20/01/2022

Falsos médicos desafiam fiscalização e atuam no Paraná

Reportagem do jornal Folha de Londrina repercute frequência de casos e destaca trabalho do CRM-PR, que realizou aproximadamente 2 mil fiscalizações somente no decorrer de 2021. Deve haver rigor nas contratações

A atuação de falsos médicos no Paraná desafia a fiscalização e coloca em risco a saúde de pacientes atendidos por charlatões. Na quinta-feira (13), a PCPR (Polícia Civil do Paraná) prendeu uma mulher de Londrina, de 40 anos, por se passar por médica no município de Coronel Vivida, no Sudoeste do Estado. A suspeita já teria atendido mais de 1,4 mil pacientes. Poucos dias antes, a Polícia Civil do município de Reserva, nos Campos Gerais, instaurou inquérito para investigar um falso médico que atuava no Pam (Posto de Atendimento Médico) da cidade. De acordo com as investigações, o criminoso seria de Santo Antônio da Platina (Norte Pioneiro).

A reportagem questionou o Cosems-PR (Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Paraná ) sobre esse desafio dos municípios de  checar as informações desses falsos profissionais na hora de contratá-los e a assessoria do conselho ressaltou que o grupo luta pelo fortalecimento e autonomia dos municípios na área da saúde e participação na formulação das políticas de saúde em nível nacional e estadual, entre outros. "O Cosems-PR não possui gerência alguma e nem define requisitos e parâmetros para a contratação de qualquer profissional de saúde nos municípios do Paraná, ficando a cargo de cada localidade a definição e a fiscalização das premissas necessárias para a prestação do serviço contratado." 

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Segundo Carlos Roberto Naufel Júnior, Conselheiro-Gestor do Defep (Departamento de fiscalização do exercício profissional) do CRM-PR (Conselho Regional de Medicina do Estado do Paraná), a existência de pessoas que fingem ser médicos é mais comum do que se imagina. “Algumas prefeituras reiteradamente acabam contratando esses falsos profissionais. Muitas delas não têm nem responsável técnico, porque são municípios pequenos, do interior, que têm poucas condições financeiras. Nessas situações a gente acaba fazendo a denúncia ao Ministério Público.” 

Ele ressaltou que o CRM-PR não tem um levantamento formal de denúncias de falsos médicos. “Mas pelos dados informais do meu departamento, a gente deve ter mais ou menos uma denúncia dessa a cada dois meses”, ressaltou. “Todas essas denúncias a gente encaminha para a Polícia Civil,  e o indivíduo responde por falsidade ideológica e por exercício ilegal da profissão”, afirmou. “Aqui, em Curitiba, a gente tem o Nucrisa (Núcleo de Repressão aos Crimes Contra a Saúde), que é uma delegacia especializada em crimes contra a saúde. No interior a gente tem as delegacias de Polícia Civil que realizam essa investigação”, destacou. 

Ele ressaltou que não compete ao Conselho Regional de Medicina atuar nessa situação. “O que compete ao CRM é punir o diretor técnico que foi responsável pela contratação. A gente abre um processo administrativo e realiza uma sindicância contra o diretor técnico do estabelecimento, que pode ser punido por uma questão ética.” Toda empresa de saúde onde se praticam atos médicos precisa ter um diretor médico.

Questionado sobre quantos casos de diretores técnicos foram penalizados no Paraná por fazer esse tipo de contratação de falso médico, ele ressaltou que, de casos recentes, foram dois diretores. “Um foi de empresa terceirizada que presta serviços a um estabelecimento público e um foi de um diretor técnico de um hospital do Estado. Mas cada caso é individualizado”, apontou. Mesmo nos casos terceirizados, ele afirmou que toda pessoa jurídica de prestação de serviços na saúde tem que ter um responsável técnico. 

FISCALIZAÇÃO

Ele ressaltou que o departamento de fiscalização do CRM-PR realizou mais de 2 mil fiscalizações só no ano passado, que inclui a observação da documentação dos médicos envolvidos no corpo clínico. “Essa fiscalização é feita de maneira ativa e é a única maneira de tentar coibir essa situação.” Para isso o CRM-PR com a ajuda da população, por meio das denúncias que são realizadas. “Toda denúncia realizada, a gente faz questão de fiscalizar”, declarou.

Ele ressaltou que muitas vezes hospitais públicos contratam estudantes de medicina ou de outros cursos relacionados à área da saúde que alegam ser médicos e acabam realizando procedimentos no lugar dos médicos. “Às vezes contratam profissionais formados em faculdades do exterior, como daqui do Paraguai ou da Bolívia, mas que não realizaram a revalidação do diploma no Brasil, ou seja, esse indivíduo não pode exercer a medicina aqui no país, mesmo tendo sido formado numa faculdade de medicina do do exterior”, destacou Naufel.

