12/11/2020

Dr. Gabriel Martins, o médico que atendia os pobres no início de Londrina

Ele chegou em 1936 à cidade e foi responsável por construir o Hospitalzinho de Indigentes, onde todo o atendimento era de graça; faleceu em abril de 1943 e hoje é homenageado emprestando nome para uma praça e uma escola

O resgate da trajetória de pioneiros de Londrina deve ser permanente para que as gerações subsequentes possam conhecer as pessoas que estabeleceram as bases do município para que eles pudessem prosperar.  Há pessoas homenageadas com nomes em logradouros que os mais jovens mal conhecem. O nome do médico Gabriel Carneiro Martins, por exemplo, está presente em uma escola localizada no Jardim Bancários (zona oeste) e também  em uma das mais antigas praças de Londrina, na área central, hoje integrada ao Calçadão.

Martins foi o segundo médico a desenvolver atividades sanitárias em Londrina. Ele chegou em 1936, como Delegado de Higiene, cargo ocupado até então por Oswaldo Dias.  Além das funções públicas, era um profissional experiente em cirurgia geral, clínica geral e hábil em curar doenças respiratórias, venéreas e as que mais acometiam as crianças.

clique para ampliarclique para ampliarDr. Gabriel Martins. (Foto: Arquivo)

A professora Jolinda de Moraes Alves, vice-coordenadora da pós-graduação de serviço social e política social da UEL (Universidade Estadual de Londrina) é autora do livro “Assistência aos pobres em Londrina: 1940/1980”. A obra, publicada em 2013, trata das primeiras instituições que deram assistência a esse público em Londrina. E conta que Gabriel Martins foi o responsável por abrir o “Hospitalzinho de Indigentes”, em 1939.

A docente relata que em 1933 foi aberto o Hospital da Companhia de Terras Norte do Paraná, mantido pela empresa colonizadora e cujos serviços eram cobrados. Em 1937 uma epidemia de febre tifoide acometeu os trabalhadores da Colônia Orle, que pertencia ao município de Londrina, e Martins começou atendendo esses pacientes em um consultório. “Ele era um benemérito, uma pessoa caridosa. Muitas vezes fazia a consulta e não cobrava. Às vezes ele mesmo comprava remédios”, relata.

Quando acabou a epidemia de tifo, o médico continuou atendendo como um posto de saúde. “Mas ele precisava de leitos para os pacientes com tuberculose, hanseníase e fogo selvagem”, detalha a professora.  Por isso, ele montou o que ficou conhecido como o “Hospitalzinho de Indigentes.  O serviço foi estabelecido em um imóvel cedido gratuitamente por Alexandre Rasgulaeff. Era uma casa de madeira com quatro cômodos: sala, cozinha e dois quartos. Um dos quartos era reservado para doenças contagiosas; outro quarto e a sala tinham camas que serviam de leitos. ”Ele ficava na rua do Comércio (atual rua Benjamin Constant), esquina com a rua Mato Grosso, não na parte onde hoje tem o Pronto Atendimento Infantil e nem a Praça Tomi Nakagawa, porque ali era a ferrovia. O Hospitalzinho dos Indigentes ficava do outro lado da rua do Comércio, onde hoje tem várias lojas”, explica Alves.

PARA O TRABALHADOR

No início da colonização de Londrina era preciso derrubar as matas e assim surgiam casos de malária e também acidentes de trabalho. “O trabalhador que não tinha onde receber tratamento também era atendido no hospital de Gabriel Martins. Mesmo se não pudesse pagar, ele  não deixava sem atendimento”, enaltece Alves. “Ele sensibilizou o governo do Estado e conseguiu equipamentos e medicamentos. O médico Anísio Figueiredo, que era do hospital da Companhia de Terras, também era voluntário no Hospitalzinho de Indigentes. Ele emprestava instrumentos cirúrgicos do outro hospital e operava no Hospitalzinho dos Indigentes. Os médicos se solidarizavam com essa figura de Martins”, observa a autora do livro.

clique para ampliarclique para ampliarPraça no centro, que leva seu nome. (Foto: Folha de Londrina)

HERNA E NINA

A única enfermeira do hospital  era Herna, cujo sobrenome se perdeu na história, mas que era chamada de anjo por seu cuidado com cada paciente que entrava no local.  Para manter a estrutura não era fácil e Martins frequentemente recorria a comerciantes, produtores rurais e funcionários da CTNP para pedir dinheiro. Tinha o hábito de atravessar a rua e tomar café com o cerealista José Bonifácio e Silva, sócio da Frederico Platzeck & Co Ltda, multinacional que fabricava a Maizena, e sempre recebia apoio financeiro.  A mulher do cerealista, Evangelina Rodrigues e Silva, conhecida por Nina Bonifácio, ouviu a história do hospital e se ofereceu como voluntária. Além de auxiliar nos curativos, Nina também ajudava no preparo de sopas para os pacientes internados no local.

