24/01/2010

"Faremos uma varredura nas Clínicas de Lipo" - Entrevista com o presidente do CFM

Presidente do Conselho Federal de Medicina anuncia ampla fiscalização nos consultórios onde são feitas as cirurgias e uma avaliação dos cursos de Medicina


Com 53 anos de idade, o pre­sidente do Conselho Federal de Medicina, o cardiologista carioca Roberto Luiz D Ávila, nunca deixou de ocupar cargos nas entidades que representam os médicos. Por três vezes consecutivas, foi presidente do Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina. Em outubro do ano passado, assumiu o CFM disposto a resgatar a relação de diálogo e contato entre médicos e pacientes. D Ávila também quer fazer exames de avaliação dos cursos de medicina no País e aumentar a fiscalização preventiva sobre clínicas, principalmente aquelas nas quais são realizadas lipoaspirações, onde proliferam casos de erros médicos.

Mestre em neurociência pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutorando em bioética pela Universidade do Porto, em Portugal, o presidente do CFM lançará nas próximas semanas no Brasil um plano nacional de fiscalização. "Aumentaremos o número de fiscais e visitaremos todas as clínicas", avisa.


Istoé - 56% dos estudantes do sexto ano de medicina que fizeram o exame do Conselho Regional de Medicina de São Paulo em 2009 foram reprovados. O que pensa disso?

Roberto Luiz D Ávila - Isso demonstra que, olhando genericamente, metade dos médicos recém-saídos não teria a qualidade desejada para atender a população. Mas é uma visão parcial, míope. Há alunos bem preparados que não passam no vestibular. E o aparelho formador não está sendo analisado. É necessário avaliar os professores e a metodologia.


Istoé - O sr. defende uma avaliação de conteúdo do ensino?

Roberto Luiz D Ávila - Exatamente. A avaliação que se faz é falha. Temos uma comissão reunida e a pauta é chamar os 179 coordenadores de cursos de medicina. Não temos ação sobre os estudantes, mas temos jurisdição sobre médicos e professores. É uma maneira de avaliarmos os cursos indiretamente. Queremos mostrar ao Ministério da Educação que temos condições de colaborar na melhora da qualidade do ensino médico.


Istoé - Um dos problemas no início da carreira médica é a pesada carga de trabalho a que são submetidos os médicos residentes. O que fazer em relação a isso?

Roberto Luiz D Ávila - Temos 25 mil residentes. E em muitos casos há sobrecarga. Por isso a Comissão Nacional de Residência Médica mantém programas constantes de avaliação. Isso exige um trabalho ininterrupto de denúncia e investigação dos exageros.


Istoé - Por que em um país como o nosso, onde há 340 mil médicos, há 500 cidades sem esse profissional?

Roberto Luiz D Ávila -Existe uma má distribuição de médicos. Há uma concentração na faixa litorânea e nas grandes capitais. Em Alagoas, 92% dos médicos estão em Maceió. Os outros 8% estão na Zona da Mata e no litoral.


Istoé - Por que não se estimula a interiorização da medicina?

Roberto Luiz D Ávila - Essa é uma crítica que faço ao Ministério da Saúde. Não há uma política pública eficaz nesse sentido. Não adianta mandar o médico sozinho para o interior se não há estrutura para atender os pacientes. No Amazonas, por exemplo, onde às vezes se leva sete dias para chegar a um vilarejo, podem me pagar R$ 50 mil, R$ 100 mil por mês e eu não vou trabalhar nesse interior. Para fazer o quê? Um estetoscópio no pescoço e um aparelho de pressão? Não faço nada.


Istoé - Por que nenhum governo no Brasil conseguiu melhorar o atendimento nos hospitais públicos?

Roberto Luiz D Ávila - O SUS, do jeito que foi sonhado, é um dos melhores sistemas públicos do mundo. Ele é bom, deve ser apoiado, só que sofre de dois problemas crônicos: financiamento e gestão. Nunca foi dito exatamente qual a participação percentual dos respectivos governos. Quando você tem o governo federal colocando de 6% a 8%, o estadual de 4% a 6%, o municipal de 2% a 4%, nenhum sistema público pode funcionar adequadamente. Não houve a sonhada municipalização, mas uma "prefeiturização". Os médicos são contratados a título precário, sem garantias trabalhistas ou férias. O emprego acaba sendo um bico para o menino que não passou na prova de residência.


Istoé - E em relação aos planos de saúde? Os médicos também não são bem tratados por eles.

Roberto Luiz D Ávila - Os planos estão remunerando mal os médicos. Por isso, estamos vendo movimentos de paralisação, como o realizado pelos pediatras aqui em Brasília. Penso que isso vai se espalhar rapidamente para as outras especialidades. Os planos de saúde aumentaram 140% nos últimos dez anos o valor de sua cobrança para os pacientes e elevaram o pagamento dos médicos apenas 40%. A base começa a não aceitar mais receber R$ 35 por consulta, que após o pagamento das taxas, aluguel, secretária, acaba virando R$ 11 por consulta.


Istoé - Por que acontece isso, um sistema suplementar que remunera mal os médicos e muitas vezes não atende os pacientes?


