22/11/2010
Estudo aponta eficácia de antirretroviral na prevenção do HIV em homens que fazem sexo com homens
Um estudo iPrEX - sigla para Iniciativa Profilaxia Pré-Exposição - avaliou a segurança e a eficácia do uso de um comprimido
composto de duas drogas antirretrovirais na prevenção da infecção por HIV. Os resultados indicam que a Profilaxia Pré-exposição
(PrEP) fornece proteção adicional significativa contra a infecção pelo HIV entre homens que fazem sexo com homens. A quimioprofilaxia
pré-exposição (PrEP) consiste em utilizar o mesmo medicamento indicado no tratamento para a prevenção da infecção. O iPrEx
é o primeiro grande estudo de eficácia da PrEP a ser realizado nessa população. É também o primeiro estudo clínico do HIV
em larga escala a ser realizado em diferentes continentes.
Trata-se de um estudo clínico de Fase 3 (um estudo multicêntrico, aleatório, em larga escala) criado para determinar se
o uso diário de um comprimido combinado de duas drogas usadas para o tratamento do HIV - fumarato de tenofovir desoproxila
300 mg e emtricitabina 200 mg (FTC/TDF) - poderia prevenir de modo seguro e eficaz a infecção pelo HIV entre homens e mulheres
trangêneras que fazem sexo com homens (HSH), os quais também recebem aconselhamento intensivo para sexo seguro, preservativos
e o tratamento ou gerenciamento de infecções sexualmente transmissíveis (IST).
Os resultados do estudo, publicados nesta terça-feira (23/11) em artigo na revista New England Journal of Medicine, com
o título Pre-Exposure Chemoprophylaxis for HIV Prevention in Men who Have Sex with Men, indicaram que a Profilaxia Pré-exposição
(PrEP) com FTC/TDF, uma junção, em um único comprimido, de dois medicamentos: emtricitabina 200mg e Tenofovir 300mg, de nome
comercial Truvada, forneceu proteção adicional de 43.8% aos participantes. Estes resultados são baseados em uma análise da
intenção de tratamento modificada de todos os participantes - até mesmo se eles não tomaram o comprimido. O estudo envolveu
ao todo cerca de 30 pesquisadores, além de 2.499 participantes voluntários, em seis países: Brasil, Equador, Peru, EUA, Tailândia
e África do Sul.
O Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz) é um dos 11 centros no mundo onde o estudo intitulado iPrEX
foi desenvolvido. No Brasil, além do Ipec, o Projeto Praça Onze da UFRJ e a Faculdade de Medicina da USP também participaram
da pesquisa. Os voluntários eram todos adultos, com idade média de 24 anos, nasceram homens (1,2% são transgêneros) e apresentavam
alto risco para a infecção pelo HIV. Eles eram orientados a tomar diariamente um comprimido contendo a medicação ou apenas
placebo. Os participantes que relataram usar o comprimido em 50% ou mais dos dias tiveram 50,2% menos infecções pelo HIV.
Aqueles que relataram usar a PrEP em 90% ou mais dos dias tiveram eficácia de 72,8%.
Esta análise de segurança e eficácia incluiu visitas dos participantes aos centros de pesquisa de 18 de junho de 2007
a 1º de maio de 2010. Ao todo, cem infecções pelo HIV foram registradas nesse período - 36 entre participantes que receberam
a PrEP com FTC/TDF e 64 entre aqueles que receberam o placebo.
O estudo mostrou também que os níveis da droga estão fortemente relacionados com o efeito protetor: cada uma das infecções
pelo HIV que ocorreram entre os participantes do estudo que receberam a PrEP com FTC/TDF ocorreram entre pessoas que tinham
nenhuma droga ou níveis muito baixos da droga nos seus organismos quando a infecção foi descoberta. Isso indica que as pessoas
que se tornaram HIV-positivas, apesar de estarem no braço da droga ativa do estudo, não estavam usando a PrEP regularmente.
O uso do comprimido autorrelatado foi significantemente mais alto do que o uso do comprimido conforme medido por meio de exames
de sangue.
O estudo iPrEX foi financiado pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos através de uma subvenção aos
Institutos J. David Gladstone, uma instituição de pesquisa independente sem fins lucrativos, filiada à Universidade da Califórnia
em São Francisco (UCSF). Financiamento adicional foi fornecido pela Fundação Bill & Melinda Gates. A Gilead Sciences, a empresa
que produz o Truvada (FTC/TDF) doou a droga e o placebo para o estudo, mas não participou do desenho nem da condução do estudo.
O estudo conclui que a PrEP tem o potencial de ser um método de prevenção altamente eficaz quando combinado com intervenções
padrão (aconselhamento para sexo seguro, acesso a preservativos e o tratamento ou gerenciamento de infecções sexualmente transmissíveis).
