Para diretor do Conselho Regional de Medicina, condições do mercado e de trabalho no serviço público acabam levando profissionais
a erros
Levantamento divulgado neste mês pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) revelou que o número de processos por erro médico
encaminhados à Corte subiu 200% nos últimos seis anos. Em 2002, foram 120. Este ano, até o final de outubro, já chegavam a
360 os novos casos.
Mesmo apontando aumento expressivo, a estatística do STJ está longe de definir a quantidade de conflitos entre médicos
e pacientes no Brasil - muitas ações não chegam às instâncias superiores. Ainda mais se levarmos em conta que o leque do que
pode ser classificado como erro médico é extenso, indo desde um diagnóstico errôneo de uma doença até um bisturi ''esquecido''
no corpo do paciente.
O diretor regional do Conselho Regional de Medicina (CRM) em Londrina, João Henrique Steffen Jr., pede cautela na análise
dos números. Para o obstetra, muitos ''erros'' não passam de desinformação do paciente. Outras vezes, são frutos de más condições
de ensino e trabalho oferecidas na área. Garantindo não haver traços de corporativismo em sua avaliação, Steffen Jr. falou
à FOLHA.
Os números do STJ preocupam a classe médica?
É preciso fazer uma distinção entre o aumento real e o proporcional. O número de médicos aumentou e, em conseqüência,
os problemas. O que está nos preocupando mais é a multiplicação de faculdades de medicina que não formam profissionais de
qualidade. Além disso, os recém-formados não encontram vagas suficientes na residência médica.
Aumentaram os erros ou a disposição dos pacientes para denunciar?
Nos últimos anos têm havido muitas denúncias sem fundamento, que não constituem erro médico. Grande parte dos casos poderia
ter sido resolvida de maneira amigável, com uma conversa mais franca entre paciente e médico. Hoje existe o ''consentimento
informado'', um documento em que o paciente declara ter conhecimento das possíveis complicações de um procedimento.
A arrogância de alguns profissionais, que se recusam a ''traduzir'' a linguagem médica para o paciente, atrapalha
o diálogo?
Há aqueles que usam uma linguagem tão sofisticada que fazem o paciente se sentir ''pequenininho''. Mas acho que não existe
mais a figura daquele médico onipotente, quase Deus. Hoje a medicina é uma prestação de serviço, em que as duas partes têm
que se entender previamente.
O sr. acredita que os casos de imprudência - médicos fazendo procedimentos para os quais não estão preparados -
estão muito ligados à sede por lucro?
Algumas vezes ocorre que o médico quer viver. Mas como não obteve uma formação que permita exercer com dignidade a profissão,
começa a apelar. Existe uma proliferação de profissionais que não fazem parte da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica
(SBCP), por exemplo, trabalhando sem especialização.
Mas a cirurgia plástica é um bom exemplo de como a medicina pode gerar ganhos exorbitantes. Isso nos leva a pensar
que há muitos médicos prejudicando pacientes não exatamente por sobrevivência...
Acredito que são poucos, até pela fiscalização da SBCP. Outra coisa: há alguns anos, a cirurgia plástica tinha obrigação
de finalidade, e não de meio. Mas os acórdãos de diferentes conselhos regionais apontaram que a cirurgia plástica, como outras
especialidades, não pode ser considerada como de fim. Você se compromete a empregar todos os recursos para atingir um objetivo,
mas nem sempre vai conseguir. Além disso, a reação biológica de cada indivíduo é diferente.
E não há médicos vendendo ilusões para não perder pacientes?
É muito difícil a gente problematizar sobre isso porque não temos acesso à conversa entre médico e paciente. Nós partimos
para uma fiscalização maior quando um determinado profissional começa a ser alvo de sucessivas denúncias de má prática.
A falta de estrutura na rede pública contribui para os erros?
Na rede pública existe um número mínimo de pacientes que cada médico tem que atender - 30, 35 pessoas no dia. Casos
sérios, que mereceriam maior atenção, passam despercebidos.
O Estado também é punido nesses casos?
A corda sempre arrebenta do lado mais fraco, que é quem atendeu. Pelo Código de Ética, o médico deve se recusar a trabalhar
em condições que não ofereçam um bom atendimento, mas se sujeita para não perder o emprego.
O aumento dos processos já está deixando os médicos mais cautelosos?
O que está ocorrendo hoje é a medicina defensiva. Como prevenção, o médico é obrigado a pedir exames desnecessários
- 60% dos exames dão resultados normais.
Quantos médicos foram punidos pelo CRM recentemente?
Há diferentes tipos de punição - desde advertência em caráter reservado ou público, até a suspensão da atividade por
três meses a um ano. Nos casos mais graves, pode haver cassação do exercício profissional. No ano passado, dois médicos foram
cassados no Paraná.
Não é pouco?
Não se você considerar que a aplicação da penalidade é precedida sempre de uma sindicância, com oportunidade de ampla
defesa, um processo que pode levar cinco, seis anos. No CRM, as denúncias são analisadas sob o prisma científico, e não do
ponto de vista emocional. Muitas vezes o que pode parecer corporativismo, na verdade é uma análise fria e desapaixonada.
Fonte:
Folha de Londrina.