Nina, já falecida, foi uma das pessoas entrevistada por Jolinda Alves para a sua pesquisa. Ela descreveu à professora que Martins improvisava quando havia aumento de pacientes. “Ele colocava colchão no chão, mas não deixava de atender”, destaca. Tanto que no momento em que o Hospitalzinho dos Indigentes foi desativado, todos os pacientes foram transferidos para a Santa Casa, recém-inaugurada com uma ala para indigentes, e naquele momento foram contabilizadas 27 pessoas, quase o dobro da capacidade do antigo imóvel de Alexandre Rasgulaeff.

AMANHECEU MORTO

Gabriel Martins prestou atendimentos no hospital, em parceria com outros médicos, até às vésperas de sua morte, 23 de abril de 1943. Morreu solteiro e ficou conhecido por aqui como o médico dos pobres. No livro “Serviços médicos em Londrina (1933 a 1971): Responsabilidade e compromisso”, Herman Iark Oberdiek coloca que Martins recebeu um ofício de São Paulo, indagando o paradeiro de pessoa portadora de “lepra nervosa”, que não deixa sinais visíveis. “A pessoa foragida de sanatório era conhecida de Gabriel Martins, e ele buscou colegas para conversar sobre o assunto. Dr. Gabriel Martins enviou um ofício confirmando a localização da pessoa procurada, convidou os amigos para um jantar em casa, serviu vinhos, conversou com todos, despediu-se muito de cada um. No dia seguinte, 23 de abril de 1943, amanheceu morto na cama. O atestado de óbito, por consenso dos amigos médicos, indicou morte súbita por parada cardíaca.”

A professora Jolinda de Moraes Alves, autora do livro sobre assistência aos pobres em Londrina,  relata que em  homenagem ao fundador do Hospital de Indigentes, a praça que ficava em frente de sua casa foi batizada de Gabriel Martins. “Foi feito um busto de bronze. Quando me mudei para Londrina residia em frente à Praça Sete de Setembro, perto dali, e sempre que passava pela praça via o busto. Quando implantaram o Calçadão, na década de 1970, o busto foi removido e não sei onde foi parar”, aponta.

Integrante do conjunto de quatro praças que compõem a elipse central do traçado original de Londrina, a Gabriel Martins foi projetada inicialmente para ser uma das áreas verdes da região. Assim como a Praça Willie Davids, que fica em frente ao Teatro Ouro Verde, tinha traçado em forma de triângulo com três eixos. Em sua primeira remodelação foram aplicados pedras do tipo petit pavê com motivos geométricos em onda e pinheiros estilizados.

Na gestão José Richa,na década de 1970, o espaço  chegou a receber pavimento grandes placas de concreto, com desenhos de cafés e margaridas, idealizados pelo arquiteto grego Panayote Saridakis. Posteriormente a praça foi remodelada em 1977,  com projeto arquitetônico do urbanista Jaime Lerner, e o petit pavê foi implantado no local, quando o espaço foi incorporado ao Calçadão da avenida Paraná, com desenho feito pelo arquiteto Hely Bretas Barros. Aos poucos a ideia de homenagear o médico pioneiro acabou apagada pelas transformações do cenário urbano. O local perde, inclusive, o busto de bronze do médico.

Nos anos 1980 o local ainda abrigou telefones públicos, quiosques e sua nomenclatura acabou dando lugar a uma confraria chamada Boca Maldita, inspirada na homônima curitibana, em que se discutia política. Em dezembro de 2011 foi entregue a terceira etapa de remodelação que removeu os petit pavê e os trocou por blocos de concreto intertravados. Uma das últimas interferências foi a implantação de uma “árvore digital”, em 2017. O local também recebeu escultura do artista plástico Carlos Kubo.

Fonte: Reprodução reportagens de autoria do jornalista Vitor Ogawa e publicadas no jornal Folha de Londrina, edição 12 de novembro de 2020.

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