Roberto Luiz D Ávila - As pessoas fazem seus contratos e aqueles assinados principalmente antes de 1999 eram leoninos. O indivíduo contratava só a internação e um quarto coletivo. Não contratava outros serviços. Quando ele adoece, a doença não pergunta qual é o plano que paga, o tipo de hotelaria que dispõe dentro do hospital. E aí a demanda entra no campo jurídico.


Istoé - Como o sr. vê esse problema?

Roberto Luiz D Ávila - A briga na Justiça não deveria sequer ser necessária, porque o que está em jogo é a vida do paciente. Agora, a Agência Nacional de Saúde Suplementar está sendo obrigada a incorporar novos procedimentos a serem oferecidos aos doentes, como os transplantes de medula óssea. Não tem saída. E ela provavelmente está fazendo isso porque o Judiciário está indo na frente, obrigando a oferta desses tratamentos. O fato de o Judiciário seguir adiante da própria agência reguladora e das operadoras de saúde é um absurdo.


Istoé - Por que ocorrem ainda várias mortes e erros em cirurgias de lipoaspiração?

Roberto Luiz D Àvila -
A formação de muitos médicos que realizam o procedimento não é sequer avaliada. Alguns vão para Buenos Aires e fazem um curso de final de semana e voltam se dizendo especialistas em medicina estética, por exemplo. Geralmente os casos que dão problema são feitos em clínicas que sequer têm o alvará da Vigilância Sanitária. São consultórios transformados em clínicas. O problema é que se você for mexer no seu nariz com o Ivo Pitanguy (o mais renomado cirurgião plástico brasileiro), você vai pagar R$ 60 mil. Se você for em um médico que não fez residência em cirurgia plástica e que está operando nos fundos de uma clínica, vai custar R$ 1,5 mil.


Istoé -Como acabar com isso?

Roberto Luiz D Ávila -Fiscalização. Vamos lançar agora um plano nacional de fiscalização dirigido a todas as clínicas e consultórios. Os conselhos, durante muito tempo, só funcionavam quando demandados. A lei diz isso. Você só apura mediante denúncia. Passamos a contratar médicos-fiscais. Hoje o departamento de fiscalização do CRM em São Paulo, por exemplo, tem dez ou 12 médicos-fiscais andando pelo Estado inteiro, indo de clínica em clínica. Hoje estamos em parceria com a Vigilância Sanitária. Esse plano nacional vai potencializar ainda mais essa ação. Visitaremos todos os consultórios e clínicas. Vamos fazer uma varredura.


Istoé -Os senhores vão checar alvará, limpeza, higiene, tudo isso?

Roberto Luiz D Ávila -Tudo. Desde o anúncio até a verificação dos aparelhos, dos equipamentos de emergência.


Istoé - Nesta área da beleza, o que o sr. acha dos profissionais que se dizem especialistas em medicina estética?

Roberto Luiz D Ávila - A medicina estética não é regulamentada. Para nós, do CFM, nem sequer existe essa especialidade.


Istoé - Mas então a medicina estética não deveria ser proibida, se não é regulamentada?

Roberto Luiz D Ávila - Não. Ela precisa de regulamentação. O que está acontecendo com a medicina estética? Ela está sendo relegada a uma medicina de desejos. É diferente de uma medicina de necessidades. A medicina estética é movida a vaidade. E não está submetida nem ao SUS nem à saúde suplementar. Está num limbo, num vazio.


Istoé - Biomédicos e farmacêuticos acusam os médicos de corporativistas quando o assunto é o projeto do Ato Médico (define as atividades privativas de médicos e quais podem ser realizadas por outros profissionais de saúde), que deve ser aprovado pelo Senado. Qual a sua opinião?

Roberto Luiz D Ávila - É um equívoco. Não sei se é intencional. No nosso projeto está muito claro o respeito às leis dessas profissões. Nas leis deles, nenhuma fala em diagnóstico de doença, em tratamento. Diagnóstico e tratamento de doenças é privativo dos médicos. Não podemos entender que outras profissões façam o papel de médico. Se tirar o diagnóstico e o tratamento dos médicos, tirou tudo, tirou a essência da profissão. É um pouco de corporativismo da parte das outras profissões.


Istoé - O que o sr. acha da proposta de criação de um novo imposto para financiar a saúde, a exemplo da CPMF?

Roberto Luiz D Ávila - Somos contrários a esse novo imposto por uma razão muito simples: apoiamos o ministro Adib Jatene quando ele, de pires na mão, pediu a CPMF. Acreditávamos que aquilo era só para ser usado na área da saúde. Aquele percentual daria realmente um dinheiro necessário para melhorar a saúde, para investir mais e dar melhor qualidade de atenção. Fomos parceiros. Apoiamos de verdade a iniciativa. Depois, vimos que o uso do percentual foi subtraído e não foi utilizado na saúde.


Istoé - O que o sr. acha da gestão da saúde nesses dois governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

Roberto Luiz D Ávila - Não foi aquilo que foi prometido. Ele disse que resolveria o problema da saúde, das emergências, e ainda há muito o que fazer nesse sentido. Deveríamos ter uma preocupação maior com o atendimento ambulatorial. E o programa Saúde da Família ainda é pequeno para a extensão deste país. A saúde é um dos pontos fracos do governo.


Fonte: Revista IstoÉ

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