25/10/2006
Entidades médicas entregam propostas aos candidatos à presidência
Conselho Federal de Medicina, em conjunto com os conselhos regionais de todo país, Associação Médica Brasileira e Federação
Nacional dos Médicos, reunidos no II Encontro Nacional dos Conselhos de Medicina, em Manaus, elaboraram, nos dias 14 e 15
de setembro, propostas para a saúde do Brasil.
A "Carta aos presidenciáveis", que teve sua elaboração fechada durante os debates, traz os aspectos mais relevantes
para a melhoria da saúde do povo brasileiro e está sendo entregue aos candidatos à presidência da República.
Confira abaixo a carta na íntegra:
OS MÉDICOS BRASILEIROS E AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2006
Os médicos brasileiros, através das suas entidades nacionais, vêm manifestar aos candidatos ao Governo do País e
à sociedade brasileira o seu posicionamento acerca do importante momento político que vivemos, bem como apontar as medidas
que consideramos necessárias para a melhoria das condições de vida e saúde de nosso povo.
Apesar dos avanços conquistados, o país ainda apresenta elevado índice de desemprego e uma das maiores desigualdades
na distribuição de renda de todo o planeta. As denúncias de corrupção invadem os lares brasileiros, surpreendendo-nos a cada
dia com novos atentados à ética.
No Brasil, é enorme a expectativa da população e a responsabilidade de todos nós na construção de um País mais justo,
com menos iniqüidades e bem colocado no cenário internacional. Ainda convivemos com a vergonhosa posição de 63º lugar no Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH - PNUD, 2003). Proliferou a violência durante anos, em suas mais variadas formas, tornando-se
também uma questão de saúde pública. A segunda causa de morte entre os brasileiros é advinda da violência.
Para minimizar a grave situação da saúde no país, as entidades médicas estão engajadas na aprovação do projeto de
lei complementar (PLC 01/2003) que regulamenta a Emenda Constitucional 29 e que caracteriza as políticas de saúde, no âmbito
do SUS, como políticas de Estado e não de governo. O texto aprovado em 2000 modifica o artigo 198 da Constituição, assegurando
os recursos mínimos necessários ao financiamento dos serviços públicos de saúde. Mas, para valer na íntegra, as mudanças precisam
passar pelo Congresso por meio de um projeto de lei que trata da regulamentação do texto. Seis anos depois de os parlamentares
mudarem o dispositivo do texto constitucional, a matéria ainda não foi regulamentada.
A emenda, aprovada em 2000, foi uma importante conquista da sociedade na consolidação do SUS, pois colaborou para
que o processo de financiamento do sistema ficasse mais firme, ao estabelecer a vinculação de recursos nas três esferas de
governo. O PLC 01/2003, por sua vez, foi por mais de dois anos amplamente debatido com as entidades dos usuários, profissionais
e prestadores de serviço e determina que o gasto anual mínimo da saúde seja fixado em 10% das receitas correntes da União,
permanecendo os estados obrigados a destinar no mínimo 12% dos seus orçamentos próprios à saúde, percentual que, no caso dos
municípios, é de 15%.
Entretanto, a proposta corre o risco de não ser votada este ano. E, se for aprovada em 2007, o aumento de recursos
para a saúde só ocorrerá na Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano seguinte. A equipe econômica continua resistente a qualquer
proposta de vinculação dos recursos do Orçamento. A importância deste projeto para a saúde dos brasileiros exige empenho dos
poderes constituídos, em especial do executivo, hoje objeto de disputa eleitoral.
Um Programa de Governo para o novo mandato presidencial deve estar voltado, sobretudo, para um desenvolvimento mais
acentuado, ambição de todos os brasileiros, com maior distribuição de renda, ampliação do mercado interno e valorização do
trabalho, ampliação dos projetos sociais, universalização de uma educação de qualidade e compromisso efetivo com uma política
de atenção à saúde que fortaleça o SUS como atividade de Estado. Não há antagonismo entre um desenvolvimento mais acentuado
e o rigor fiscal. A vinculação de recursos para a saúde não compromete os orçamentos da União, dos estados e dos municípios,
impondo-se evidentemente um maior e mais organizado controle social. Os investimentos sociais não podem ser considerados custos,
como denomina a ortodoxia econômica, e sim como aplicação no desenvolvimento do nosso País.
Os médicos brasileiros querem discutir também a reforma política e as relações de trabalho em nosso País. Somos favoráveis
às ações governamentais, desde que elas não prejudiquem e penalizem nosso povo em seus direitos duramente conquistados. Pautamos,
ainda, as discussões relativas à forma de trabalho dos médicos, aos seus direitos e responsabilidades, à sua carreira e ao
exercício profissional, temas de grande importância para nós. Assim, com o intuito de colaborar na definição dos rumos da
saúde e do trabalho médico em nosso país, propomos:
1. Empenho na aprovação do PLC 01/2003, que regulamenta a Emenda Constitucional 29, e fortalecimento dos mecanismos
de controle governamental e social na aplicação dos recursos do SUS, caracterizando-o como parte integrante das políticas
de Estado.
2. Fortalecimento da Atenção à Saúde, em seu conceito de atenção integral ao cidadão, garantindo o acesso a todos
os níveis de complexidade com resolubilidade, revertendo os indicadores epidemiológicos negativos, assegurando a contratação
dos profissionais médicos, através de concurso público, com carreira de Estado claramente definida, para provimento de cargos
dentro do Sistema Único de Saúde, incluindo aí o Programa de Saúde da Família;
3. Regulamentar, através de projeto de lei, a implantação da Estratégia de Atenção à Saúde da Família em todos os
municípios brasileiros. A Atenção integral à Saúde deverá ser acompanhada de permanente processo de educação continuada (como
política de Estado) dos profissionais que nela atuam, a fim de garantir uma atenção de qualidade a todas as faixas etárias
da população brasileira.
4. Fortalecimento e ampliação da farmácia básica do SUS na perspectiva de permitir o acesso gratuito de todos os
usuários a todos os medicamentos necessários, principalmente para os portadores de doenças crônicas;
5. Implantação, com a melhor distribuição geográfica, da Farmácia Popular objetivando o acesso do conjunto da sociedade
a medicamentos de baixo custo. Defendemos que esta ação tenha financiamento próprio sem que ocorra prejuízo do fortalecimento
e ampliação da farmácia básica do SUS.
6. Ações políticas efetivas para recuperar e impedir o sucateamento dos hospitais públicos, universitários e conveniados,
na perspectiva de garantir uma atenção de qualidade nos níveis secundário e terciário de atendimento em saúde pública;
7. Prover os hospitais universitários, ligados ao Ministério da Saúde, de recursos suficientes para que seja viabilizado
um atendimento qualificado aos doentes e, principalmente, as condições essenciais para um ensino médico de qualidade.
8. Apoio do Executivo para a aprovação do projeto de regulamentação do exercício da profissão médica, junto ao Parlamento,
tendo em vista a necessidade urgente de definir, claramente, os atos privativos de nossa profissão e os que podem ser compartilhados.
A eventual exclusão do médico de qualquer equipe de saúde compromete a qualidade do atendimento à população e, em última análise,
indica uma maior preocupação com a redução de custos em detrimento da garantia de acesso universal à saúde integral.
9. Implantação de um Plano de Carreira, Cargos e Salários no Sistema Único de Saúde, a ser implementado em todo território
nacional, que respeite a especificidade e a complexidade da carreira do médico, com sua necessária diferenciação nas atribuições
e responsabilidades relativas ao exercício de suas atividades profissionais. Como já ocorre com outras carreiras de Estado,
o Plano de Carreira é o caminho para o comprometimento efetivo com o SUS e para a interiorização de profissionais de forma
organizada e eficaz, por acenar com perspectivas futuras. Para tanto, é necessária a criação de um fundo nacional de recursos
humanos do SUS, em todas as esferas de governo.
10. O estabelecimento de um piso nacional da categoria médica, hoje calculado em R$ 3.353,33, para a jornada mínima
prevista na Lei 3.999/61, corrigido pelos índices em vigor.
11. Mudança radical na política de criação de cursos de medicina e/ou ampliação do número de vagas dos já existentes
sem a devida comprovação de sua necessidade social e recursos para sua completa implantação e manutenção. Consideramos fundamental
a aprovação de dois projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional. Um estabelece o caráter terminativo aos pareceres
do Conselho Nacional de Saúde para a abertura de novas escolas médicas, e o outro estabelece período de moratória, para a
abertura de novos cursos de medicina.
12. Criação de sistema de avaliação permanente de cursos médicos já implantados com finalidade de corrigir problemas
identificados e, se necessário, determinar o fechamento daqueles cursos que não têm condições de oferecer ensino médico de
qualidade. Tal atitude se apresenta frente à necessidade de garantir a formação de um profissional capaz de dar a melhor assistência
à saúde da coletividade.
13. Manutenção das normas vigentes para revalidação de diploma de curso de nível superior realizado no exterior.
14. Fortalecimento da residência médica com o aumento de vagas, nas diversas especialidades, melhoria da qualidade
e da remuneração. Propomos, também, a vinculação das concessões para o funcionamento das novas escolas médicas e das já existentes
à oferta de vagas em residência médica.
15. Adoção da CBHPM - Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (PL 3466/2004) pela ANS com
o objetivo de preservar a população, valorizar o trabalho médico e regular as relações com as operadoras de planos de saúde.
O Sistema de Saúde Suplementar no Brasil carece de um grande debate com a sociedade, buscando a satisfação dos 40 milhões
de usuários que dele dependem e dos profissionais médicos que a ele dedicam os seus serviços. Esta adoção ampliará para a
população os novos procedimentos que atualmente não são cobertos pelos planos de saúde. Esta exclusão também abrange hoje
os usuários do SUS.
16. Revisão dos valores da Tabela de Procedimentos do SUS com adoção da CBHPM, balizadora ética, sinônimo de equidade
e integralidade.
17. Que o sistema nacional de auditoria do Ministério da Saúde seja efetivamente regulamentado, como política de
controle e avaliação de Estado, com a respectiva efetivação da carreira de auditor que viabilizará autonomia e independência
de atuação.
18. Garantia da representação efetiva da categoria médica em todos os níveis do controle social do SUS e Ministério
da Educação.
19. Reforma sindical que mantenha os princípios de representação por categoria profissional diferenciada e a unicidade
sindical garantindo financiamento instituído em lei para a estrutura sindical.
Dessa forma, os médicos brasileiros vêm reafirmar seu apoio ao Sistema Único de Saúde público, integral, universal
e equânime. Como cidadãos brasileiros, mantemos a luta e a expectativa por um Brasil melhor, onde a saúde e o direito a uma
vida digna sejam garantidos a todos nós.
Manaus, 15 de setembro de 2006.