16/05/2008
Encontro exibe visão crítica sobre formação e interiorização do médico
Entidades médicas contestam política pública de usar residente como mão-de-obra barata para suprir deficiências do SUS.
O I Congresso dos Médicos Residentes do Paraná, encerrado nesta sexta-feira em Curitiba, apresentou como consenso a visão
de que as atuais políticas governamentais de saúde e educação projetam um cenário sombrio à expectativa da sociedade de acesso
a médicos éticos, bem-formados e com as condições de infra-estrutura necessárias para prestar atendimento resolutivo e de
qualidade. Para os participantes do encontro, os equívocos envolvem a aceitação passiva da abertura indiscriminada de escolas
médicas descompromissadas com a qualidade e de desfiguração da residência médica, passando-a de política de educação para
política de saúde, tentando usar o residente como mão-de-obra barata para solucionar deficiências do SUS.
O recente anúncio de que o Ministério da Saúde pretende implantar um novo perfil para a medicina, com o objetivo de formar
médicos para as necessidades prioritárias do sistema público, fortalecendo a atenção básica, gerou críticas contundentes.
Convidado para fazer a conferência de abertura do Congresso, o presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, Antonio
Carlos Lopes, declarou-se desapontado com o que entende como "desconstrução" do trabalho democrático que ajudou a estabelecer
nos quatro anos que esteve à frente da Comissão Nacional de Residência Médica, da qual se desligou no começo do ano contrariado
com as ingerências políticas. E foi enfático: "Entendemos que a prioridade deve ser a formação de médicos competentes, éticos,
prontos para trabalhar no SUS e também nos diversos locais que o mercado oferece. O paciente do SUS também merece um médico
qualificado. Por isso, a formação deve ser de excelência. A proposta do Ministério da Saúde mostra desconhecimento sobre o
ensino médico e exercício profissional. Afronta princípios de ensino preconizados por quem exerce a medicina e busca a excelência
acadêmica e a competência profissional."
Antonio Carlos Lopes, também professor titular de Clínica Médica da Unifesp, interpreta e que correto e bom ensino médico
é complexo, envolvendo currículo humanista, modelo pedagógico, estrutura acadêmico-administrativa, metodologia de ensino e
avaliação e recursos humanos e materiais condizentes. "É necessário ainda que haja quem ensine, pois a medicina é uma profissão
em que só se aprende ao lado de quem sabe, assim como é fundamental o ambiente em que se dá o aprendizado", diz. Ele critica
as condições precárias hoje do sistema, que tenta propagar uma residência médica com perfil mais preventivo mas atesta sua
incompetência no controle da dengue, da febre amarela e outras doenças prevalentes.
Falta política
O Prof. Renato Passini, da Unicamp e representante da Associação Médica Brasileira na CNRM, faz coro ao discurso de que
não é com mais médicos que se suprirá as deficiências no acesso à assistência, mas com condições de trabalho digno para fixar
o profissional fora dos grandes centros. "Nâo existe política pública para fixação do médico", lembra o professor, citando
a necessidade de programa de descentralização, de plano de cargos, salários e carreira e de condições de trabalho com segurança
e qualidade. Para ele, é utópico pensar que a solução da fixação do médico nas áreas carentes pode estar nos graduados no
Exterior, sobretudo Cuba, ressaltando os riscos do despreparo e a condição só temporária de sedução das condições de mercado
ao profissional. Assinalou que em São Paulo há 136 municípios com sequer um médico residente. No Paraná, dos 399 municípios,
há 88 sem profissional com domicílio fixado.
Destaca Passini que o número de médicos cresce duas vezes mais do que o da população. Cita que, até o ano de 2000, o Brasil
tinha 100 escolas médicas. Hoje já são 175, com oferta de mais de 17 mil vagas no primeiro ano. Menos da metade desses graduandos
terá acesso à residência médica, com reflexo na qualidade da formação. O resultado do Enade 2008, que avaliou 113 cursos,
indicou que quase 20% deles está em desacordo com os preceitos exigíveis de qualificação. Com isso, diz o professor da Unicamp,
pode se interpretar o elevado contingente de profissionais despreparados que chegam ao mercado. José Luiz Bonamigo Filho,
da Comissão de Integração do Médico Jovem do CFM, avalia também a situação como grave e que é contrário à abertura de novas
vagas de residência para encobrir o problema de excesso de médicos sem condições de ocupá-las. A questão dos especializandos
e estagiários, que estariam trabalhando como instrumento de mão-de-obra barata e sem acompanhamento de preceptores, também
foi debatida no encontro.
Estatística
O Brasil tem hoje 331.020 médicos ativos, dos quais 16.814 estão no Paraná - 7.985 somente em Curitiba. Dados do Conselho
Regional de Medicina do Paraná, que promoveu o I Congresso dos Residentes ao lado da Associação e da Comissão Estadual de
Residência Médica, indicam que 60% dos médicos paranaenses têm pelo menos uma especialidade registrada, patamar que é representativo
em termos estatísticos nacionais. Em São Paulo o índice é de cerca de 50%, decaindo nas regiões Norte e Nordeste.
Lançamento de livro
O livro "Câncer: estadiamento e tratamento" foi lançado na noite de quinta-feira (15) como parte das atividades do I Congresso
dos Médicos Residentes do Paraná, realizado no Conselho de Medicina, em Curitiba. O autor da obra é João Carlos Simões, Professor
Titular de Oncologia do Curso de Medicina da Faculdade Evangélica do Paraná, membro do Serviço de Cancerologia Cirúrgica do
Hospital Evangélico e presidente da Comissão Estadual de Residência Médica. O livro é direcionado para estudantes, residentes
e especialistas em oncologia cirúrgica e clínica.