02/07/2012

Diagnóstico rápido na tela do celular

Pesquisadores criam dispositivo para smartphones que detecta doenças infecciosas e disponibiliza testes rápidos para médicos de todo o mundo



Gláucia Chaves Doenças infecciosas são, em geral, silenciosas e rápidas. Enfermidades como a malária, a Aids ou a tuberculose, se não descobertas a tempo, podem custar a vida do paciente. Daí a necessidade do diagnóstico rápido da doença. Em áreas remotas e sem ferramentas médicas, no entanto, essa fase inicial do tratamento pode ficar seriamente comprometida, quando não impossível de ser feita. Uma alternativa criada pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA, na sigla em inglês) pode significar o fim da espera por resultados, além de mais agilidade nas providências médicas. Misturando tecnologia e medicina, os pesquisadores inventaram um dispositivo que, quando acoplado a smartphones, é capaz de ler TRD) em pouquíssimo tempo. Com o resultado imediato, os médicos terão acesso a um mapeamento mundial dos locais em que a doença descoberta ocorre. O estudo foi publicado na revista especializada Lab on a Chip.


A lista de vantagens dos TRDs é extensa: além de fornecer resultados instantâneos, eles dão aos médicos uma vigilância mais eficiente de eventuais surtos de doenças e praticamente não exigem capacitação alguma para serem manuseados. A desvantagem é que, justamente por estar ao alcance de qualquer pessoa, há riscos na interpretação dos exames. Aydogan Ozcan, professor de engenharia elétrica e de bioengenharia da UCLA e um dos principais pesquisadores envolvidos no trabalho, reforça que, hoje, esses tipos de testes estão propensos a erros, especialmente porque são lidos manualmente e por haver "tipos diferentes sendo utilizados pelos profissionais de saúde".


Ozcan e sua equipe, então, desenvolveram um dispositivo compacto e de baixo custo para ler esses cartões de teste. O acessório é conectado a um smartphone, que já deve ter o aplicativo próprio instalado, também criado pelos pesquisadores. O programa lê e registra o exame (veja infografia). De acordo com o engenheiro, o leitor é universal, pesa aproximadamente 65g e precisa apenas de uma lente, três matrizes de LED e duas pilhas AAA. Uma vez inserida no anexo, a imagem do cartão é digitalizada, como em um scanner. O conjunto capta a imagem, e o relatório, com a validação do exame é enviado para um servidor global que, com a ajuda do Google Maps, cria um mapa mundial com marcações, ou tags, dos locais afetados pela doença em questão.


A ideia é que a marcação no mapa ajude os médicos no controle e no estudo da evolução de doenças infecciosas. Depois de digitalizadas, as imagens podem ser arquivadas pelo tempo que for necessário, o que facilitará consultas posteriores. "A plataforma será útil para profissionais da saúde e para decisores políticos, que, para combater as doenças infecciosas, poderão entender as relações de causa e efeito em uma escala muito maior", conclui Aydogan Ozcan.


O projeto dos pesquisadores norte-americanos até parece simples, mas, para Vanete Thomaz Soccol, professora de biologia molecular do Programa em Biotecnologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), pode revolucionar o diagnóstico e as pesquisas nas áreas de epidemiologia. "Para o diagnóstico individual, esse método é o que os serviços de saúde precisam, pois é de fácil interpretação e dispensa freezer de armazenamento", reforça. Vanete frisa que, além de eliminar erros de interpretação e de leitura de testes, outra grande vantagem do dispositivo é a centralização das informações no banco de dados. "A plataforma poderá enviar os dados a centros de referência, às secretarias de Saúde ou ao próprio Ministério da Saúde, no caso do Brasil."


João Eduardo Ferreira, professor do Departamento de Computação do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP), diz que, apesar de o projeto não apresentar grandes inovações tecnológicas - uma vez que a tendência de transformar celulares em unidades computacionais eficientes já existe e está sendo colocada em prática há algum tempo -, a pesquisa da UCLA conseguiu unir três tecnologias úteis em prol da saúde. Além do uso do smartphone, ele menciona a automação dos resultados e as técnicas para o tratamento de informações geográficas. "A plataforma computacional reduz o tempo entre o processamento dos resultados de exames clínicos e moleculares e a disponibilização e a visualização georreferenciada em larga escala", resume. "O projeto exigirá das unidades de celulares uma maior capacidade de processamento computacional."


Projetos parecidos O Brasil também conta com iniciativas semelhantes à criada por Aydogan Ozcan e sua equipe. Um exemplo é o aparelho para a leitura de testes rápidos fabricado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), pelo Instituto Carlos Chagas, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e pela Lifemed, empresa que produz equipamentos médicos e hospitalares. Cyro Ketzer Saulo, físico da UFPR e responsável pelo desenvolvimento e pela produção das partículas usadas na máquina, explica que o método conseguirá identificar a presença do HIV, da rubéola, da sífilis, da toxoplasmose e da hepatite B em gestantes. Com apenas uma gota de sangue, o diagnóstico sairá em 30 minutos. A princípio, Saulo diz que os resultados são voltados para doenças infecciosas que possam ser transmitidas de mãe para filho. "No futuro, ele poderá ser usado para detectar qualquer coisa", complementa.


