20/09/2013
Alexandre Gustavo Bley
A indefinição em torno do programa Mais Médicos, lançado há dois meses pelo governo federal, vem despertando uma enxurrada de opiniões em toda mídia, sendo um dos assuntos mais comentados desde então. Várias pesquisas têm sido realizadas e veiculadas, demonstrando resultados díspares quanto ao assunto. Múltiplas versões, algumas apaixonadas, têm tentado influenciar a opinião pública. Isso ocorre, pois em sendo uma medida provisória, o Congresso tem que apreciá-la em um prazo máximo de 120 dias, caso contrário automaticamente perde seu efeito. Já se passaram mais de 60 dias e milhões de reais pagos ao governo cubano.
As 567 emendas propostas demonstram claramente que a medida tem sérios vícios de origem, como as questões trabalhistas trazidas à baila pela terceirização feita com a ilha de Cuba. Por outro prisma, ao atacar princípios jurídicos, bem como burlar a legislação vigente, o assunto já aportou no judiciário, que também deverá clarear a questão.
A avaliação imediata é a pertinência da medida, ou seja, a relevância e urgência que justifiquem um ato unilateral da Presidência da República. Nesse contexto, o tema tem relevância, pois se trata do acesso da população à saúde. Entretanto, não da forma como foi tratada, com superficialidade e açodamento, indicando que a urgência está baseada na tentativa de salvar a imagem de um governo desgastado pela falta de ações efetivas para melhorias em prol da sociedade brasileira. Portanto, ao invocar urgência, a Presidência assume publicamente a inércia que tomou conta dos gestores públicos, pois é papel do Estado prover um acesso qualificado.
Passados dois meses, o que de prático este governo conseguiu foi semear a discórdia, impondo, com o uso da propaganda oficial, um massacre midiático contra a classe médica, além de fomentar a estigmatização sobre os já subjugados cubanos e, ainda, oferecer falsa ilusão aos brasileiros. Afinal, o que mais se ouve é a máxima de que “melhor um médico qualquer do que nenhum”. Opinião distorcida de quem não sofre na pele a falta de opção e qualidade no seu atendimento, ou de quem já se acostumou com o descaso da gestão pública.
A postura do governo em não revalidar os diplomas dos médicos formados no exterior, com a justificativa de que com essa atitude obriga-os a se fixar em determinado local, evitando assim a migração para centros mais estruturados, demonstra cabalmente a real situação da saúde no país. O médico, como qualquer outro profissional, acaba por se instalar nos locais onde existem recursos mínimos para o desenvolvimento do seu trabalho.
Os desencontros que contaminam o programa podem ser percebidos pela atitude de algumas prefeituras em suspender concursos ou substituir seus médicos pelos custeados pelo governo federal, situações já devidamente denunciadas para o Ministério Público do Trabalho pelo CRM-PR. Isso sem falar no alto índice de desistências decorrentes do “choque de realidade” do médico diante da infraestrutura disponível. De forma amadora, o primeiro lote de documentação encaminhado pelo Ministério da Saúde e Advocacia Geral da União ao Conselho, para o registro provisório desses profissionais, mostra inúmeras incongruências que reiteram a impossibilidade de autorizar o exercício da atividade.
Este país só terá futuro quando enfrentar suas mazelas de frente, edificando medidas capazes de dar respostas eficazes às necessidades do povo. Da mesma forma, a transparência deve ser a base do modelo de gestão, combatendo o fisiologismo, a corrupção e a inversão de responsabilidades. A impunidade é a mãe de tudo isso e só um governo comprometido, trabalhando lado a lado com a justiça, poderá atuar de forma a construir uma sociedade justa e saldar a dívida com o país. A classe médica está, como sempre esteve, receptiva para dialogar e contribuir para o aperfeiçoamento do nosso sistema público de saúde, respeitando seus princípios de universalidade, equidade e integralidade dos serviços.
Alexandre Gustavo Bley, presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná.