16/12/2006
Emergências do SUS
Na medicina, as palavras urgência e emergência têm significados distintos. Uma diferença, conceitual, que auxilia na classificação
de riscos e prioridades. Para simplificar, sem linguajar técnico, um caso de urgência requer atendimento rápido, sem risco
iminente de morte. Já um caso de emergência demanda intervenção imediata, sob risco de óbito ou seqüelas graves.
O Sistema Único de Saúde (SUS) completa, em 2007, 19 anos. Garante a Constituição o direito de acesso universal e gratuito
de todos os cidadãos a atendimento médico-hospitalar, assistência farmacêutica, ações de promoção à saúde e prevenção de doenças.
Decididamente, o esforço dos sanitaristas não foi em vão. A cada ano mais avanços surgem. Basta dizer que a nota média dos
usuários da rede pública de saúde no Brasil é 7, segundo pesquisa da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Sob o ponto de vista macro, e com base nos indicadores de saúde nacionais, o balanço do SUS no País é inegavelmente positivo.
Mas é preciso ponderar que a saúde é uma área extremamente dinâmica, envolvendo aspectos como a evolução do conhecimento,
inovações tecnológicas, avanços da indústria de medicamentos, envelhecimento da população e as constantes mudanças no perfil
das doenças mais prevalentes.
O sistema público precisa, portanto, acompanhar tais transformações, atualizando-se constantemente. E não há dúvidas de
que as atuais distorções existentes precisam ser corrigidas, algumas com urgência, outras sob a velocidade análoga à de um
atendimento médico de emergência. Este é o caso, por exemplo, do adequado financiamento do SUS, o plano de saúde do qual dependem
exclusivamente cerca de 80% dos cidadãos brasileiros.
Para que o SUS receba um volume de recursos condizente com as suas necessidades de ampliação e modernização dos serviços
é imperioso regulamentar a Emenda Constitucional nº 29/2000, que estabelece os porcentuais mínimos de gastos com saúde nas
três esferas de governo, sendo 12% sobre a receita líquida dos Estados, 15% dos orçamentos municipais e, para a União, o valor
do exercício anterior acrescido da oscilação do produto interno bruto (PIB).
Não é por falta de conhecimento dos técnicos do Ministério da Saúde acerca dessa necessidade que a regulamentação da Emenda
Constitucional nº 29 está paralisada. O problema está na área econômica do governo federal, que sistematicamente se vem posicionando
de maneira contrária à medida. O governo descumpre a legislação ao retirar verbas da saúde e destiná-las a outros programas
do governo federal. Cabe às autoridades estaduais e municipais de saúde, com apoio das entidades representativas do setor,
como o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), unir esforços para sensibilizar o governo e a sociedade em torno
desta questão.
Somente com a regulamentação será possível definir quais são, efetivamente, as ações que podem ser contabilizadas pelos
governantes como despesas na área da saúde, padronizando critérios e evitando, como acontece atualmente, interpretações distorcidas
e equivocadas em relação à lei. Criando tais parâmetros e, sobretudo, fiscalizando o seu cumprimento, a saúde pública nacional
teria um acréscimo de aproximadamente R$ 10 bilhões por ano.
Do mesmo modo, outra medida de emergência é o reajuste da tabela do SUS, ou seja, dos valores com que o Ministério da
Saúde remunera todos os hospitais e centros de saúde conveniados ao sistema. Para se ter uma idéia da enorme defasagem de
preços basta dizer que um parto, que custa para a unidade de saúde cerca de R$ 800, é remunerado em apenas R$ 317,39 pelo
Ministério. Já uma diária de UTI, orçada em R$ 850, tem somente R$ 213,71 cobertos pelo SUS. Não há o que discutir: essa diferença
é a principal causa da situação pré-falimentar de boa parte das Santas Casas e dos hospitais filantrópicos nos quatro cantos
do País.
Em São Paulo, Estado onde 57% das internações do SUS são feitas pelas Santas Casas, a Secretaria de Estado da Saúde decidiu
criar um auxílio financeiro a essas entidades, para minimizar os estragos causados pela falta de reajuste na tabela do SUS.
Até o final do ano, 136 hospitais filantrópicos paulistas com atendimento regional e capacidade instalada superior a 30 leitos
passarão a receber um valor fixo mensal do governo do Estado. Já até abril, 30 dessas unidades começarão a receber a verba
fixa. É uma solução de emergência encontrada pela nova administração estadual para que muitos hospitais sobrevivam, ganhem
fôlego, saiam da UTI, enquanto a correção dos valores pagos pelo Ministério da Saúde não vem.
O problema será resolvido? Apenas quando o Ministério pagar um valor justo aos hospitais que atendem e socorrem 80% dos
brasileiros mais necessitados.
Por fim, e não menos importante, existe o desafio urgente, de todos os gestores da saúde brasileira, de reforçar a ação
solidária nos três níveis de governo, reorganizando a referência e contra-referência no atendimento primário (aquele para
casos mais simples), secundário e terciário, para vencer uma das principais barreiras do sistema, que é o acesso do cidadão
aos serviços da rede. Evitam-se, dessa forma, deslocamentos desnecessários, filas nos hospitais e esperas por exames e cirurgias.
São estas, de maneira sucinta, as prioridades do SUS, do atendimento médico público brasileiro. É preciso correr contra
o tempo, agir já. Evidentemente que há muito mais por fazer, mas as medidas que listamos são absolutamente cruciais para estancar
o sangramento e, sem paliativos, propiciar novo fôlego à saúde nacional.
Luiz Roberto Barradas Barata, médico sanitarista, é secretário de Estado da Saúde de São Paulo e escreveu para o jornal
O Estado de São Paulo em 13/01/2007