O resultado do estudo iPrEx tem potencial para repercutir fortemente na comunidade científica, que vive uma época de
otimismo em relação à prevenção do HIV. Este é o terceiro estudo com resultado positivo de prevenção do HIV em 14 meses, e
o primeiro com homossexuais, grupo mais fortemente afetado pela epidemia na América Latina.
Dados sobre segurança
Os resultados sobre segurança e resistência à droga também foram promissores. A Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) foi considerada
segura. Não houve diferença nos eventos adversos moderados e sérios ou nos exames laboratoriais entre aqueles que receberam
a droga ativa ou o placebo (164 participantes desenvolveram um evento adverso moderado ou sério no braço do placebo, comparados
aos 151 participantes, no braço de FTC/TDF). Efeitos colaterais, como náusea, perda de peso, aumento na creatinina sérica
foram considerados leves e pouco frequentes.
Resistência
Os autores observaram a resistência à droga desenvolvida durante estudo foi pequena. Ninguém desenvolveu resistência
ao TDF. Três participantes desenvolveram resistência ao FTC: um no braço do placebo, dois no braço da PrEP. Todos os três
eram infectados pelo HIV no momento da inclusão.
Comportamento
O comportamento de risco para o HIV autorrelatado (o número de parceiros sexuais e a quantidade de relações sexuais sem
o uso de preservativos que os participantes disseram ter) diminuiu em ambos os braços do estudo. Os autores do estudo consideram
que é importante avaliar como o comportamento de risco pode ser alterado no futuro, a partir do conhecimento de que essa forma
de prevenção fornece efetivamente alguma proteção.
Ingestão do comprimido
Os participantes do estudo iPrEx receberam extensivo apoio à adesão. O uso do comprimido auto-relatado foi alto em ambos
os braços do estudo, mas o uso real do comprimido foi substancialmente mais baixo, conforme demonstrado pelo fato de que a
metade do grupo de FTC/TDF não tinha traços da droga detectados em seu sangue.
Participação do Ipec/Fiocruz no estudo iPrEX
No Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz) foram incluídos 200 voluntários no protocolo de pesquisa
entre outubro de 2008 até novembro de 2009. O acompanhamento dos participantes se estendeu até novembro de 2010.
Apesar do cenário promissor trazido pelos resultados da pesquisa, a investigadora principal do estudo no Ipec, a infectologista
Valdiléia Veloso, faz questão de ressaltar que os resultados da pesquisa não implicam de maneira nenhuma no abandono do uso
da "camisinha". "O preservativo ainda é a estratégia mais eficaz de prevenção da transmissão do HIV. É provável que no futuro
nós tenhamos uma cesta com diferentes opções de ferramentas de prevenção complementares. As pessoas, a exemplo do que acontece
com o uso dos anticoncepcionais, poderão escolher a forma de prevenção pesando vantagens e desvantagens para sua situação
particular", afirma a pesquisadora.
A coordenadora clínica do protocolo iPrEX no Ipec, Brenda Hoagland, considera o estudo um avanço importante: "O estudo
foi realizado com o grupo mais vulnerável da pandemia - os homens que fazem sexo com homens", afirma a médica. No Ipec estão
em andamento atualmente outros sete estudos em HIV/Aids que fazem parte de diferentes redes internacionais. As pesquisas
abordam segurança e eficácia dos esquemas antirretrovirais, definição de melhores esquemas de tratamento, testes diagnósticos
mais sensíveis para co-infecções como a de tuberculose e prevalência de DST, entre outros temas.
Próximas etapas
Os autores do iPrEX declaram que resultados do estudo atual não podem ser extrapolados para além dos HSH. Outros estudos
de PrEP estão sendo realizados com diferentes comunidades em risco e devem continuar.
O grupo de pesquisadores deixa claro também que a PrEP por via oral não previne doenças sexualmente transmissíveis como
a gonorréia, clamídia, hepatite B, verrugas genitais e sífilis. Homens que fazem sexo com homens e devem ter atenção médica
regular, usar preservativos e ser vacinados contra o HBV. Relata, ainda que a vacina contar outro vírus, o HPV, pode ajudar
a proteger os homens do desenvolvimento das verrugas genitais e do câncer anal.
Outros estudos clínicos da PrEP estão acontecendo em todo o mundo entre diferentes grupos de pessoas com risco de infecção
pelo HIV, incluindo homens e mulheres heterossexuais, casais sorodiscordantes (nos quais um parceiro é HIV-positivo e o outro,
não), usuários de drogas injetáveis e HSH. Estudos de PrEP atuais ou planejados envolvem quase 20 mil participantes.
Fonte: Fiocruz