19/10/2014
Nova análise do CFM aponta queda acentuada de leitos do SUS desde 2010. Pediatria, psiquiatria e obstetrícia foram as áreas mais comprometidas
Quase 15 mil leitos de internação, aqueles destinados a pacientes que precisam permanecer num hospital
por mais de 24h horas – foram desativados na rede pública de saúde desde julho de 2010. Naquele mês,
o país dispunha de 336,2 mil deles para uso exclusivo do Sistema Único de Saúde (SUS). Em julho deste
ano, o número passou para 321,6 mil – uma queda de quase 10 leitos por dia. As informações foram
apuradas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) junto ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do
Ministério da Saúde. O período escolhido levou em conta informação do próprio governo
de que os números anteriores a 2010 poderiam não estar atualizados.
Para o presidente do
CFM, Carlos Vital, os dados revelam uma realidade que, diariamente, aflige médicos e pacientes em unidades hospitalares
de todo o país. “A insuficiência de leitos para internação ou realização de
cirurgias é um dos fatores que aumenta o tempo de permanência dos pacientes nas emergências. Por falta
desses leitos, os pacientes acabam ‘internados’ nas emergências à espera do devido encaminhamento
ou referenciamento”. Segundo Vital, a falta de leitos para internação é considerada a principal
causa da superlotação e do atraso no diagnóstico e no tratamento, que, por sua vez, aumentam a taxa de
mortalidade.
Em números absolutos, os estados das regiões Sudeste são os que mais
sofreram com redução no período, em grande parte pelos resultados do Rio de Janeiro, onde 5.977 leitos
foram desativados desde julho de 2010. Na sequência, aparece o Nordeste, com 3.533 leitos desativados no período.
Centro-Oeste e Norte sofreram cortes de 1.306 e 545 leitos, respectivamente. A região Sul é a única que
apresenta ligeira alta de leitos (417 a mais).
Dentre as especialidades mais afetadas no período,
em nível nacional, constam pediatria cirúrgica (-7.492 leitos), psiquiatria (-6.968), obstetrícia (-3.926)
e cirurgia geral (-2.359). Já os leitos destinados à clínica geral, ortopedia e traumatologia foram os
únicos que sofreram acréscimo superior a mil leitos. Clique aqui para conferir a quantidade de leitos de internação por especialidade
nos meses de julho de 2010 e 2014.
Leitos de observação e UTI
O levantamento do CFM apurou ainda os leitos de repouso ou de observação, utilizados para suporte das ações ambulatoriais e de urgência, como administração de medicação endovenosa e pequenas cirurgias, com permanência de até 24 horas. Nesta categoria, houve um aumento de 15% na quantidade de leitos no período.
Também foram apurados na pesquisa os chamados leitos complementares (reservados às Unidades de Terapia
Intensiva - UTI, isolamento e cuidados intermediários). Ao contrário dos leitos de internação,
essa rede complementar apresentou alta de 12%, passando de 24.244 em julho de 2010 para 27.148 no mesmo mês de 2014.
O maior acréscimo (1.312 leitos a mais) aconteceu nos estados do Nordeste, seguido pelo Sudeste (1.012). Nas regiões
Norte, Centro-Oeste e Sul o aumento foi mais tímido, de aproximadamente 200 leitos a mais em cada uma delas.
Apesar desse acréscimo, há indícios de que a quantidade de leitos de UTI não seja suficiente
para atender as demandas da população. No último dia 7 de outubro, por exemplo, médicos do Hospital
de Urgência de Teresina e do Hospital Getúlio Vargas tiveram voz de prisão decretada após recusarem
receber pacientes por falta de leitos na UTI. Após o episódio, representantes do Conselho Regional de Medicina
do Piauí (CRM-PI) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) saíram em apoio aos
profissionais do Estado e cobraram das autoridades de saúde local estratégias para evitar esse tipo de ocorrência,
na qual o profissional é responsabilizado judicialmente por falta de leitos.
“Não se pode responsabilizar o médico pela falta de leitos. Sempre que um paciente não consegue um leito em UTI não é porque o médico recusa a internação, mas porque não há leitos disponíveis para esse atendimento e, em alguns casos, não há nem infraestrutura adequada para o atendimento de pacientes com essa complexidade”, disse o presidente da Amib durante reunião com entidades médicas locais.
Em agosto, um bebê de três meses morreu após esperar quatro dias por um leito de UTI na rede pública
do Distrito Federal. Apesar de uma determinação da Justiça para internação da criança
na UTI, a Secretaria de Saúde informou que não havia vagas disponíveis.
Abaixo
da média mundial
Embora a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) não recomendem ou estabeleçam taxas ideais de número de leitos por habitante, é possível observar que, em relação a outros países com sistemas universais de saúde, o Brasil aparece com um dos piores indicadores.
De acordo com o último relatório de Estatísticas de Saúde Mundiais da
OMS, o Brasil possuía 2,3 leitos hospitalares (públicos e privados) para cada grupo de mil habitantes no período
de 2006 a 2012. A taxa é equivalente à média das Américas, mas inferior à média
mundial (2,7) ou as taxas apuradas, por exemplo, na Argentina (4,7), Espanha (3,1) ou França (6,4).
Segundo
o relatório, “a densidade de leitos pode ser utilizada para indicar a disponibilidade de serviços hospitalares
e as estatísticas de leitos hospitalares são geralmente extraídas de registros administrativos de rotina”,
como as bases do CNES, no caso do Brasil. Confira ao lado a proporção de leitos
por mil habitantes em outros países:
Menos 32 mil leitos no SUS desde 2005
Em 2012, quando o CFM fez pela primeira vez esse tipo de levantamento sobre os recursos físicos
disponíveis no SUS, identificou-se que 42 mil leitos haviam sido desativados entre outubro de 2005 e junho de 2012.
Após a denúncia e sob cobrança de explicações por parte do Ministério Público
Federal (MPF) e Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério da Saúde justificou que a queda de leitos
representa uma tendência mundial decorrente dos avanços em equipamentos e medicamentos que possibilitam o tratamento
sem necessidade de internação do paciente. Em seguida, no entanto, chegou a tirar o banco de dados do ar, alegando
que o sistema passava por atualização.
Segundo
nota explicativa do Ministério da Saúde, as informações relativas aos leitos complementares (Unidades
de Terapia Intensiva e Unidades Intermediárias) “compreendidas entre agosto/2005 a junho/2007 estavam publicadas
de forma equivocada, contabilizando em duplicidade os quantitativos desses tipos de leitos”. A partir de outubro de
2012, no entanto, foram corrigidas as duplicidades identificadas nos totais dos leitos complementares.
Meses
depois a consulta aos recursos físicos foi restaurada. Com a “atualização” e partir dos novos
números, é possível observar que a quantidade de leitos de internação desativados nos últimos
nove anos (outubro de 2005 a julho de 2014) chega a quase 32 mil. Quase metade desse total fechado apenas nos últimos
quatro anos. O novo cálculo, no entanto, mostra também um aumento de 28% no número de leitos de UTI e
de 114% naqueles destinados ao repouso e observação de pacientes.
Fonte: CFM