10/04/2014
Simone G. Diniz e Priscila Cavalcanti
Adelir, 29 anos, queria muito um parto vaginal, o que não foi possível com seus dois primeiros filhos. Desta vez, teve o apoio de uma doula, do marido e dos movimentos sociais que democratizam a informação baseada em evidências científicas e em direitos das gestantes.
Descobriu que, em outros países, uma mulher com uma ou mais cesáreas pode ter um parto vaginal, assim como as que têm um bebê sentado, como o seu, e que existem protocolos para esses casos. Descobriu que, no Brasil, a maioria dos profissionais desconhece tais protocolos e acredita que essas são indicações absolutas de cesárea.
No dia 31 de março, ela procurou o hospital, onde confirmou que o bebê estava bem, assinou um termo de responsabilidade e preferiu ter o trabalho de parto em casa. Sabia que se chegasse ao hospital antes de o parto estar avançado, seria forçada a uma cesárea. A médica que a atendeu, inconformada, argumentando com a "defesa da vida do nascituro", procurou o Ministério Público, que acionou a Justiça. Determinou-se que policiais armados buscassem Adelir em sua casa de madrugada e a conduzissem à força ao hospital para ser submetida à cesariana.
Por que o desejo de ter um parto vaginal provoca tanto horror nos profissionais de saúde e por que a enorme maioria deles adere ao modelo da cesárea de rotina? Na formação dos profissionais, assim como na cultura sexual-reprodutiva brasileira, com forte viés religioso e misógino, o parto vaginal é considerado insuportável, arriscado, danoso à sexualidade e, por muitos, primitivo, nojento, vergonhoso, indigno, a ser evitado sempre que possível.
Talvez isso explique por que no Brasil, na assistência ao parto vaginal, permaneçam procedimentos obsoletos como a episiotomia (corte da vagina), o uso de drogas para aceleração do parto sem protocolos de segurança, a manobra sobre o útero para forçar a saída do bebê, além da imobilização em posições antifisiológicas. Isso sem mencionar as várias formas de abuso e violência enfrentadas por um quarto das parturientes (e mais da metade das mulheres com aborto incompleto).
Considerando os setores público e privado, apenas uma entre seis mulheres consegue ter acompanhantes no parto conforme a lei. A falta de continuidade do cuidado e de privacidade são a regra, especialmente no setor público. Movimentos sociais denunciam: "Chega de parto violento para vender cesárea".
O caso tem repercussão internacional por expor o inaceitável desrespeito ao direito à autonomia da gestante, à privacidade, à legalidade, à não-violência e a tratados internacionais. Ele evidencia violações do código de ética médica como a falta de consentimento da gestante sem que houvesse iminente risco de morte. A juíza que concedeu a liminar irreversível o fez baseada em laudo passível de contestação.
Triste, o caso traz ao menos a oportunidade de diálogo sobre a assistência ao parto, as evidências científicas e os direitos das mulheres.
Artigo escrito por Simone G. Diniz, professora de saúde materno-infantil na Faculdade de Saúde Pública da USP, e Priscila Cavalcanti, membro da ONG Artemis, que busca erradicar a violência contra mulheres.
* As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.