02/06/2023
Mychele Caroline Meloto
"Eu estou presa no meu próprio corpo, na minha própria cabeça e só quero ser livre", disse Aurelia Brouwers, uma mulher que, aos 29 anos, conseguiu o direito ao suicídio assistido na Holanda, em 2018. Em paralelo, o pensador Jean-Paul Sartre alegou que "o homem está condenado a ser livre", o que, sob o viés do existencialismo, significa que a existência precede a essência. Ou, em outras palavras, a autonomia humana nos torna fatídica e irreversivelmente responsáveis por nós mesmos. Entretanto, teria uma pessoa que padece de um mal psicológico a capacidade emancipatória de optar por não viver?
Partindo da máxima que a vida é um direito fundamental e inviolável, segundo a Carta Magna de 1988, é no mínimo contestável apoiar uma pessoa que já não encontra mecanismos para lidar com a própria mente. Mas se a consciência, que é o indivíduo em si, conjectura que não é compatível com a existência nessa sociedade, nessa vida, quem seria o juiz com a anuência de condená-lo a viver?
Apesar da morte ser vista como desfecho final da vida, ela pode ser percebida com um viés de esperança e não de tragédia. A morte e o morrer são conceitos cuja perspectiva é subjetiva. Nada concede o direito de um terceiro em impor seu prisma e seus valores a outro indivíduo.
E se, ao invés da eutanásia, o alvo de discussão fosse a distanásia, mudando o foco de interromper a dor, para prolongá-la de forma ansiosa e com a certeza terrível de incurabilidade? Como poderia ser justo fadar um espírito angustiado a isso?
Tal qual o filme O Escafandro e a Borboleta, no qual o protagonista é prisioneiro da vida, mas é capaz de se reinventar, o que delimita se uma pessoa pode ou não continuar é sua consciência e resiliência e sua decisão autônoma de viver. Isso é autonomia.
Na sociedade ocidental cristianizada, a vida é um bem inviolável. Todavia, em outras culturas, como as orientais ‑ a título de exemplo, o budismo ‑, questões como aborto, eutanásia e suicídio são relativas. Enquanto a eutanásia é vista como "brincar de ser Deus", prolongar a vida de alguém também não seria interferir no ciclo natural da vida?
Vale lembrar que enquanto a morte assistida é proibida, a indústria farmacêutica segue lucrando. Será que se trata de valor moral ou existe outro interesse por trás?
Portanto, a linha tênue entre interferir na liberdade do outro e salvá-lo é mais uma das grandes questões bioéticas que permeiam a profissão médica. O compromisso moral com a vida não pode ser maior que o respeito à autonomia de outrem.
* Mychele Caroline Meloto é estudante de Medicina. Cursa o 4°período da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Campus de Curitiba.
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