A pesquisa, conduzida pela
Unidade de Álcool e Drogas (UNIAD)
da Unifesp, em parceria com o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), além de caracterizar o perfil
sociodemográfico, alerta para as drogas mais consumidas, as especialidades e os distúrbios psiquiátricos mais envolvidos e
as conseqüências para a vida pessoal e profissional.
Segundo o estudo, foram avaliados os prontuários médicos de 365 profissionais, residentes de 15 Estados do país, com diagnóstico
de uso nocivo ou dependência de substâncias, submetidos a tratamento ambulatorial entre 2000 e 2005.
A seguir, uma síntese das principais conclusões quanto à dependência:
- aproximadamente 37% dos pesquisados apresentavam problemas com o uso concomitante de álcool e drogas;
- 31,8% deles apresentaram problemas exclusivamente com drogas ;
- 30,7% deles apresentaram problemas exclusivamente com álcool;
- as mulheres apresentaram maior consumo de benzodiazepínicos (58,7%) e anfetaminas (23,9%) quando comparadas aos homens
(31% e 8,6%, respectivamente);
- depois do álcool (48,2%), a maconha (17,8%) foi a droga mais apontada como responsável pelo início do problema de dependência;
- na seqüência, aparecem os benzodiazepínicos (13,7%), os opiáceos (10,9%) e, finalmente outras drogas, como crack, cocaína,
anfetaminas e inalantes (8,5%) ;
Hamer Nastasy Palhares Alves, coordenador da Rede de Apoio a Médicos da UNIAD/Unifesp e autor da pesquisa apresentada
como tese de doutorado, afirma que, embora preocupantes, os dados mostram que os médicos apresentam taxas de uso nocivo e
dependência similares às da população geral, que varia entre 8% e 14%, sendo, entretanto, cinco vezes maior quando se trata
de opióides e benzodiazepínicos.
A automedicação foi encontrada em 71,2% dos casos, o que sugere que há um abuso de recursos farmacológicos na tentativa
de lidar com a dor emocional.
Para o presidente do Cremesp, Henrique Carlos Gonçalves, a Rede de Apoio, mantida pelo Conselho e coordenada pela Uniad,
visa facilitar o acesso do médico ao tratamento e sua reinserção nas atividades profissionais, sociais e convívio familiar.
Ele ressalta que, no caso dos médicos, se a dependência química não for adequadamente tratada, pode se agravar diante do
estresse da profissão e da carga horária excessiva.
Acompanhe as conclusões específicas da pesquisa, divulgadas pela Assessoria de Imprensa da Unifesp:
Drogas x Especialidades
O estudo encontrou diversos perfis de uso para as diferentes especialidades médicas. Os clínicos apresentaram o álcool
como droga de início de abuso, ao passo que entre as especialidades cirúrgicas, o início problemático envolveu álcool, drogas
ilícitas (maconha e cocaína) e de prescrição (benzodiazepínicos, anfetaminas e opióides). Já os anestesistas começam, especialmente,
pelo uso de drogas de prescrição controlada em 56% dos casos (especialmente os opióides - drogas utilizadas como anestésicos).
"A diferença de classes de substâncias entre as especialidades favorece a hipótese da exposição ambiental, ou seja, da
contaminação do ar por partículas volatilizadas de substâncias anestésicas, levando a risco aumentado de experimentação, especialmente
pelos anestesistas. Este pode ser um fator de risco adicional para o uso problemático de drogas de fácil acesso, como opióides
e benzodiazepínicos injetáveis", afirma o pesquisador.
Comorbidades psiquiátricas
Cerca de 51,5% dos médicos em tratamento por uso nocivo ou abusivo de substâncias apresentaram transtornos psiquiátricos.
A presença de comorbidades foi relacionada com o consumo de duas ou mais drogas, quando comparado àqueles que não portavam
diagnóstico de transtornos mentais.
A depressão foi o problema psiquiátrico mais encontrado, pois atingiu um quarto dos profissionais com comorbidades, seguido
dos transtornos de personalidade, bipolar e de ansiedade. Esquizofrenia, jogo patológico, transtornos alimentares e demência
secundária ao álcool também foram diagnosticados com menor freqüência.
Conseqüências profissionais
Várias foram as repercussões que a dependência trouxe à vida dos pesquisados. Quase 84% dos 365 médicos avaliados relataram
problemas profissionais; 63%, no casamento; 36% estiveram envolvidos em acidentes automobilísticos; o desemprego atingiu 27%;
25,5% tiveram problemas ético-legais; e, 7% mudaram de especialidade por conta do uso de substâncias.
Socorro tardio
A maior parte da amostra constituiu-se de indivíduos do sexo masculino (87,4%), casados (56%), com idade média de 39 anos.
Metade desses profissionais já tinham sido internados por causa do uso de substâncias químicas, tendo iniciado o problema,
em média, aos 32 anos. A busca por tratamento, entretanto, ocorreu tardiamente para 40,5% dos profissionais, com intervalo
de tempo entre um e seis anos, em boa parte por pressão familiar (44,1%) ou por vontade própria (37,8%).
"A pressão de colegas da área e até mesmo o acompanhamento pelo CRM também é significante e foi encontrada em 18% dos
casos, revelando que não apenas a família, mas os amigos podem ter papel fundamental na busca por tratamento", afirma Palhares,
que teve como orientadores no seu estudo Luiz Antônio Nogueira-Martins e Ronaldo Laranjeira, ambos docentes da Unifesp.
Ainda assim, um quarto da amostra levou entre seis e 15 anos para procurar ajuda e, 9,7%, somente após 15 anos de uso,
o que pode ter reflexo na evolução do tratamento. Verificou-se também que as mulheres buscam ajuda mais precocemente.
Médicos desconhecem serviços
Apresentada como trabalho de Iniciação Científica na Unifesp, uma pesquisa realizada pelo estudante de psiquiatria Thiago
Marques Fidalgo, mostra que apesar de 96,4% dos 83 médicos entrevistados em hospitais declararem não apresentar problemas
relacionados ao uso de substâncias psicoativas, 16,9% admitiram já ter feito uso delas sem prescrição ou acompanhamento adequados.
Cerca de 67% também declararam conhecer algum colega com problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas.
Apesar de 60% dos entrevistados acreditarem que os médicos são mais susceptíveis ao uso abusivo de psicotrópicos quando
comparados à população geral, 88% do total de pesquisados consideram difícil a procura por ajuda especializada.
Fidalgo explica que esse fato é agravado pela constatação de que 56,6% declararam desconhecer serviços de atendimento
exclusivamente direcionados a médicos com problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas, algo que, na opinião de
83% dos participantes, facilitaria a busca por tratamento.
"A questão do desconhecimento desses serviços pode ser facilmente resolvida com uma ampla campanha de divulgação, tanto
pela mídia quanto pelas entidades de classe", afirma. "O grande problema é que o médico alivia o sofrimento alheio, mas não
reconhece e aceita o seu próprio. Afinal, ele alimenta, desde a graduação, a ilusão de que está imune aos problemas de saúde,
pois, na maior parte do tempo, sua posição é de curador".
Fonte: Unifesp