06/03/2014

Dos extremos ao relativismo moral, assim caminha nossa sociedade

Alexandre Gustavo Bley

Vivemos sob a égide da impunidade relativa, pois infelizmente não somos iguais perante a lei. Assistindo à desmoralização do Supremo Tribunal Federal, pensei: em qual curva nos perdemos? O ser humano se baliza por referenciais e tanto o Estado quanto a religião assumem o papel de formadores morais. Logo, o comportamento da sociedade está ligado diretamente às leis feitas pelo homem ou por Deus. Portanto, dentro deste conceito, a base sólida de princípios de uma sociedade sempre foi religiosa e/ou legalista, assim como o medo sempre foi o pano de fundo para muitas atitudes – ou a falta delas.

A antítese do medo é a fé, pois esta busca a renovação da esperança enquanto aquele geralmente paralisa. No livro do Gênesis, podemos verificar o reflexo disso na figura de Adão, que deixou a fé de lado e se escondeu com medo de sua nudez revelada. Num mundo mais moderno, o medo de ser preso ou ir para o inferno faz parte do ideário humano e, apesar de continuar sendo agente moral repressivo, está perdendo força.

Nessa lógica, confesso que, como pai, estou extremamente preocupado com os caminhos trilhados pela atual sociedade. Não porque os medos estão saindo de cena, mas sim pelos inúmeros escândalos que demonstram o desgaste no discurso das instituições religiosas, bem como a falta de rumo moral no Estado, criando uma dificuldade de referência que gera o caos.

Invariavelmente, quando vejo algumas notícias na mídia, minha mente faz uma regressão à minha infância. Quando criança, recebi os conceitos de certo e errado que vinham dos meus pais e dos meus antepassados. Pessoas forjadas com o suor de quem lutou muito para ter o seu pão e construir o seu patrimônio. Era a época do lema “o trabalho enobrece o homem”. Podem me perguntar: isso ainda existe? Na atual sociedade individualista, em que a lei da vantagem impera, confesso que está cada vez mais difícil sustentar esse discurso.

Sempre me preocupei com extremos por entender que a possibilidade de ajuste e a maleabilidade ficam comprometidas. Ao pensar nesse assunto, lembrei-me das aulas de Moral e Cívica e da forma como éramos doutrinados a cumprir nossos deveres. Estudava em um colégio religioso protestante que estimulava o patriotismo e era rígido disciplinarmente. Existia um clima de respeito, mais pelo medo que por outra coisa, reflexo do momento político que vivia o país. O poder era exercido pela força.

Hoje, novamente a mão do Estado se reflete na educação; se no passado a força oprimiu e vivíamos uma vida de deveres, hoje o dinheiro corrompe e os direitos estão acima de tudo. O que é certo ou errado? Alguém sabe a resposta? Depende. Na política dos direitos, contrapor-se é sinal de retrocesso ou até preconceito. Estamos enfrentando sérios dilemas éticos e o que impera é um relativismo moral que está servindo de álibi para alguns indivíduos. Presenciamos muita discussão estéril numa sociedade voltada ao prazer e ao consumo, em que a superficialidade é presente inclusive nas relações.

Como as instituições experimentam uma fase de obscurantismo, sob a égide da impunidade relativa, o referencial se esvai e isso contamina as gerações. Os episódios deprimentes que verificamos na política velhaca deste país só fazem aumentar o mar de lodo e desânimo, em que bandidos com suas capas e punhos cerrados, travestidos de super-heróis, recebem honras enquanto os inúmeros heróis anônimos sentem vergonha de defender o que é certo.

Estamos em processo de transformação dentro da sociedade. A base precisa ser refeita; depende muito de nós. Que o medo não seja a tônica, mas sim a fé de que não há mal que para sempre perdure. Aos religiosos, orações ao alto, solicitando intervenção divina para a correção de rumos na aplicação da palavra de Deus. Da mesma forma, espera-se uma atitude de maturidade ao avaliarmos os postulantes aos cargos eletivos do nosso país, separando o joio do trigo e elegendo pessoas que mantenham princípios incólumes.

Tanto direitos como deveres devem trabalhar com interdependência, possibilitando que a meritocracia impere. Quero poder dizer para meus descendentes que o trabalho enobrece o homem, sim, e que pelo seu suor ele será bem recompensado, sem ser taxado de visionário, ignorante, lunático ou, de forma mais moderna para quem não concorda com os rumos tomados pelo país, coxinha.

Artigo escrito pelo médico, conselheiro e ex-presidente do CRM-PR, Alexandre Gustavo Bley e publicado no jornal Gazeta do Povo do dia 07/03/2014.

* As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

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