22/06/2015
Editorial O Estado de S. Paulo
Notícias ruins há muito se tomaram a regra no que se refere ao Sistema Único de Saúde (SUS). A cada novo estudo sobre ele corresponde uma constatação preocupante, que levanta dúvidas sobre a capacidade do sistema, do qual depende a assistência médico-hospitalar para a massa da população, de se manter sem uma ampla reformulação. O último levantamento sobre a defasagem da sua tabela de procedimentos, desta vez comparando os valores pagos por ele com os dos planos de saúde - que já deixam a desejar -, mostra que a situação continua desanimadora.
A pesquisa foi feita pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que utilizou valores de 2014 da tabela do SUS para 18 procedimentos. Ela separou do valor total o que foi pago à equipe médica e depois comparou essa remuneração com os valores estipulados pela Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), que é usada como referência nos pagamentos do setor de saúde suplementar. Os números a que a pesquisa chegou são impressionantes.
Uma das conclusões principais é que a remuneração média paga pelos planos de saúde chega a ser 1.284% maior do que os honorários recebidos por profissionais de hospitais conveniados ao SUS. Um exemplo é o de uma cirurgia de estômago, pela qual o médico recebe de planos de saúde, em média, R$ 496,52. Pelo mesmo procedimento, o profissional que trabalha em hospital conveniado ao SUS ganha apenas R$ 35,88. A diferença do que se paga por consulta básica na rede pública e em planos pode chegar a 664% - de R$ 10 para R$ 76,40. Ela é ainda maior, de 902%, no caso de cesariana feita por equipe do SUS ( R$ 75,03) e dos planos (R$ 752,16). A diferença em todos os procedimentos foi superior a 100%.
Num estudo anterior e mais abrangente, cujos resultados foram divulgados recentemente, o CFM já havia chamado a atenção para uma das principais causas que explicam tamanha diferença entre a realidade e a tabela do SUS. Entre 2008 e 2014, período que compreende os governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, 74% (1.118) de 1.500 procedimentos hospitalares tiveram seus valores reajustados abaixo da inflação medida pelo índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O mínimo a fazer, para evitar o agravamento da situação, era aplicar a correção inflacionária plena, pois é notório que a defasagem da tabela do SUS vem de muito longe.
As consequências desse descaso com a saúde pública são as piores possíveis. Comentando o estudo do CFM, seu primeiro-secretário, Hermann von Tiesenhausen, advertiu que aqueles baixos valores não prejudicam apenas os médicos, mas igualmente os pacientes e as instituições filantrópicas conveniadas ao SUS. Segundo ele, "os hospitais e as prefeituras acabam tendo de se virar para oferecer uma remuneração melhor e segurar o médico naquele emprego", o que nem sempre conseguem, como reconhece. Foi a baixa remuneração dos profissionais de saúde, para citar um exemplo, que levou o Hospital Stella Maris, de Guarulhos, a fechar diversos serviços prestados ao SUS.
A maioria dos hospitais conveniados ao SUS, em todo o Pais, como é o caso principalmente das Santas Casas, tenta manter o atendimento contraindo dívidas, na esperança de receber socorro dos governos federal e dos Estados, ajuda que demora e só contorna precariamente a situação, adiando a solução do problema, que na verdade se agrava.
O Ministério da Saúde vem insistindo em que a tabela do SUS já não representa mais a única forma de custeio. Ele garante que os valores extras, fora da tabela, correspondem a 40% dos R$ 14,8 bilhões destinados pelo governo aos hospitais conveniados ao SUS. Mas a defasagem da tabela atingiu tais proporções que esses valores não conseguem compensá-la. A melhor prova disso é que, mesmo com eles, a crise dos hospitais continua grave.
Já está claro, a essa altura, que os remendos não bastam. E preciso repensar a saúde pública, porque, a continuar nesse ritmo e nessa direção, o sistema pode entrar em colapso.
Editorial publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 22 de junho de 2015