Medicina sobre publicidade, elas devem ser absorvidas. Ele avalia que, pelo alcance da internet nos nossos dias, muitas campanhas restritas, por exemplo, continuarão a desafiar os limites éticos e ficando à margem de denúncias e do alcance da justiça. André Consentino realça que o modelo de autorregulamentação funciona em todo o mundo e que ainda esbarra no descontrole de limites, embora canais como o Youtube e o Facebook estejam hoje sob pressão para estabelecer filtros contra excessos. Citou que, no Canadá, há exemplo positivo de rigor, onde também o veículo propagador é punido por anúncios desleais, podendo até perder a concessão pública.
Thais Salvi, com longa experiência no campo publicitário, fez apresentação sobre o rigor dado pelo Grupo Grpcom aos anúncios institucionais e comerciais, sob atenção dos limites éticos. Assim, apresentou uma sequência de peças publicitárias desenvolvidas pelos veículos do grupo, em diferentes modalidades, que carregam exemplos positivos. A executiva usou números de médicos em atuação em Curitiba e no Paraná para dar a dimensão do mercado que se agita em busca de clientes, dando margem a todo o tipo de abusos, sobretudo no mundo digital, entendido ainda como “uma terra sem lei”. Para ela, sem dúvida, a área de saúde é uma das mais férteis na atração de público, daí a importância de atrelar marca de credibilidade e criar estratégias para bem se comunicar, passando mensagem responsável à sociedade.
A diretora do Procon-PR, Claudia Silvano, ao se referir às regras para publicidade médica, declarou sua posição de que “não se deve flexibilizar e sim manter o rigor”. Com sua longa experiência no campo de defesa do consumidor, disse que há dois tipos de infratores: os que agem para lesar e os que lesam por desconhecimento. Citou o caso recente de pessoa presa após propagandear produto falso de prevenção ao coronavírus para atestar quando há má-fé pelo interesse de obter vantagem em detrimento da sociedade. Realçou que o Procon é proativo e fiel aos ditames legais, tendo mostrado em números, no Portal da instituição, a resposta que é dada à sociedade em suas queixas nos mais diferentes segmentos.
“Médicos ou não médicos, somos todos cidadãos”, declarou referindo-se à necessidade de regulação forte e rigorosa na área de publicidade, tendo feito depois adendo à que alcança o público infantil, mais vulnerável e suscetível de influência, complementando fala do Professor André Consentino, para quem, sem marco regulatório na internet, é preciso fortalecer a educação das crianças, tendo os pais e educadores papel relevante para filtrar as mensagens que hoje se multiplicam.
Ao responder questionamento de presente sobre os abusos que muitos cometem na publicidade médica, em detrimento dos que agem sob as orientações éticas, a diretora do Procon-PR foi assertiva de que as boas práticas são os exemplos a predominar e que os desvios devem ser apurados e punidos. Nesse sentido, disse, médicos, clínicas e hospitais também estão sujeitos à ação do Procon, enquanto fornecedores de serviços, sob agravo de que, quando denunciados, normalmente são levados à esfera judicial.
Ao concluir o debate, falando sobre as iniciativas de orientação realizadas pelo Conselho de Medicina, em especial com seu Programa de Educação Médica Continuada, a conselheira Nazah Cherif Mohamad Youssef destacou que há forte ação também junto aos acadêmicos de Medicina, que hoje têm acesso a todas as informações digitais produzidas. Lembrou que o futuro médico, com o Código de Ética do Estudante, conta com importante aprendizado tanto sobre publicidade como outros componentes elementares para o exercício da profissão, incluindo aí o sigilo e a não exposição de pacientes.
O vídeo da atividade de 20 de fevereiro em breve estará presente no acervo da Educação Médica Continuada.
Merece leitura o artigo "As mídias sociais, o médico e os limites éticos", de autoria do conselheiro Thadeu Brenny Filho.