21/02/2007
Fábricas de médicos
Imagine um país com dimensões geográficas de um continente e que esteja experimentando uma situação constrangedora pela
inadequada formação profissional em setores essenciais, como o da saúde.
Neste país, existem cerca de 160 faculdades de medicina, quase todas mal equipadas, com carência ou deficiência de um
corpo docente e preponderância de um único objetivo: o lucro. As dezenas de milhares de médicos por elas diplomados anualmente,
número bem acima do necessário para as carências nacionais e o mercado de trabalho, são despreparadas para exercer a prática
médica.
Este país não é, como se poderia depreender, o Brasil. Trata-se dos Estados Unidos que, no início do século passado, apresentava,
juntamente com o Canadá, uma crítica e insustentável proliferação desordenada de escolas de medicina, a maioria delas com
currículo inadequado. Naquela época, a Associação Médica Americana e o governo dos EUA acertaram a realização de uma completa
avaliação pedagógica em todas escolas de medicina e convidaram para coordenar este projeto um especialista em educação, o
professor Abraham Flexner, que visitou todas as faculdades entre os anos de 1906 a 1910.
Sul
Suas conclusões tiveram um grande impacto não só no meio educacional, mas, também, na opinião pública norte-americana
e canadense, pois demonstrava que mais de 90% de todas as faculdades de medicina não ofereciam as mínimas condições de funcionamento,
seja por não terem infra-estrutura técnico-operacional, seja porque o seu currículo e o corpo docente eram inadequados e deficientes.
Dentre suas conclusões, Flexner sentenciou que o progresso exigiria um número menor de faculdades de medicina, melhor
equipadas e melhor conduzidas, e que as necessidades do público exigiriam a formação de um número menor de médicos, mas melhor
treinados.
Adotado "in totum", o Relatório Flexner foi aplicado a todo o sistema de formação médica estadunidense e canadense. Após
duas décadas de definitiva implantação, foram fechadas 94 faculdades de medicina. Estabeleceu-se, em conseqüência, o denominado
"State Board", prevalente até os dias atuais, responsável por aferir a capacitação técnica do recém formado em medicina. No
Brasil, ocorreram duas ondas de proliferação exagerada de faculdades de medicina: a primeira nos anos 60, quando existiam
29 faculdades, chegando na década seguinte ao número 73. A segunda onda se deu nos anos 90 e ao findar do século. Hoje já
se contam 160 escolas de medicina no Brasil, resultado da banalização do ensino superior.
Ao comemorar o centenário do Relatório Flexner, observamos, entristecidos, a atual situação brasileira: faculdades mal
estruturadas e deficientes na formação de futuros médicos. Basta verificar a avaliação do MEC quanto ao Exame Nacional de
Cursos.
Agora mesmo, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo instituiu um exame de qualificação não obrigatório para
os recém formados e os resultados demonstram que cerca de 40% deles não dispõem de formação suficiente para resolver os problemas
básicos de saúde da população.
Artigo escrito por José Geraldo de Freitas Drumond, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas
Gerais (Fapemig), e publicado no jornal Hoje em Dia (MG) - 19/02/2007