A tecnologia pode ser uma aliada para quem for contratar um médico. Além das informações estarem disponíveis pelos sites de cada conselho regional de medicina e do Conselho Federal de Medicina (CFM), em que é possível checar até a foto do profissional, Naufel ressaltou que existe a cédula de identidade médica digital, fornecida pelo CRM-PR, com chip de segurança e código QR, e também há a E-CRM, que é uma identidade médica digital, disponível no celular por meio de aplicativo, que pode ser utilizada por quem possui identidade médica em cartão emitido a partir de 1 de agosto de 2017, que vale tanto quanto o documento físico. 

DIREITO DOS PACIENTES

O advogado Rodrigo Petrocini da Silva Martins, da comissão de saúde da Subseção da OAB de Londrina, ressaltou que, se um paciente for atendido em uma unidade de saúde do Poder Público por um falso médico, cabe indenização por danos morais. “Cabe inclusive ação por dano coletivo. Mas no caso desse falso médico realizar um atendimento particular é como se o paciente tivesse caído em um crime de estelionato. Nesse caso é preciso fazer o boletim de ocorrência e pode entrar com uma ação criminal contra esse falso médico, e também solicitar a restituição por dano material pelo que ela gastou e pelo dano moral pelo que ela sofreu por consequência do ato do estelionato. Mas nesse caso é só uma ação exclusiva contra essa pessoa”, destacou.

Se um paciente que foi atendido por um falso médico em um estabelecimento público vir a óbito, Martins explicou que se a morte ocorrer dentro do estabelecimento de saúde, a responsabilidade recai sobre o poder público, pois foi culpa dele em não ter analisado corretamente a documentação ao contratar o profissional. “Por outro lado, se a pessoa fez um procedimento fora de um estabelecimento de saúde do poder público e começou a ter um problema sério e procurou um estabelecimento público e veio a morrer, é preciso analisar o nexo causal, porque o ato anterior foi fora de lá. Isso vai ter que ser analisado judicialmente”, destacou.

No caso de clínicas particulares, Martins explicou que é preciso ser analisado perante o conselho regional de medicina se o ato é médico ou não e se foi divulgado como tal, já que é preciso analisar se o procedimento é liberado para ser realizado por dentistas ou fisioterapeutas, por exemplo. “Houve uma discussão ampla no meio sobre isso, já que alguns profissionais passaram a ter a possibilidade de realizar alguns procedimentos de estética”, apontou.  “Isso tem que ser analisado pontualmente e profundamente, caso a caso. É que a aplicação de algum tipo de medicamento, como o ácido hialurônico, pode ser aplicada por algumas clínicas de estética, desde que não se divulgue que a aplicação é feita por um médico sem ter esse profissional disponível.”

MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público do Paraná, por meio da Promotoria de Justiça de Reserva, nos Campos Gerais, ajuizou ação civil pública por improbidade administrativa contra uma empresa da área de saúde e dois profissionais contratados por ela. A empresa havia sido contratada emergencialmente pelo Município em setembro de 2021 para fornecer médicos para as escalas de plantão no atendimento direto à população. Entretanto, dois dos profissionais admitidos como médicos não tinham autorização para o exercício da medicina.

Conforme apurou o MPPR, os falsos médicos, que não têm o registro obrigatório no Conselho Regional de Medicina, teriam atendido o público nos plantões do Pronto Atendimento Municipal, utilizando o carimbo e o número de inscrição no CRM de um terceiro. Consta na ação que a empresa era “responsável pela escala de plantão médico”, tendo feito a contratação dos profissionais para realização de “atendimentos no pronto atendimento municipal, nos plantões, mesmo sem eles estarem devidamente inscritos nos quadros do CRM, não solicitando qualquer documento a fim de atestar sua regular inscrição no CRM”. Os falsos médicos, por sua vez, “se aproveitaram de tal situação, realizando plantões no pronto atendimento municipal como se médicos fossem, utilizando-se do CRM e do carimbo de outro médico, colocando em risco a saúde da população e se enriquecendo ilicitamente”.

Dada a gravidade da situação, a Promotoria de Justiça requer na ação a condenação dos réus às sanções previstas na Lei de Improbidade, como suspensão dos direitos políticos (para as pessoas físicas), ressarcimento integral do dano ao erário, pagamento de multa e proibição de contratar com o poder público. Além disso, pede o pagamento de R$ 300 mil por danos sociais ou morais coletivos.

Logo após a descoberta dos fatos, o Município de Reserva instaurou sindicância que resultou na rescisão contratual no dia 17 de janeiro, com incidência de multa contratual. A empresa chegou a receber R$ 88.560,00 – o valor total do contrato era de R$ 182.250,00 por seis meses de serviços.

OUTRO LADO

Sobre o caso de Reserva, a empresa terceirizada atendeu a reportagem e emitiu uma nota por meio de seu advogado Tiago Freitas Siqueira. Confira na íntegra:

"Até presente momento todos os esclarecimentos solicitados pelo município e autoridade policial foram prestados pela empresa. Em relação a denuncia que será oferecida pelo Ministério Público vamos aguardar a citação para manifestação. A empresa zela pela qualidade e transparência na prestação dos serviços oferecidos, e também é grande interessada no esclarecimentos de todos estes fatos."

FONTE: Folha de Londrina

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