09/06/2023
Contemporâneos e presentes na trajetória da revista cultural Iátrico, do CRM-PR, eles foram distinguidos com a Medalha de Lucas - Tributo ao Mérito Médico em intervalo de 12 anos
A edição número 36 da revista Iátrico, publicação cultural do CRM-PR que circulou em versões impressa e digital no segundo semestre de 2017, trouxe em destaque o tema “Gratidão”. Na capa, uma pintura do artista catalão Salvador Dalí, extraída da centúria de gravuras que produziu inspirado numa das maiores obras da literatura mundial: A Divina Comédia, do escritor italiano Dante Alighieri. Como exposto também na capa, junto com o título principal, a justificativa de que a edição era "dedicada à generosidade, semeio da transformação".
A escolha da temática propunha uma reflexão e, ao mesmo tempo, homenagear todos aqueles que são merecedores do respeito e carinho dos semelhantes, em especial aí a figura do profissional médico. E tinha no conteúdo uma deferência especial ao Dr. João Manuel Cardoso Martins, o mentor e editor da revista Iátrico, que havia falecido no final do ano de 2014 e deixado importante legado como propagador do conhecimento e cultura. A aquarela de Dalí estava presente no acervo de obras do Dr. João Manuel, que a enxergava como uma mensagem de “acolhimento”, substantivo maior na conduta do médico.
A imagem, de fato, invoca sentidos de gratidão e justiça como antídotos à soberba, à vanglória e à vaidade. E foi sob esta leitura que muitos dos artigos presentes naquela edição da revista inseriam médicos benfeitores sob anonimato. Um dos artigos da edição (partir da página 16) trazia como títulos conjugados “Infância sincera. Lugar mágico”. Ali, uma historinha em quadrinhos onde uma criança retratava o bem-estar da convivência com o seu pediatra, com o qual continuou sob assistência mesmo depois que ele mudou de cidade. O presentinho em forma de desenho remetia ao ano de 2003 e foi guardado com carinho pelo médico, não nomeado na reportagem tal qual a sua paciente de então, moradora em Irati (hoje já graduada em psicologia).
“Aqui não é relevante nomear o médico que recebe a referência de gratidão da ex-paciente pelas boas influências que hão de sinalizar até suas futuras condutas na vida pessoal e profissional. O importante é que ele, o médico, tem a convicção de ter cumprido com louvor a sua missão hipocrática sob o olhar atento às necessidades e modernidades”, indicava um trecho do material jornalístico, que acentuava a importância da conduta do médico para com seus pacientes e acompanhantes.
Resgatar aspectos da edição da revista que circulou há seis anos tem o propósito de reverenciar a memória de dois ilustres médicos paranaenses em especial. O primeiro, o também professor e escritor João Manuel, que neste mês de junho de 2023 estaria completando 76 anos de idade e 52 de Medicina. Homenageado pelo CRM-PR, com a Medalha de Lucas – Tributo ao Mérito Médico, em 2010, e pelo CFM, com a Comenda Moacyr Scliar de Medicina, Literatura e Artes, em 2013, o Dr. João ensinava em uma de suas obras (Jaculatórias: sugestões para o dia a dia do médico): “O melhor do médico não está no que diz, sempre suscetível de erros ou más interpretações, mas no que faz. E no que fica”. E reforçava: “Os fundamentos da boa educação são atenciosidade e bondade. Por que não exercê-los na Medicina? Consolidariam definitivamente a imagem médica”.
O segundo, o pediatra Luiz Ernesto Pujol, que neste ano estava completando o Jubileu de Ouro na Medicina
e que há pouco nos deixou. Com histórico de mais de 40 mil pacientes crianças atendidas e engajamento
em ações de defesa da infância saudável e protegida da violência, o Dr. Pujol também
recebeu a honraria da Medalha de Lucas, em 2022. Foi ele o médico mantido no anonimato, a seu pedido, quando da reportagem
com os desenhos da paciente mirim. “Por mais empático que possa ser o diálogo com a criança, o
médico não estará imune à espontaneidade e sinceridade inerentes a ela”, ensinava.
João Manuel, nascido num pequeno vilarejo de Portugal e que emigrou para o Brasil, com os pais, aos seis anos, e Pujol, natural de Curitiba, eram do mesmo ano de 1947. O primeiro de 26 de junho; o segundo, de 25 de janeiro. Professor da PUCPR por mais de 40 anos e membro da Academia Paranaense de Medicina, o Dr. João iniciou a publicação Iátrico ainda como encarte do Jornal do CRM-PR, virando depois suplemento e, mais tarde, a revista da qual editou até o número 34, que teve como tema central “Os donos da bola”. O Dr. Pujol foi presidente do CRM-PR e era seu atual secretário-geral. Foi ainda diretor da Associação Médica do Paraná e da Sociedade Paranaense de Pediatria. Era admirador e colaborador da revista cultural do CRM-PR. Faleceu em decorrência de câncer, doença que também vitimou o Dr. João Manuel.
A palavra "gratidão" soa como resposta da classe médica a dois de seus ilustres expoentes éticos, detentores de privilegiado saber, compartilhado com os pares - e com seus pacientes - ao longo da carreira. Que seus ensinamentos estejam sempre presentes e possam ser bem acolhidos àqueles que exercem ou que se iniciam na atividade médica.
Para refletir
“O médico trata de pessoas. Leve sempre em conta o fator humano que envolve a relação médico-paciente. A relação sempre envolve dois ou mais lados. Caso essa relação tenha equívocos, esses podem estar relacionados com definições que fogem ao padrão de pacientes: o médico pode estar se relacionando apenas com clientes, doenças e/ou números. Tal equívoco pode ser fatal para o futuro da relação. A ética diz respeito à convivência humana. Existe para dar comodidade aos encontros.” (João Manuel Cardoso Martins).
CONFIRA EDIÇÃO 36 DA REVISTA IÁTRICO E A RESPORTAGEM SOBRE "INFÂNCIA SINCERA" A PARTIR DA PÁGINA 16.
N.R. Agradecimento ao Prof. Rogério Andrade Mulinari por ter relembrado a história dos desenhos, que integram o acervo de mimos das crianças que o Dr. Pujol guardou como legítimas "relíquias" .