19/04/2016

Falando sério!

Luiz Felipe Bruschi

A denúncia é frágil. A gravidade do crime de responsabilidade apresentada à Câmara dos Deputados é relativa. Sim, fui convencido pelo advogado geral da união, do alto do seu brilhantismo oratório e profissional (desperdiçados ao escolher o lado do PT). Assisti atentamente seu pronunciamento, baixada a euforia do final da votação na Câmara. Entendi seus argumentos com clareza, mas não com facilidade, já que o tema é eminentemente técnico e, portanto, complexo.

Faz parte da construção, das qualidades dos bons profissionais fazer-se entender pelos leigos, transmitir adequadamente o conhecimento e a informação a respeito de seu ordenado técnico quando este se faz necessário àqueles cidadãos profissionais de outras áreas e mesmo àqueles que não exercem profissão alguma. Neste sentido, o Ministro Eduardo Cardoso o fez de maneira satisfatória.

Entendi, sendo assim, que os crimes de responsabilidade analisados pela relatoria do processo de impeachment da presidente de fato talvez estejam num patamar menos grave do que aqueles cometidos por muitos que no domingo (17/04) bradaram constrangedoramente palavras de ordem contra o governo do PT.

As pedaladas não são novidade; operações ilegais de crédito com instituições públicas não se constituem no único sustentáculo formador da grave crise econômica que o país atravessa. Comparadas aos demais crimes até frequentes no cotidiano da política brasileira, esses, pelos quais a presidente deverá ser processada no Senado, parecem mesmo de menor importância. E aí, analisando calmamente a retórica utilizada pelo advogado, é que passei a ficar mais tranquilo e convicto de minha posição, e de muitos outros cidadãos de bem, diante da questão do impedimento da presidente.

Este relativismo moral e jurídico, pregado por José Eduardo Cardozo, é um monstro, dos maiores inimigos de qualquer democracia. É o alicerce vil e desonesto que o PT e a esquerda brasileira criaram em todo o seu tempo de poder para dar sustentação às suas políticas e ações. E exatamente por constituir-se em um dos maiores inimigos da democracia é que se voltou exatamente contra o próprio PT. Monstros, bestas, feras não são domesticáveis.

Defendem os esquerdistas que os crimes fiscais são desimportantes quando comparados aos benefícios sociais e humanitários que foram através deles mantidos. É apenas uma das tantas expressões concretas da ultrapassada retórica de que “os fins justificarem os meios”. Do relativismo moral, da falta de bom exemplo, de retidão de conduta que pautaram os 12 anos de governo petista. Esta mesma armadilha das falsas democracias esquerdistas foi a pá de cal que enterrou o governo Dilma no Parlamento, domingo.

O advogado geral da união usa como argumento contra o impeachment aquilo que o PT desprezou abertamente durante seus anos de poder: a legalidade. Desprezou a lei quando desviou dinheiro público para bancar uma maioria podre, corruptível, dos congressistas, no esquema do mensalão. Mas era em nome da governabilidade! Desprezou a lei quando usou descaradamente a maior e mais respeitada empresa brasileira como fonte de dinheiro para garantir (comprar?) reeleições.

Desprezou a lei e moral em âmbitos de menor dimensão financeira, como o populista, irresponsável e perigoso programa Mais Médicos, quando relativizou a necessidade de boa formação e a defesa dos profissionais brasileiros. Expôs a população carente e desinformada a profissionais de qualidade duvidosa, demonizou uma classe profissional de suma importância, para bancar a ditadura cubana e angariar votos nos rincões. Tudo com dinheiro público e justificando apenas que “no Brasil faltam médicos", quando todos os estudos e apontamentos de órgãos sérios de saúde (não a aparelhada OPAS) mostravam o contrário. Mostravam que o que havia era a ausência de incentivos e qualidade de gestão para atrair médicos qualificados para o SUS.

Para aprovar o famigerado programa, assim como tantos outros, usou inclusive da podridão e amoralidade dos mesmos congressistas que há pouco condenaram a presidente. O PT desprezou também seus próprios princípios ao avalizar alianças com Sarneys, Renans e afins, além do próprio presidente da Câmara no passado. Deu as mãos às piores estirpes de políticos em nome dos "mais pobres".

Este relativismo moral, a falta de retidão de conduta, o desprezo pela legalidade, voltaram-se, como toda besta, contra seus criadores. Disse também o ministro Cardozo que, dadas as acusações relatadas no processo e a postura dos deputados no plenário, a votação teve caráter eminentemente político. Que a presidente passa por um processo de destituição política e que este mecanismo é ilegal no sistema presidencialista. É no parlamentarismo que o congresso troca ou escolhe o presidente por quaisquer que sejam os motivos, inclusive políticos. Enquanto no presidencialismo o impedimento é uma medida de extrema exceção, efetivado apenas diante a crime grave.

No presidencialismo democrático as urnas são soberanas, a vontade dos eleitores deve ser respeitada e é nas eleições que se tem a oportunidade de punir ou corrigir os maus políticos. Teve o Brasil há pouco mais de duas décadas a oportunidade de optar através de plebiscito acerca do regime de governo. Os brasileiros foram às urnas e com larga vantagem escolheram o malfadado presidencialismo. Depois de anos de ditadura, queriam poder escolher seu próprio presidente através do voto direto, sem sequer saber o que isto significava para a democracia ou para o futuro do país. Estes mesmos eleitores que escolheram o presidencialismo, defendido pelo advogado geral da união, são aqueles brasileiros cuja sua imensa maioria não sabe sequer a diferença entre um advérbio e uma preposição. Não tem base educacional nem cultural para diferenciar um deputado de um senador. Mas aqui, no Brasil, todos têm a obrigação de votar. Independentemente de saber para quê, quem, com ou qual o significado daquilo que estão escolhendo.

O presidencialismo, num país de baixíssimo nível socioeducacional e ainda com voto obrigatório, está fadado ao fracasso. E é por isso que tivemos uma ato eminentemente parlamentarista com o intuito de salvar o que resta do Brasil. Sim, José Eduardo Cardozo tem razão: julgamento político em presidencialismo não é legal. Mas há, contudo, entre o golpe e a legalidade, um oceano de variáveis. Há, contudo, a ignorância do povo brasileiro em relação aos sistemas de governo e suas regras. Há, contudo e principalmente, o desejo de 10 milhões de brasileiros pelo seu emprego de volta.

Há o consciente coletivo urgindo pelo fim da corrupção, pelo sucesso da operação Lava Jato. Há, enfim, inúmeros motivos, fins mais nobres e graves que se sobrepõem hoje a diferenças entre parlamentarismo ou presidencialismo. O fim da gravíssima crise em que o PT inseriu o país é o que a maioria absoluta da população deseja hoje. Os meios pelos quais vamos conseguir agora importam pouco. Mesmo que seja através de uma destituição política num sistema presidencialista. A situação é muito séria. Os fins justificam os meios. O PT ensinou isso. E o país aprendeu. Adeus, Dilma.

Artigo escrito pelo médico Luiz Felipe Bruschi, médico na Grande Curitiba (CRM-PR 27.657).

*As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

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