No caso de uma pessoa com suspeita de dengue, por exemplo, o exame será capaz de identificar se o indivíduo sofre a doença do tipo 1, 2, 3 ou 4. "Quando a pessoa vai doar sangue, o material só é analisado depois que já foi usada uma bolsa para armazená-lo e uma enfermeira foi colocada à disposição para a coleta. Tudo isso tem custos", argumenta o especialista, fazendo referências às situações em que doenças são descobertas após a doação de sangue. O projeto está em fase de desenvolvimento. A equipe ainda precisa desenvolver proteínas específicas para cada doença a ser identificada, mas a previsão é que o aparelho chegue ao Sistema Único de Saúde (SUS) em 2014.



O estudo


Para testar a invenção, os pesquisadores usaram exames de rápido diagnóstico para malária, tuberculose e HIV.


Os estudiosos instalaram o dispositivo em smartphones com sistema operacional Android e iOS.


Além de capturar as imagens amostrais com a câmera do celular sob a luz do sol e a iluminação de uma sala comum, os pesquisadores criaram um ambiente com luminosidade própria e interface mecânica.


A sala especial foi projetada para aumentar as possibilidades de repetir os experimentos sem erros de leitura causados por mudanças na iluminação ou na inclinação do cartão (o que poderia influenciar nos resultados).


Os pesquisadores usaram, então, amostras de sangue previamente testadas em laboratório no dispositivo para ter certeza de que os testes eram, de fato, positivos para as doenças.


O diagnóstico com o aplicativo e com o dispositivo foi repetido 10 vezes para cada doença. Os resultados foram sempre positivos, o que confirmaria a eficácia da invenção.



O dispositivo


Os pesquisadores tinham a intenção de criar um método para o rápido diagnóstico de doenças infecciosas para ser usado especialmente em locais em que o acesso a recursos médicos é escasso.


Acoplado ao celular, o dispositivo é capaz de ler qualquer teste de rápido diagnóstico, uma vez que tem um adaptador mecânico que se ajusta ao tamanho dos cartões.


1 - Três matrizes de LED com difusores garantem uma iluminação uniforme dos testes, que são encaixados no anexo em bandejas personalizadas.


2 - O reflexo e as matrizes de transmissão são controlados manualmente por um interruptor, localizado na parte lateral do dispositivo, ou digitalmente, pelo conector de áudio do celular.


3 - São capturadas 10 imagens dos testes, que são processadas digitalmente em apenas 0,2 segundo.


4 - O aplicativo próprio criado pelos cientistas registra e valida o teste, ou seja, faz a leitura automática do resultado.


É gerado um relatório automatizado com a validação do exame e com a quantificação da intensidade da cor das linhas do teste.


5 - Em seguida, o aplicativo transmite os dados resultantes com as imagens e demais informações (como dados demográficos) a um servidor global.


6 - Os resultados do diagnóstico são apresentados em um mapa do mundo, com marcações, chamadas tags, nos locais em que a doença foi registrada.


7 - O mapa resultante fica disponível para ser visto ou compartilhado pela internet ou pelo próprio aplicativo.


8 - O tamanho do arquivo final - incluindo o relatório do diagnóstico, o teste digitalizado, as informações do paciente e demais detalhes - nunca passa de 0.05MB, facilitando, assim, o compartilhamento em locais em que a internet não é potente.


9 - Além de ficar armazenado no servidor, o arquivo é guardado na memória do celular - outro motivo para o tamanho diminuto dos arquivos.


A plataforma será útil para profissionais da saúde e para decisores políticos, que, para combater as doenças infecciosas, poderão entender as relações de causa e efeito em uma escala muito maior - n Aydogan Ozcan, professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles.



Amostras em tiras


Os testes de rápido diagnóstico são, geralmente, pequenas tiras em que amostras de sangue ou de fluidos corporais são colocadas e analisadas. As alterações específicas na cor da tira, que ocorrem dentro de minutos, indicam a presença ou não de infecção. Diferentes testes podem ser utilizados para detectar várias doenças, incluindo a Aids, a malária, a tuberculose e a sífilis.



Kit rápido


Orçado em R$ 950 milhões, o projeto faz parte do Programa Rede Cegonha, criado pelo governo federal neste ano. A matéria-prima será o poliestireno, também usado na fabricação do isopor. Nas partículas de poliestireno, os médicos adicionarão proteínas ou pedaços de DNA de bactérias ou vírus. Quando em contato com o sangue infectado, a proteína faz com que o conjunto fluoresça.



Fonte: Jornal Estado de Minas

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