24/07/2012
Esquizofrênico em filme, ator cobra atenção para saúde mental no País
Magro e abatido. É assim que Felipe Kannenberg aparece no começo do filme Menos Que Nada, do diretor Carlos Gerbase, que estreou
na última sexta-feira (20) em quatro tipos de mídia - na internet com exclusividade do Sundaytv, plataforma de vídeos online
do Terra. Além da dieta pesada que enfrentou para atingir a imagem ideal do personagem Dante, internado há 10 anos em um hospital
psiquiátrico, o ator fez diversas visitas a manicômios e constatou o que muitos sabem e parecem esquecer: as condições precárias
da saúde mental no Brasil.
"O que mais me surpreende é que nós, humanidade, apesar de estarmos desbravando as estrelas, temos condições de atendimento
ainda muito precárias no que diz respeito às questões psiquiátricas. O estado de abandono é terrível em pleno ano 2012", criticou
ele, que garantiu que seu maior aprendizado com o filme está ligado justamente a essa questão.
Menos Que Nada conta a história de Dante (Felipe Kannenberg), um arqueólogo que trabalha com a parte burocrática de obras.
Internado em um manicômio, onde foi esquecido por amigos e pela família, desperta a curiosidade de Paula (Branca Messina),
uma médica que decide ajudar o paciente e encontrar o motivo que o levou à internação. Seus surtos envolvem um banco, simulação
de atos sexuais, gritos, um buraco e uma encenação de morte.
Em entrevista ao Terra, Felipe Kannenberg falou sobre a preparação para o personagem, as visitas a hospitais psiquiátricos
e o cinema no Brasil. Confira na íntegra.
Terra - Como foi sua preparação para o papel?
Felipe Kannenberg - Gerbase me passou material vasto de leitura e vídeos (documentários, longas-metragens). Sabine,
um documentário francês que retrata uma personagem com um tipo peculiar de autismo, inspirou muito a forma de apresentação
do personagem, apesar de a questão de Dante ser a esquizofrenia catatônica. A direção presente em todas as etapas de Gerbase
foi a melhor das "bases".
Terra - Visitou hospitais psiquiátricos?
Felipe Kannenberg - Sim. Antes do início das filmagens fiz visitas constantes ao Hospital Psiquiátrico São Pedro,
em Porto Alegre, observando pacientes esquizofrênicos e suas rotinas. E o que mais me surpreendeu é que nós, humanidade, apesar
de estarmos desbravando as estrelas, temos condições de atendimento ainda muito precárias no que diz respeito às questões
psiquiátricas. O estado de abandono, não apenas do paciente, mas de todo contexto que o cerca, são terríveis em pleno ano
2012.
Terra - Alguém específico serviu de inspiração?
Felipe Kannenberg - Sabine foi uma grande inspiração. Todos os pacientes que conheci no São Pedro influenciaram
- uns mais, outros menos. Lá, conheci um rapaz que tinha, entre outras coisas, o tipo de esquizofrenia catatônica.
Terra - Qual seu maior aprendizado com o personagem?
Felipe Kannenberg - Creio que justamente esse, de que atentamos pouco para a situação da saúde mental. E isso precisa
ser revisto.
Terra - Cada uma de suas fases no filme mostra uma mudança física muito grande. Como aconteceu?
Felipe Kannenberg - Começamos a rodar pela fase mais velha, quando ele já está há anos no hospital psiquiátrico.
Fiz uma dieta de restrição alimentar, que me manteve saudável enquanto passava uma sensação de debilidade. Na segunda fase,
voltei a minha alimentação regular, recuperando o ar saudável.
Terra - Você teve algum problema de saúde por emagrecer e engordar em um espaço curto de tempo?
Felipe Kannenberg - Nenhum, nem perto disso. Durante todo o tempo eu tive orientação de nutricionista.
Terra - Em uma entrevista, você comentou que o Dante foi um grande presente. O que mais gostou nesse trabalho?
Felipe Kannenberg - Da oportunidade de interpretar um personagem tão bonito, complexo, simples e especial. De poder
encarar o desafio de fazer um personagem assim. Uma oportunidade de crescimento pessoal, profissional e social.
Terra - Mergulhar tão profundamente no universo de um esquizofrênico te afetou de alguma forma?
Felipe Kannenberg - Claro. É uma experiência transformadora conhecer esse universo: os valores se reorganizam,
os olhos são abertos mais um pouco e passamos a ser mais gratos pelo que de bom temos. Triste isso, mas verdadeiro; comparamos
essa tristeza com nossas próprias vidas. Isso por si só é transformador e espero que o público se sinta movido também assim
e, com sorte, alguém queira, possa e tente ajudar na melhora do sistema manicomial.
Terra - Acredita que o filme chegar à TV e internet pode "afetar" de alguma forma a arrecadação das bilheterias?
Felipe Kannenberg - Na verdade, não. Creio que as pessoas que vão ao cinema, principalmente ver filmes nacionais,
sempre irão preferir o escurinho das salas de projeção. O que acredito é que o número de público atingido é que aumentará.
Terra - No Brasil, normalmente as comédias ou dramas ligados a personalidades conseguem boas bilheterias. O que
falta para outros tipos de filmes atingirem as mesmas marcas?
Felipe Kannenberg - Um público que aprecie esse filmes e que acredite na qualidade da produção nacional a ponto
de valorizá-la assistindo a filmes brasileiros. Ainda estamos criando o nosso público, descobrindo sua cara, dando opções
de filmes diferenciados aos poucos.
Terra - Você acha que o modo como funciona o mercado de salas de cinema no País é o que atrapalha a bilheteria
de filmes que ficam em circuito fechado ou por pouco tempo em cartaz?
Felipe Kannenberg - Enxergo como um negócio, como é próprio de um mercado. Para se ter um filme em cartaz, ele
deve trazer retorno financeiro - com a vinda do público. Pouco público, pouco tempo. Por isso mesmo, acredito ainda mais acertada
a decisão da Prana Filmes de lançar Menos Que Nada em diversas plataformas.
Terra - Agora que o Menos Que Nada já está em cartaz, quais são seus próximos planos?
Felipe Kannenberg - Como ator, aguardo lançamento de mais três filmes (Amores Imperfeitos, de Marcio de Lemos,
Os Senhores da Guerra Parte I, de Tabajara Ruas, e Nove Crônicas Para Um Coração Aos Berros, de Gustavo Galvão); e estou em
dois outros na fase de pré-produção (1 x 0, de Charles Miranda, e Casa da Mãe Joana 2, de Hugo Carvana). Estou terminando
de escrever o roteiro de meu primeiro longa-metragem, Mein Opa - O Prisioneiro nº 24 da Cela 6.
Fonte: Terra