04/05/2012

Equívocos sobre distribuição de médicos

Em medicina se aprende que o diagnóstico correto é que determina a terapêutica. Se o diagnóstico estiver errado a terapêutica também será errada.


Isto me ocorreu quando tomei conhecimento de estratégia em elaboração no governo para garantir a presença de médicos em pequenos municípios, em áreas remotas e nas periferias das grandes cidades. O diagnóstico, a meu ver equivocado, seria baseado em informações de prefeitos, e até governadores, de que não conseguem contratar médicos para o PSF - Programa de Saúde da Família, mesmo oferecendo salários superiores a dez mil reais. Concluem a partir daí, que o problema é falta de médicos. O corolário seria ampliação de vagas em faculdades públicas, abertura de novas faculdades e, pasmem, flexibilização nos critérios de revalidação de diplomas obtidos no estrangeiro. Estes critérios foram recentemente revistos e consolidados no projeto "Revalida".


Segundo as informações propõem a contratação de médicos no exterior ( leia-se Bolívia, Paraguai e Cuba, entre outros), que cumpririam estágio de dois anos sob supervisão, após o qual o diploma seria reconhecido, beneficiados pela anunciada flexibilização dos critérios.


Como se vê, baseados em diagnóstico errado, propõem terapêutica não apenas errada, mas inaceitável. Senão vejamos: a ideia de que nos faltam médicos é correta. Acontece que já se está caminhando para corrigir esta deficiência. Até 1996 tínhamos 82 faculdades de medicina, que graduaram, naquele ano, 9728 médicos. Desde então foram criadas 105 novas faculdades que, quando todas tiverem completado pelo menos 6 anos, oportunidade na qual formarão sua primeira turma, estaremos graduando ao redor de 18000 médicos por ano, o que significa duplicar nossa formação em 15 anos.


Se, hoje, temos 1.9 médicos por mil habitantes, atingiremos mais de 2.5/1000 em 2030, ultrapassando nossa necessidade.


Nosso problema é que destas novas escolas, - mais de 70% são privadas - , boa parte delas sem qualquer tradição no setor saúde, nem estrutura adequada, formando médicos mal preparados. Já, entre pouco mais de 600 médicos formados no exterior, que se inscreveram para buscar a revalidação de diploma, em 2010, apenas dois foram aprovados.


Não precisamos importá-los, pois já teremos muito trabalho para corrigir a má formação de algumas de nossas escolas.


Por outro lado, a má distribuição não tem relação direta com o número de profissionais existentes. Se fosse assim, nas capitais, onde vivem 20% da população do País, e onde se concentram 60% dos médicos, todas estariam bem servidas. Exatamente nas capitais, e nas respectivas áreas metropolitanas, é onde se observa em suas periferias as carências mais sentidas desses profissionais, limitando a ampliação do PSF.


Tradicionalmente os médicos se localizam próximo aos hospitais, que lhes dão suporte. Nas grandes cidades os hospitais se concentram nas áreas mais antigas e ricas, deixando as periferias sem hospitais e, em consequência, sem médicos. Em 1999 demonstrei que na capital de S.Paulo, em 25 distritos onde viviam um milhão e oitocentos mil pessoas, existiam na média 13 leitos por mil habitantes. Nos outros 71 distritos, onde moravam oito milhões e cem mil habitantes, havia 0,6 leitos por mil. Nesse grupo foi possível destacar 39 distritos com mais de quatro milhões de habitantes onde não havia nenhum leito. Só na capital de S.Paulo, para colocar nestas áreas dois leitos por mil habitantes, há um déficit de 12000 leitos, o que significaria 60 hospitais de 200 leitos.. E isto para atendimento de casos eletivos e de urgência. Não se está cogitando de leitos para crônicos.


Como se vê, o problema de distribuição de médicos é por demais complexo e não se resolve com medidas simples e equivocadas.


Temos de agir, e rápido, na revisão do curso médico que hoje encaminha seus formandos para residência médica que vai formar especialistas, que não irão para as áreas onde a deficiência é maior. Formar médicos capazes de atender a população dispensando a alta tecnologia, que é impossível universalizar, é o grande desafio que temos de enfrentar.


Talvez seja necessário fazer com que os médicos que se formarem em determinado Estado, por exemplo, permaneçam por um ou dois anos no Estado em que se formaram, designados para as áreas onde há falta deles, mantendo-os sob supervisão da escola onde se graduaram, como pré requisito para pleitearem residência medica.


Isto significa pensar uma carreira de Estado capaz de orientar a distribuição destes profissionais no seio da população, oferecendo-lhes condições de trabalho, supervisão e até suporte informatizado.


As entidades médicas estão mobilizadas e dispostas a colaborar na busca de solução racional e permanente, onde não cabe a ideia de corporativismo, e onde se coloque em primeiro lugar a pessoa humana, que sofre e que merece respeito e deve ter acesso a médicos competentes e preparados para atendê-la sem o emprego da alta tecnologia, que deve ser utilizada por especialistas.



Artigo escrito por Adib Jatene, 82, cardiologista, é professor emérito da Faculdade de Medicina USP e diretor-geral do Hospital do Coração. Foi ministro da Saúde (governos Collor e FHC).

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